Primeira ParteA LiberdadeCapítulo 1Jean Valjean

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Em um dos primeiros dias de outubro, em 1815, antes do pôr-do-sol, um homem

viajava a pé. Tinha aparência assustadora. Seria difícil encontrar alguém com aspecto

mais miserável. Era forte, de estatura mediana. Parecia ter de quarenta e cinco a

cinqüenta anos. Na cabeça, um boné com aba de couro. A camisa, de tecido grosseiro,

mal fechada deixava ver o peito cabeludo. Calças esfarrapadas. Sapatos sem meias.

Nas costas, um volumoso saco de viagem de soldado. Trazia na mão um cajado

de madeira, cheio de nós. Cabeça raspada e barba crescida. O suor e o pó da estrada

tornavam sua aparência ainda pior.

Chegou à cidade francesa de Digne. Lá, ninguém o conhecia na cidade. Como

era hábito na época, passou na Prefeitura para se identificar. Apresentou seu documento,

uma espécie de licença, exigida para viajar pelo país na época. Em seguida, procurou a

melhor estalagem local, de propriedade de um tal Jacquin Labarre. Os fogões estavam

acesos. A lareira aquecia o ambiente. Labarre preparava o jantar destinado aos hóspedes.

Quando ouviu a porta se abrir, sem tirar os olhos do que estava fazendo, perguntou:

— Que deseja?

— Comer e dormir.

— Nada mais fácil!

Olhou o recém-chegado dos pés à cabeça e fez uma observação:

— Pagando!

O homem mostrou uma bolsa de couro.

— Tenho dinheiro.

— Estou às ordens — respondeu Labarre.

O recém-chegado tirou o saco de viagem dos ombros. Sentou-se perto do fogo.

Em Digne, cidade próxima à montanha, na região dos Alpes franceses, as tardes e as

noites são frias. O dono da hospedaria, entretanto, não tirava os olhos do homem.

Escreveu uma mensagem. Deu-a a um rapazinho que lá trabalhava. Este correu

para a Prefeitura. O forasteiro, com fome, perguntou:

— E o jantar?

— Não demora — respondeu Labarre.

O rapaz voltou com a resposta. O dono da hospedaria leu com atenção. Pensou

um pouco. Foi até o viajante e disse:

— Senhor, não posso hospedá-lo.

O homem espantou-se.

— Se quiser, pago adiantado.

— Não tenho quarto.

— Durmo na estrebaria.

— Não é possível, está cheia de cavalos.

— Fico em um canto qualquer. Depois do jantar, combinamos.

— Mas não posso lhe servir o jantar — disse Labarre, com voz firme.

O viajante quis explicar. Falou que fizera uma longa viagem.

— Estou morto de fome e cansaço. Eu pago! Mesmo assim, não posso jantar?

— Não tenho nada para servir.

Os Miseráveis victor hugoOnde histórias criam vida. Descubra agora