Capítulo 1

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O suave farfalhar das folhas invadia meus ouvidos, o vento parecia uivar suavemente, enquanto o canto dos canários se sobrepunha a todo barulho, meus pés descalços tocavam o chão gélido enquanto forçava-me para andar até o parapeito da janela para observar o céu e sentir a brisa leve contra meu rosto balançar meu cabelo.
Era solstício de verão, o que queria dizer que o verão estava apenas começando e minhas férias escolares iniciavam, mas para minha felicidade, ou nem tanto assim, iria passar essas férias em um acampamento de verão, voltando para casa apenas no ano novo, em outras palavras, passaria o natal com completos estranhos, no meio do mato, com adolescentes de todos os tipos e sem contato com a tecnologia.
No final do século XXI muitos acampamentos desse tipo foram criados para trazer para as crianças o encanto da infância, já que a tecnologia em excesso estava se tornando uma imensa bola de neve, crianças nem ao menos nasciam e já tinham uma conta em redes sociais, fotos espalhadas pela internet e logo se afastavam do contato social para dedicarem-se integralmente à tecnologia.
O problema atingiu todo o globo e os institutos governamentais, assim como a ONU e a OMS, foram acionadas para solucionar essa crise, essa onda tecnologica que repercutia no bem estar e contato social de nossas crianças.
À partir de muitos estudos e diversas propostas rejeitadas foram criadas muitas escolas e acampamentos que possuiam um sistema que desconectava todas as redes wireless, de telefone ou outras redes que pudessem atrapalhar o desenvolvimento saudável das crianças no meio educativo.
Mas essa proposta não trouxe o resultado esperado e foi retirada deixando o assunto para ser resolvido no futuro, o que já não era uma surpresa, afinal a tecnologia acabara se tornando de suma importância para a atualidade, era uma forma de conectar os pais com seus filhos, um contato mais rápido com a escola, saber mais sobre o comportamento das crianças, não era inteligente cortar essas formas de comunicação.
Mas muitos acampamentos de férias continuaram com o projeto, como uma forma de "férias saudáveis" e liberdade da infância, uma forma sutil de tirar as crianças de dependências tecnológicas pelo menos em um curto período de tempo.
E é para um desses acampamentos que irei. Para os meus pais, aprender a sobreviver sem tecnologia é uma atividade extra que não pode nos faltar no curriculo, mas sinceramente, em pleno século XXII não existe lugar nenhum que não possua tecnologia.
Nesse acampamento existem diversos grupos: os artistícos, voltados à pintura, os artistas, voltados para o teatro, os poetas, voltados para a poesia em si, os historiadores, voltados para a história, os paleontologos, voltados para o descobrimento de fosséis, os musicos, voltados para a música em geral, os esportistas, voltados para o esporte, e por ai vai.
Os campistas poderiam escolher dois grupos para se encontrarem, mas claro que poderiam trocar no decorrer do acampamento, como uma forma de poderem experimentar diversas àreas culturais, novos desafios, e todos os dias há duas atividades em cada grupo, de forma que os campistas possam fazer uma atividade de cada grupo escolhido, apenas tinham que se disciplinar e não se atrasar.
Peguei minha mochila com o necessário para passar os nove dias no acampamento, em geral eram roupas comuns, dois sapatos, meu material de higiene pessoal, um pequeno bloquinho de anotações que hora ou outra me servia como diário, e meu livro favorito, o qual eu já havia lido no mínimo cinco vezes.
Sai de casa com a mochila em minhas costas, não me despedi, afinal não havia ninguém em casa para fazê-lo, meus pais quase nunca aparecem, vivem ocupados com o Estado, reuniões e essas coisas, mal tem tempo para comer quem dirá prestar atenção em sua primogênita.
Não que eu esteja reclamando, pelo contrário, entendo que é necessário esse afastamento, que faz parte do trabalho deles, cuidar de uma nação não é trabalho fácil e eu não podia colocar a mim mesma na frente de milhões de pessoas que dependem deles, seria egoismo demais.
