Capítulo 4A Moeda de Prata

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Jean Valjean deixou a cidade como quem foge. Seguia a esmo pelos caminhos,

sem perceber que dava voltas e acabava nos mesmos lugares por onde já tinha passado.

Tinha sensações desconhecidas. Raiva, mas não sabia contra quem. Seria impossível

dizer se era arrependimento ou humilhação. Às vezes, sentia uma espécie de ternura. Mas

em seguida a repelia, devido ao endurecimento dos últimos anos. Assustava-se com seus

sentimentos. Pensamentos passavam por sua cabeça. Quando entardeceu, estava

sentado atrás de uma moita, na planície, absolutamente deserta naquela hora. A poucos

passos, havia uma trilha.

De repente, ouviu um ruído de alegria. Virou a cabeça. Pela trilha vinha um garoto

de uns dez anos, vestido com calças velhas, rasgadas nos joelhos. Era um garoto da

Sabóia. Na época, esses meninos costumavam ir de aldeia em aldeia, fazendo pequenos

trabalhos. O garoto cantava e brincava com algumas moedas que trazia nas mãos. Era,

possivelmente, toda a sua fortuna. Entre elas, havia uma moeda de prata, mais valiosa. Foi

justamente essa que caiu no chão. Rolou até Jean Valjean.

Ele pôs o pé em cima. O garoto foi até ele.

— Senhor, minha moeda! — pediu.

— Qual o seu nome?

— Gervais, senhor.

— Vá embora! — ordenou Jean Valjean.

— Senhor, devolva meu dinheiro — insistiu o garoto.

Jean Valjean olhou para o chão. O garoto o agarrou, tentando fazer com que

tirasse o sapato de cima da moeda. Começou a chorar.

— Levante o pé! Por favor! Minha moeda!

— Ah, ainda está aí? Fuja para se salvar!

Assustado, o garoto começou a tremer. Depois, saiu correndo sem dar um grito.

De longe, Jean Valjean ouviu-o soluçar.

A noite caiu. Jean Valjean não comera nada o dia todo. Pensava, com o olhar fixo

no chão. Estremeceu com a brisa noturna. Levantou-se, pegou o cajado. Nesse instante,

viu a moeda, quase enterrada no chão. Teve um choque.

— O que é isso?

Era como se a moeda fosse um olho aberto, que o fixava. Depois de alguns

minutos, pegou-a. Olhou para longe. Não viu ninguém. Andou depressa, na direção para

onde fora o garoto.

Gritou, com todas as forças:

— Gervais, Gervais!

Ninguém respondeu. Esperou. Começou a correr, com a moeda na mão, à

procura do menino. Se ele tivesse ouvido, apareceria. Sem dúvida já estava longe.

— Menino! Gervais! — Jean Valjean gritava.

Correu para uma encruzilhada, já iluminada pelo luar. Um padre passava a

cavalo.

— Viu um menino chamado Gervais?

— Não — respondeu o padre.

Jean Valjean deu algumas moedas ao padre.

— Para os seus pobres. — Em seguida pediu, alucinado:

— Prenda-me. Sou ladrão!

Amedrontado, o padre esporeou o cavalo e fugiu.

Jean Valjean continuou a correr à procura do garoto. Até que ficou sem voz, de

tanto gritar na planície solitária. Caiu no chão, com as mãos enfiadas nos cabelos, e a cara

escondida nos joelhos. Exclamou:

— Sou um miserável!

Seu coração endurecido sucumbiu à força da emoção. Chorou. Pela primeira vez

em dezenove anos, chorou!

Jean Valjean já não era mais o mesmo homem. O perdão concedido pelo bispo o

ofuscava. Roubara a moeda do garoto em um impulso, por hábito, por instinto. Mas,

quando Jean Valjean tomou consciência de seu ato, veio a angústia.

Ao gritar "sou um miserável", ele se viu como realmente era. Teve horror de si

mesmo. Comparou o bispo a si próprio. A figura do bispo resplandeceu e encheu sua alma.

Durante muito tempo, chorou.

O que fez depois de chorar? Não se sabe ao certo. Mas um rapaz que levava a

mala do correio para Digne e que chegou à cidade às três da manhã, ao atravessar a

praça da catedral, viu diante da porta de Monsenhor Benvindo um homem ajoelhado,

rezando durante a madrugada.

Os Miseráveis victor hugoOnde histórias criam vida. Descubra agora