Loiro, forte vestido com uma camisa branca entrou onde eu estava. Ele me lembrava alguém conhecido. Disse que eu ficaria ali por alguns dias, talvez semanas. Me disse tudo sobre mim. Mais do que eu mesma já sabia. Eu estava internada, obviamente. Era quase noite, meus pais tinham ido tomar um café, ele disse.
Ele sorriu e disse que o nome dele. Thales. Me lembrei da matéria da escola, lembrei dos meus amigos. Estava dopada. Não sei exatamente por quanto tempo Thales ficou ali - sorriso dele é lindo - Apaguei.
Abri os olhos outra vez. Minha mãe estava deitada com a cabeça na minha cama. Orando. Eu conseguia ouvir. Pai - Nosso acompanhado de Ave Maria e soluços. Meu pai não sei por onde andava. Minha mãe levantou a cabeça e me abraçou.
Tinha arruinado tudo. Outra vez.
- Alguém tire essas agulhas e esse tubo de mim, e me deixe morrer! Minha mãe se culpava de ter sido ela. Por ter sido quem me fez começar isso tudo. Culpada por minhas cicatrizes. Talvez fosse. Mas a culpa foi minha. 90% minha. - Por que tão estúpida? tão burra? por que tão gorda?
Enfermeira trouxe sopa. De praxe. Estava com tanta fome após dias e dias sem comer. VAZIA. Minha garganta ainda ardia pela noite anterior. Sopa de legumes. Antigamente, minha favorita. A dificuldade era em engolir as 664 calorias. Os números embrulhavam meu estômago.
Eu disse que não queria, eu menti outra vez estava ótima. Ela sorriu. Dali para frente, teria de comer de 3 em 3 horas - ela disse. Me olhei no espelho enquanto ela falava. Nunca me senti tão feia como naquele momento.
Meu cabelo não tinha vida, meus olhos eram tão fundos e tristes, minhas bochechas quase já não existiam mais. Não existe sensação pior do que estar morrendo de dentro para fora.
Se perdendo em si mesma. Cada vez mais. Acabei tomando duas colheradas de sopa. Eu estava realmente enjoada.
Na sexta, já conseguia mexer no celular.
Não tinha ido a escola, por dois dias. Por sorte o hospital tinha Wifi. Ninguém sabia o que tinha acontecido. Ninguém. Respondi à quem sentiu minha falta. Estou bem. Era o suficiente. Ninguém precisa saber que tem um tubo no meu nariz. Informação desnecessária.
Mas duas pessoas precisam saber. Minhas duas melhores amigas. Não sei o que seria de mim sem elas. Estou bem. Internada mas bem, eu disse à elas. Logo a notícia se espalhou. Recebia várias mensagens perguntando como eu estava. Não tinha forças para responder todos. Então mandei uma foto. Nela eu estava sorrindo com tubo no nariz e graças ao espelho que estava na prateleira a cima, todos viram a agulha nas minhas mãos junto a pulseira com minhas informações. Só disse que os amava.
Minha melhor amiga estava em choque. A gente mora longe uma da outra mas eu a conheço. E como! Disse que eu ficaria bem, que eu tinha que ir e que eu a amava.
Me disseram que não conseguiam me imaginar numa maca. Disseram que eu era guerreira. Disseram que eu estava me matando. Como se eu não soubesse. Não desista, eles disseram. Mas aquilo não valia de nada, não naquela hora. Eu estava presa em uma cama, sem poder sair. Ninguém podia fazer nada.
Depois de duas semanas, sem tubo. Finalmente. Meus pais não brigaram nessas duas semanas que estive aqui, pelo menos não na minha frente. O médico loiro disse que eu sairia logo dali se continuasse seguindo a dieta. Mas eu não queria. Nunca quis estar ali. Por que não me deixaram morrer?
Na escola, todos já sabiam. Notícias se espalham rápido. Meus amigos fingiam que nada estava acontecendo, mas estava. Minhas melhores amigas estavam sem comer e sem dormir a dias. Eu sinto muito - pensava eu lembrando delas.
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Meus rascunhos.
Non-FictionAbrir os olhos e ver que somos autores de nosso próprio destino e que a vida não passa de um grande história com rascunhos diários, rascunhos que foram feitos para serem corrigidos.