Como estava sozinha não teria carona, de forma que peguei minha bicicleta azul metálica, que mudava de cor dependendo da inclinação da luz e do local onde se olhava, e pedalei pelas ruas pouco movimentadas enquanto ouvia o zumbir dos aeromóveis sobre minha cabeça.
Os aeromóveis foram criados na metade do século XXI, como uma forma de evitar acidentes terrestres, as ruas ficaram para os pedestres e bicicletas, skates, patins, entre outros meios mais saudáveis, enquanto a parte inicial sobre o ar, aproximadamente a altura de um prédio de vinte andares até um prédio de quarenta andares, ficava restrita para os aeromóveis e acima disso os aviões, helicopteros etc.
Estava na metade do caminho para o acampamento quando uma bola atingiu o pneu da frente de minha bicicleta, fazendo o guidão virar para a direita e meu corpo tombar para a esquerda junto com a bicicleta.
-Desculpa, garota da bicicleta, juro que foi sem querer - uma garota de cabelos escuros como o breu e enrolados se aproximou pegando a bola e estendendo sua mão em minha direção.
-Não foi nada, essas coisas acontecem - comentei tirando a bicicleta de cima do meu corpo e aceitando a mão da garota que me ergueu com uma força surpreendente - sou Oceania Rupert.
-Eu sei - a garota murmurrou mais para si mesma, e pensei em não comentar, afinal ela sussurrara então provavelmente não era para que eu escutasse - sou Anástasia, é um prazer conhecê-la e desculpe mais uma vez pela bolada.
-O prazer é meu - abaixei-me para pegar minha bicicleta e olhei para a garota a minha frente - eu tenho que ir agora, nos encontramos por ai.
Anastásia assentiu e vi um pequeno sorriso se formar em seus lábios e subi na minha bicicleta retomando meu rumo para o acampamento.
Não demorou muito para me ver longe de minha casa e entre arvores enormes, alguns pássaros solitários cantavam a procura de um par e eu os ouvia enquanto pedalava pela trilha, era triste ver o mundo atualmente, as pessoas pareciam ter se esquecido da natureza, estavam ficando tão presas aos seus próprios mundos que deixavam de contemplar a beleza de fora, os animais, as arvores, como se o encanto da mãe natureza tivesse sido quebrado pela tecnologia e isso era frustrante.
Ainda estava absorta em meus pensamentos quando ouvi um piar baixo e triste perto de uma arvore, era um som baixo e agudo, se assemelhando muito com um choro, parei de pedalar e apoiei meu pé direito no chão olhando ao redor até encontrar um pequeno pássaro caido ao lado de seu ninho, provavelmente ambos cairam ao mesmo tempo e o material do ninho amorteceu a queda do pequeno animal.
-Coitadinho - falei deixando minha bicicleta apoiada na arvore enquanto pegava a ave em minhas mãos e acariciava suas poucas penas em crescimento - não se preocupe, pequenino, vou ajudá-lo - coloquei o animal proximo a minha bicicleta e retirei o ninho do chão ajeitando-o no galho mais próximo possível e tendo a certeza de que este não cairia facilmente.
Ajeitei o filhote no ninho e voltei a seguir meu caminho, não estava tão distante do meu objetivo, já podia ver o portão enorme de madeira surgir em minha frente.
Logo ajeitava minhas coisas na pequena cabana, a qual teria que dividir com mais alguém, ou pelo menos era isso que eu esperava, já que havia outra cama ao lado da minha.
Um tempo depois estava escolhendo dois grupos para participar, a maioria dos alunos escolhia esportes ou física, era raro achar alguém voltado ao mundo artístico, a arte ao longo do tempo foi sendo deixada de lado e perdendo seu espaço para a frieza humana e suas ciências.
