CAPÍTULO 3: - Giulia

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- Giulia -

Simplesmente eu não estava acreditando. Marina Amorim havia mesmo me mandando um e-mail, no meio de uma viagem a trabalho muito importante ela lembrou-se de mim e dedicou pelo menos um minuto do seu corrido tempo para "falar" comigo. Aquilo era demais pra minha cabecinha sonhadora. Em um único dia eu consegui um emprego em uma das agências mais renomadas do estado de São Paulo, e se duvidar até do Brasil, e consegui também falar digamos que pessoalmente com a mulher mais bela e inteligente do mundo. Exagero eu sei, mas pelo menos em minha concepção ela um raro exemplar de "mulher perfeita". Tudo o que um dia qualquer pessoa, seja homem ou mulher poderia procurar. Ela era muita areia para o meu pobre caminhãozinho, como Vick sempre disse, ela estava em um mundo muito distante, completamente diferente do nosso, e claro completamente inalcançável. Imagina só: a poderosa Marina Amorim, olhar uma garota que mal tem experiências em seu currículo. Ridículo! Só aconteceria mesmo em meus sonhos, e isso não custava nada né? Nos meus sonhos eu podia tudo, nada me era impossível.
Deixei meu celular de lado, liguei meu notebook, e abri o meu e-mail mais do que depressa. Eu havia escrito um e-mail para lhe responder, queria devolver-lhe a gentileza de ter se dado ao trabalho de ter parabenizado e claro, o motivo principal das minhas mãos estarem soando exageradamente: ela me receberia na segunda-feira, e o melhor de tudo, ela passaria no mínimo um mês o mais próximo que um dia imaginei chegar dela. Mas será que eu deveria mesmo mandar aquele e-mail? Será que ela me acharia muito audaciosa, impertinente ou coisa do tipo? Ah, não importa! Era só um e-mail, e com toda a certeza, esse seria o primeiro e último que ela me mandaria, e claro, o primeiro e último que eu lhe responderia. Dei mais lida rápida no texto e mandei. Seja o que Deus quiser!
De: Giulia
Para: Marina

Olá,
Boa Tarde ou Bom dia senhorita Marina

Não sei se irá considerar isso como uma enorme audácia, mas eu precisava lhe devolver a gentileza de ter me mandado um e-mail pessoalmente. Estou muito feliz por agora fazer parte da JUMP, lhe agradeço a oportunidade que me destes. Confesso que tinha uma pequena vontade, pequena não, enorme vontade de tê-la visto sentada em sua cadeira, queria muito ter te visto hoje, sou uma grande admiradora sua. E será uma enorme honra da qual eu não sei se sou merecedora ser recebida por Marina Amorim em sua agência, honra maior ainda ser treinada e receber auxílios seus. Até segunda-feira de manhã. Muito obrigada mais uma vez, e me desculpe pela audácia, mas não resisti, jamais resistiria.

Um abraço e um beijo
Atenciosamente, Giulia Monteiro.
P.S. Tenha uma ótima viagem.

