Durante a madrugada, Jean Valjean acordou.
O ex-condenado pertencia a uma pobre família camponesa. Quando criança, não
aprendeu a ler. Ao crescer, tornou-se podador de árvores. Órfão de pai e mãe, foi criado
por uma irmã mais velha, casada e com sete filhos. Quando tinha vinte e cinco anos, a
irmã enviuvou. O filho mais velho tinha oito anos, o mais novo um. Jean Valjean tornou-se
o arrimo da família. Passou a sustentar a irmã e os sobrinhos com trabalhos grosseiros e
mal remunerados. Nunca namorou, nem nunca se soube que estivesse apaixonado.
Vivia para a família. Falava pouco, tinha o semblante pensativo. Quando comia,
muitas vezes a irmã tirava o melhor pedaço de seu prato para dar a uma das crianças, e
ele sempre permitia. Mas seu trabalho e o da irmã eram insuficientes para sustentar uma
família tão grande. A miséria aumentou. Certo ano, em um inverno rigoroso, Jean Valjean
não encontrou trabalho. A família ficou sem pão. Sem pão. Exatamente como está escrito.
Sete crianças.
Em uma noite de domingo, o padeiro da aldeia ouviu uma pancada na vidraça
gradeada. Correu. Chegou a tempo de ver um braço passando por uma abertura feita por
um murro na vidraça. O braço pegou um pão. O padeiro perseguiu o ladrão, que tentava
fugir. Era Jean Valjean.
Isso aconteceu em 1795.
Por esse crime, foi condenado a cinco anos nas galés. Explica-se: as galés eram
barcos movidos a remo. Os grupos de remadores, acorrentados, eram constituídos por
prisioneiros condenados. Havia um soldo miserável para cada um deles, guardado até a
libertação. Era um trabalho exaustivo, feito somente por condenados. Jean Valjean
recebeu grilhões nos pés. Foi acorrentado.
Deixou de ter um nome, passou a ser um número: 24.601. E sua irmã? E as
crianças? Pergunte a um vendaval onde arremessou as folhas secas. Sem ninguém por
eles, partiram ao acaso. Abandonaram a terra onde nasceram. Foram esquecidos. Com o
tempo, até Jean Valjean os esqueceu. Uma vez apenas, no quarto ano de sua pena, ouviu
notícias de sua irmã por alguém que os conhecera. Vivia em Paris com apenas um dos
filhos, o menino mais novo. Dos outros, nada se sabia. A irmã trabalhava todos os dias
como operária. Deixava o filho numa escola. Mas, como esta só abria mais tarde, o menino
ficava esperando no frio. Essa notícia foi como um relâmpago, como uma janela aberta
sobre o destino de quem ele amava. Uma janela que se fechou e não se abriu novamente,
porque Jean Valjean nunca mais os encontrou, nem soube deles, por mais que os
procurasse mais tarde.
No final do quarto ano de condenação, Jean Valjean tentou fugir. Ficou livre dois
dias, até ser capturado. Foi condenado a mais três anos. Quando cumpriu seis, tentou
outra vez, mas não conseguiu fugir. Resistiu aos guardas que o encontraram em seu
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Os Miseráveis victor hugo
RomanceOs Miseráveis, a narrativa que você vai ler agora, foi publicada, pela primeira vez, na França, em 1862. Transformou-se logo em grande sucesso. Foi traduzida para diversas línguas. Percorreu o mundo. É uma história com forte cunho social, mas o enre...