Cap.10 Olhos que se abrem

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Sento-me no fundo da sala acolchoada, a iluminação está baixa, pois as crianças assistem a um filme. Paulyer (que aqui é o Vincent) senta-se ao meu lado.

-Tudo bem?

-Um pouco de dor de cabeça, nada muito sério.

-Hum. Okay. Olha, me responde uma coisa com toda sinceridade do mundo?

-Okay!

-Por que você me odeia tanto? -aquelas palavras estavam num tom de súplica e realmente ele estava se esforçando para sermos amigos, tenho sido um bocado mau para ele e eu não gosto de magoar as pessoas. Aqueles olhos me fitam, esse olhar dele é aquele dos meus sonhos, aquele que parece ler minha alma.

-Hum... É chato ter que assumir isso, mas eu não te odeio. Sabe, desde muito nova eu sempre quis ser a mais esperta da sala e por ser um ano adiantada na escola eu me convenci de que era especial. Passei toda minha vida achando que não havia muitos jovens espertos como eu e isso me fez querer ser sempre bajulada por minha inteligência, mesmo que eu nunca demonstre isso. Hum... Quando te conheci tive raiva de você por ser tão genial. Não é ódio, acho que no fundo eu te admiro, só não sei demonstrar. Mas de qualquer forma, tenho raiva por outros motivos, tipo, você é uma das únicas pessoas que entra em debates comigo. -Falo tudo isso com uma dor no peito, ai orgulho! Respiro fundo enquanto olho no fundo de seus olhos procurando o mínimo sentimento, mas aquele olhar é sempre tão inexpressivo.

-Entendi. Eu já "odiei" alguém por ser mais inteligente que eu rsrs. Por isso decidi ser professor, e agora o meu antigo rival é presidiário haha. Mas tudo bem, apesar de nossas brigas eu vejo um grande potencial em você. Por causa disso que eu cobro muito de ti nas aulas. -Ele fala com um pequeno sorriso.

-Olha, não pense que depois disso algo vai mudar! Esqueça que isso aconteceu, ok?!

-Claro! -Ele pisca se levantando e indo aumentar a iluminação, o filme acabou.

***

"Como o sol ilumina a lua fazendo todos admirá-la, assim seu sorriso ilumina-me. É por você que quero ser uma pessoa melhor, mesmo que você não note. Bom dia!" -Anony

Encaro o ecrã esfregando os olhos, estou gripada, mas preciso ir pro CAACC. Levanto-me da cama, o quarto continua escuro, dia chuvoso. Tomo uma ducha morna, umedeço os cabelos pra pentear e em seguida prendo duas mechas laterais atrás da cabeça, fazendo o resto permanecer solto. Enrolo-me na toalha calçando as pantufas. Espirro. Pego uma calça jeans de estampa militar e uma blusa de manga longa preta, amarro uma jaqueta marrom na cintura e calço meus all stars pretos. Pego a mochila e saio me arrastando até a cozinha.

-Bom dia, Sammy. Estás bem? -Adrian me pergunta preocupado.

-Continuo gripada. - respondo me jogando na cadeira.

-Hum. Toma, bebe! -Ele estende um copo com suco de acerola e laranja. Bebo, em seguida como um pouco de cereal. Visto a jaqueta e me despeço dele com um beijo na cabeça. Lá fora o céu está cinza e carregado de imensas nuvens. Engulo um comprimido e saio de casa fechando o portão atrás de mim. Jogo a mochila nas costas, olhando para o chão. Tou bem pra baixo com essa gripe hoje. Venta muito e eu fecho o zíper da jaqueta até em cima enfiando meu rosto por baixo do tecido jeans. Com as mãos nos bolsos e apenas os olhos a mostra eu sigo o caminho até a Casa do meu querido amigo hahaha.

***

Já no Colégio Encontro com algumas meninas do time de futebol, cumprimento-as.

-O que você quer? -Suzana pergunta com raiva.

-Eu só estava dizendo "oi"! -Nisso a Joana agarra meus braços para trás e as meninas fecham um semi-círculo comigo no meio.

-Vai atear fogo na gente também?

-Parem com isso, não fui eu, vocês precisam acreditar em mim!

-Qualé, Samantha! Desde o começo você dizia que era uma péssima ideia entrarmos no campeonato e insistiu para que não fôssemos!

-Eu disse aquilo, pois sabia que era uma armação. O outro colégio planeja pôr garotas de 20 anos para jogar contra nós! E eu sei que vocês não aguentam o pique delas.

-Aah, sua desgraçada! -Suzana grita avançando em mim largando um soco no meu rosto que pega de raspão em meu lábio. Sinto o sangue quente escorrer pelo meu queixo. Solto-me rápido e largo uma joelhada no abdômen dela que cospe sangue em seguida. Paul aparece separando a briga.

-Joana! Leve a Suzana na enfermaria! Eu vou levar essa mocinha para a direção da escola! -Ele fala severo pegando no meu braço e me puxando de leve até uma sala de jogos onde ninguém nunca vai.

-Tudo bem?-Ele fala sentando e olhando preocupado para minha boca que sangra.

-Parece? - Sento ao seu lado.

-Não. Hahaha. -Ele sorri pegando um guardanapo do bolso da calça e se aproximando de mim.

Cuidadosamente, Paulyer passa o guardanapo onde escorreu o sangue. Olho-o assim tão perto, seus cabelos castanhos, maiores do que de costume, caíam sobre sua testa, um pouco bagunçados; seus olhos sempre inexpressivos fitavam com concentração o meu ferimento. De tão perto eu podia sentir seu perfume, cheiro de shampoo masculino e Kaiak Adventure, cheiro doce que estava a se impregnar em minhas narinas enquanto eu olhava aqueles cabelos castanhos... Pus-me a olhar aqueles olhos que me prendiam até que esses olhos se levantam me encarando. Nos olhamos intensamente, calados, por uns pequenos segundos. Minha boca parece seca, minhas mãos suam e minha respiração se torna pesada, só pode ser essa gripe.

-Hum... Er... -Paulyer gagueja meio desconcertado. -A... Acho que já ta bom! -Ele fala se referindo ao meu corte no lábio, tirando o guardanapo.

-Dói! -Reclamo.

-Dizem que um beijo cura muitas dores. -Ele fala e eu gelo. Logo ele se aproxima de mim aos poucos, seus lábios formando um bico. Seu rosto a menos de 5 centímetros do meu.

***



Sonhos de uma tarde de outonoWhere stories live. Discover now