Pronto! Já havia mando, não tinha mais volta, só o que eu podia fazer agora era rezar pra que ela não me achasse uma tremenda metida. Fiquei olhando para a tela do meu notebook, imaginando a expressão que tinha o seu rosto agora.
-- O que tem nessa tela de computador mais interessante do que eu hein?
Vick perguntou bem na altura de meu ouvido, parada atrás do sofá. Não teve outra, eu pulei do sofá levando a mão ao peito e fazendo com o que o notebook fosse parar no chão da sala.
-- Ai Vick! Que susto que você me deu.
-- Desculpe. - disse sentando no sofá e retirando o tênis - Mas conta ai, o que você tanto olhava nesse computador?
-- Meus e-mails.
-- Aham. Acho que foi bem mais que isso pra te deixar que nem uma estátua ai, além de surda.
-- Surda porque?
-- Pequena, você sabe como eu sou estabanada né? - fiz que sim com a cabeça - Pois é, eu topei no tapete da entrada e entrei em casa quase trazendo a porta junto comigo, cai de bumbum no chão. - disse coçando a cabeça - E você nem ouviu o estrondo que tudo isso fez. Então concluo que o que você estava lendo ai estava muito interessante. O que era?
-- Só estava vendo meus e-mails Vick, e me distrai com o conteúdo do último que abri.
-- Tá certo. - disse pegando sua mochila, seu tênis e indo para o corredor que levava para os quartos.
-- Não era pra você está trabalhando não?
-- Era sim! Mas eu prometi a uma certa tampinha que chegaria cedo. Vou tomar um banho já volto!
-- Tá certo. Vou fazer a sua lasanha rapidinho! - disse me encaminhando para a cozinha.
Vick realmente fez como havia prometido, saiu cedo do trabalho para ficar comigo, e por sinal, ela saiu bem cedo. Eu nem havia começado a preparar a massa da lasanha. Olhei para o relógio na parede da cozinha e marcava 18:30hs. Preparei tudo o mais rápido que eu pude, mas sem deixar de caprichar. Eu amava cozinhar, e se não fosse eu naquela casa Vick ainda estaria alimentando-se apenas de miojo, ela era um desastre na cozinha, juntando a sua falta de prática com o talento que ela tem de ser estabanada, Victória na cozinha era sinal de perigo. Sorri ao lembrar de um dia em que ela quase colocou fogo na cozinha ao tentar fazer um simples macarrão. Coloquei a lasanha no forno e fui na direção do meu quarto para tomar um banho. Passei na frente do quarto de Vick e esse estava com a porta aberta, eu a vi sentada na cama com a toalha ainda em seus ombros e o celular nas mãos. Me detive por alguns segundos na porta até que ela me notou e me olhou com uma carinha de quem estava segurando o choro. Entrei na mesma hora no quarto e sentei-me ao seu lado na cama.
-- O que houve minha maninha?
-- A Érica! - disse desviando o olhar para o celular novamente.
Érica era uma garota com quem Vick estava saindo a quase quatro meses, saindo não, namorando. Era nítido o interesse de Érica em Vick, todo mundo podia enxergar isso, menos a própria Vick, ela enxergava apenas paixão no meio de tudo aquilo. Mas a questão é que Érica queria apenas tirar vantagem, queria se aproveitar de um relacionamento em que ela seria completamente "beneficiada" se namorasse com a mulher que por paixão poderia dar um jeitinho, mexer os pauzinhos pra adiantar os trâmites da licitação em que a sua empresa participava. De forma honesta, e completamente transparente minha maninha, a Vick até tentou, mas a empresa da bruaca enfrentava um problema burocrático, então ela não podia fazer mais nada, sendo assim eu já imaginava o que a deixava tão triste. A nojenta havia terminado com a minha criançona.
-- O que tem ela Vick?
-- Ela terminou comigo pequena, e não teve nem a decência de olhar na minha cara pra terminar, me mandou apenas isso - disse entregando o celular.
-- Ela terminou contigo por mensagem? - ela apenas balançou a cabeça.
Eu lia e relia a mensagem e não conseguia entender como aquela mulher foi capaz de algo tão baixo, foi capaz de abandonar uma pessoa como a Vick, uma criança grande, de coração enorme, de sorriso sempre estampado no rosto...ai não dava pra entender.
-- Que mulher mesquinha! - esbravejei.
-- Não fala assim pequena. - ela olhou pra mim com uma lágrima teimosa rolando por seu lindo rosto - Sabe, eu acho que não fui feita pra ser feliz Giulia. Acho que a minha cara metade, a outra parte da laranja deve ter sido comida por alguém. Eu tava me apaixonando por ela sabe? E é sempre assim, eu me apaixono e a pessoa cai fora. Eu sou tão feia assim? Tão boba? O que há de errado comigo?
-- De maneira nenhuma você é feia Vick, você é linda! - disse a abraçando - E você não é boba, é apenas uma pessoa que vê bondade em tudo e todos. Não há nada de errado com você, apenas não encontrou a pessoa certa pra você, elas é que são completamente loucas. Então, levanta esse rosto, não chora porque ela não merece, se troca e vai olhar a nossa lasanha senão ela vai queimar. Tá certo? - indaguei secando seu rosto com as mãos.
-- Tá certo. Eu vou lá olhar a lasanha. Não vou chorar, bola pra frente. - disse me dando um pequeno sorriso.
-- Isso mesmo. Você é muito especial Vick, e a pessoa pra te merecer tem que ser muito especial também. Você tem que ser merecida! - disse me levantando da cama e dando um beijo em sua bochecha.
-- Te amo minha tampinha, minha maninha!
-- Também te amo. - falei da porta.
Entrei em meu quarto dividida entre a tristeza e a alegria. Eu odiava ver a Vick daquele jeito, ela era sempre tão alegre que me entristecia profundamente ao vê-la com aquela carinha triste. Ela merecia alguém que a fizesse muito feliz...alguém como...alguém como...ALICE! Aquele nome estalou em minha cabeça, e novamente me veio a imagem de Vick e Alice juntas. Elas formariam um casal perfeito, elas combinavam! Será? Quem sabe? Com o tempo, eu poderia conhecer um pouco mais de Alice, saber se tinha um namorado, uma namorada, ou estava disposta a ter uma, e claro, iria averiguar bem direitinho se ela era uma pessoa em eminência para fazer Victória sofrer novamente. Ai quem sabe eu não pudesse promover um encontro entre as duas.