Após o surto criativo do século XXI as pessoas perderam a imaginação, a arte se industrializou na quarta revolução industrial, as pessoas não faziam arte por amor e sim por dinheiro, o que levou ao ápice e a decadência rápida das formas artísticas, mas fora uma queda tão silenciosa que as pessoas não ouviram, só perceberam sua falta quando não havia mais nada novo.
E agora no século XXII algumas pessoas tentam reconstruir a arte através de acampamentos, jogos e desafios, e é por esse esforço em sobreviver que a arte merece uma segunda chance, e foi por esse motivo que decidi meus grupos: artistas e poetas.
Mal podia esperar para minha primeira atividade como poeta.
Três. Esse era o número de campistas poetas. Apenas três contando comigo. Acho que devo dizer que sinto-me frustrada, completamente frustrada.
-Bom dia, queridos futuros poetas, fico muito honrada por escolherem o grupo poetas como primeira atividade de vocês - uma mulher de cabelos cor de fogo e olhos amendoados apareceu na pequena cabana do grupo poetas, seu sorriso era estonteante e sua voz possuia um tom animado e divertido o que me fez sorrir inconscientemente - nossa primeira atividade será criar um poema com palavras aleatórias que vocês irão encontrar nesse pequeno saco que tenho em mãos - a mulher ergueu o saco marrom e sacudiu e o barulho de papeis se fez presente - quero que cada um pegue dez palavras e mãos a obra.
-Poderia explicar melhor? Nós iremos pegar as palavras e colocar em ordem aleatória e pronto? - perguntou uma garota de cabelos claros assim como seus olhos.
-Bom, vocês irão pegar as dez palavras e colocar na ordem que quiserem e a partir dessas palavras vão acrescentar outras até formar um poema, o grande desafio é encontrar um sentido, uma forma de ligar todas essas palavras de forma coerente e claro, vocês podem mudar o gênero, número, pessoa, tempo verbal, para concordar com o que estão colocando no poema.
Após as dúvidas retiradas o saco de couro marrom passou por todos e retirei os meus torcendo para serem palavras relativamente fáceis.
As palavras que retirei foram: cidade, roteiro, preconceito, inspirado, monólogo, domingo, história, folha, espírito e religião.
Pensei inicialmente em começar com a palavra cidade, um poema sobre a cidade, parecia interessante, inspirador ou até inusitado, quem fala sobre cidade?
O começo foi mais ou menos assim:
"A cidade em um domingo de manhã
É como um roteiro de uma história banal
Escrito em pequenas folhas ao vento
Espalhadas em muitos carnavais
Um jovem inspirado em um monólogo de Shakespeare
Escreve com traços simples uma canção de amor
Seu espírito plácido permanece estático
A cada palavra escrita embaixo de uma arvore
A brisa leve que rodeia a cidade silenciosa
É apenas o que ressalva
O silêncio perdura e o som da caneta se exalta
Ao longe tem jovens que não ligam pra religião
Conversam inutilidades e zombam
Com seus inumeros preconceitos
Riem do jovem embaixo da arvore
Mal sabem eles que o jovem é mais pleno e feliz do que eles jamais seriam"
Olhei algumas vezes para o poema e ri com o sentido do poema, o caminho pelo qual passei, como um simples poema sobre a cidade poderia se transformar em algo sobre felicidade? Talvez no fundo a arte seja bem mais profunda que meras palavras jogadas ao vento.
-//-
Oi, queridos leitores!
Como vocês estão? Espero que estejam bem.
Queria fazer um desafio a vocês, não é exatamente obrigatório, mas para quem quiser, desafio vocês a tentarem criar um poema com palavras aleatórias, recortem de jornais, revistas, livros, de onde quiserem, e criem, libertem a imaginação de vocês.
A dica para conseguir palavras aleatorias é recortar no mínimo o dobro de palavras que irá usar e não tentem roubar, peguem os papeis sem olhar.
Mandem os poemas de vocês e os três primeiros irei deixar no próximo capítulo, então tentem mandar até quarta.
Obrigada a todos que leram até aqui e até o próximo.

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