O banho inteiro foi com aquela empolgação de quem estava prestes a fazer algo muito importante. Seria muito perfeito se fosse eu a apresentar a outra metade da laranja para ela, eu queria vê-la com cara de apaixonada e feliz. Apaixonada...eu não sabia o que era isso, eu nunca havia me apaixonado por ninguém. Havia ficado com uns dois meninos em toda a minha vida, mas nunca senti nada que pudesse ser comparado nem mesmo com tesão. Depois de Vick fiquei com algumas meninas, mas nunca engatei um namoro sério, e por elas eu sentia apenas tesão, mas nunca paixão. As vezes eu me achava muito gélida quanto a isso, eu só conseguia enxergar sexo, nunca nem um outro sentimento diferente de desejo. Mas eu também não era nenhuma viciada em sexo, ninfomaníaca ou coisa parecida, eu gostava das garotas com quem eu ficava, gostava da presença, dos beijos, dos carinhos, da companhia, da voz sussurrada ao pé do ouvido, das pequenas surpresas. Eu gostava, só não conseguia me apaixonar. O que eu havia acabado de dizer para a Vick, ela já havia me dito, ela sempre dizia que eu nunca havia me apaixonado por nunca ter encontrado a mulher certa. E eu me agarrava a isso na esperança de que um dia fosse me apaixonar perdidamente.
Sai do banho, me vesti e fui para a cozinha a fim de dar início a pequena comemoração com Vick. Assim que cheguei a cozinha, a única coisa que encontrei foi um presente em cima da mesa, me aproximei, e tinha um pequeno cartão com meu nome escrito por com a letra de Vick. "Um presente pelo dia mais importante pra você pequena. Use no seu primeiro dia de trabalho. Parabéns, eu sabia que conseguiria!" era isso que tinha escrito no pequeno papel cor de rosa que estava junto ao presente. Ao abrir o presente me deparei com um lindo par de sandálias de salto alto. Elas eram lindas e há muito tempo eu namorava com elas do lado de cá da vitrine.
-- Gostou? - perguntou Vick entrando na cozinha.
-- É claro que eu gostei, elas são lindas Vick! - disse pulando em seu pescoço.
Ela me agarrou, e me abraçou apertado, em um abraço que fazia com que eu me sentisse segura, sentisse que eu tinha sim uma irmã mesmo que não fosse do mesmo sangue.
-- Use-a amanhã e você vai ficar um arraso pequena!
-- Obrigada mana, vou usar sim. Você não existe.
-- Existo sim, e estou morrendo de fome. - disse ao me colocar no chão.
-- Vem, vamos comer!
O nosso pequeno jantar, nossa pequena comemoração foi perfeita pra mim, dividi minha alegria com uma das pessoas mais importantes pra mim, eu não precisava sair para uma balada cheia de gente que eu não conhecia, que não me conheciam pra sentir que eu estava comemorando verdadeiramente. Só aquilo ali me bastava.
Terminamos o nosso jantar, e fomos assistir a um dos filmes da coleção de Vick. Desde pequena ela tinha paixão por cinema, e desde sempre colecionava filmes clássicos, aqueles filmes antigos, mas que na época fizeram o maior sucesso de bilheteria. Ela também tinha filmes novos, mas como ela mesma gostava de dizer, na sua prateleira de colações só havia filmes de qualidade! Escolhemos um deles, e fomos assistir as duas sentadas no tapete da sala enquanto saboreávamos um bom sorvete de brigadeiro, com tudo o que tínhamos direito: calda, granulado, castanha, cereja. "Ai que delícia!". O filme acabou, nosso sorvete também, e chegou a hora de ligar para os meus pais. Esperei o momento mais oportuno para falar com eles, quando a pousada estivesse em um movimento menor, e quando eu tivesse com a minha irmã torta do meu lado. Acho que os meus pais ficaram mais felizes do que eu com a notícia, me parabenizaram, e falaram que eu merecia isso e muito mais. Fizeram uma pequena prece para que esse trabalho me trouxesse bons frutos, e aquilo fosse o melhor para mim.
Esqueceram-me completamente, me deixaram de lado na ligação, meus pais agora conversavam com Victória, a outra filha deles, como eles mesmo gostavam de dizer, eles aproveitavam a ela tudo o que eles achavam que eu não teria coragem de dizer, o que eu escondia. Eu não escondia nada deles, eles sabiam de tudo, mas ficavam com o pé atrás quando eu dizia que estava tudo bem. Eles ficaram por horas ali no telefone - "Ai meu bolso! Aquela conta de telefone daria um absurdo!" - até que se despediram e Vick e eu decidimos dormir.
No sábado de manhã acordei muito cedo, ainda não era nem 7:00hs da manhã, mas eu estava elétrica com tudo aquilo. Dei um jeito de derrubar Vick da cama - que no primeiro momento parecia querer me matar por acordá-la cedo - e me acompanhar até uma concessionária de carros usados. Saímos de ônibus para que na volta eu conseguisse voltar dirigindo o meu lindo carrinho. Eu estava muito empolgada e feliz, aquele seria o meu primeiro carro. Acho que agora, a partir dali a minha vida começaria a entrar nos eixos. Vick entendia de carros muito mais do que eu, pra falar a verdade eu era uma completa leiga quando o assunto era motor e aproveitamento de um carro. Após quase uma hora, fechamos negócio, dei entrada no carro com o cheque - daquele valor que estava ainda no banco - e o restante ficou parcelado em pequetitas parcelas que caberiam facilmente em meu bolso. Escolhemos juntas um Pálio ELX do ano de 2008 na cor preta, estava em bom estado e era econômico. Era perfeito pra mim.
Fomos ao shopping, demos uma passada rápida em uma loja de roupas, e comprei roupas que fossem adequadas para se trabalhar em uma agência do porte da JUMP. De lá fomos almoçar. Durante o resto do dia sai pra tentar resolver algumas pendências.
No domingo, eu fiz um belo almoço ainda em comemoração, mas dessa vez chamei alguns amigos da faculdade, e Vick chamou alguns dos seus amigos do trabalho que também eram meus amigos por tabela. Me diverti muito com aqueles loucos, eles tinham um humor invejável, fizeram muitas brincadeiras, muito comentários e inclusive soltaram a seguinte pergunta "E ai Giulia, vai pegar a sua musa agora?" fiquei completamente sem graça com a pergunta que o Renan, o amigo mais próximo de Vick - gay por sinal - fez, e sem que eu pudesse evitar, meu pensamento voou de encontro à Marina Amorim, como aquela mulher era linda. Instintivamente um sorriso brotou em meu rosto ao me lembrar dela, e claro isso não passou despercebido pelas pessoas que estavam à mesa, e isso só gerou mais comentários, mais brincadeiras, e claro muita zoação. E eu? Fiquei completamente sem graça.

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Segunda feira, o despertador do meu celular tocou cedinho me acordando em um pulo, eu estava muito ansiosa, e isso tinha muitos motivos: era meu primeiro dia de trabalho, e...Marina estaria me esperando pessoalmente na agência. Nossa, eu estava muito nervosa!
Tomei um banho, e desci enrolada apenas na toalha para preparar o café, assim que terminei, passei no quarto de Vick a acordei, e fui para o meu quarto, me vesti deixando para depois a sandália que ainda calçaria, e a blusa que só vestiria depois de tomar o café da manhã.
Era perceptível o meu nervosismo, eu estava em um ponto que chegava a fazer as coisas de forma atrapalhada, derrubava coisas, esbarrava em quase tudo. Isso não passou despercebido por Vick, que não tardou em fazer uma brincadeira com meu estado, e isso não ajudava, só me deixava ainda mais nervosa e ansiosa. Terminei meu café as pressas e corri para o quarto, com isso de fazer as coisas abobada acabei me atrasando alguns minutos. Calcei minha sandália de salto alto, aquela que tinha ganhado de presente da minha mana, vesti uma blusa de manga longa - em um tom de salmão. Compunha meu visual, uma calça social preta colada, os cabelos presos em uma trança embutida, uma maquiagem que destacasse meus olhos, e acessórios na cor prata.
Peguei minha bolsa, a pasta com meu notebook e antes de sair dei um beijo estalado na bochecha de Vick. Ela me desejou boa sorte, e pediu para que eu me mantivesse calma, que não surtasse, principalmente quando estivesse frente a frente com Marina.
Como era bom dessa vez não estar saindo de casa quase de madrugada por causa dos ônibus. Precisava sair só um pouco mais cedo pra evitar engarrafamentos já que a JUMP se localizava no centro de São Paulo. Dirigi calmamente, ouvindo uma boa música, mas ainda sim com a cabeça fervilhando em mais de um milhão de pensamentos. Simplesmente não conseguia mirar minha mente em outra coisa que não fosse Marina, eu estava contando os segundos para poder ficar bem próxima dela, e ao mesmo tempo eu ficava ainda mais tensa ao chegar mais perto da agência.
Estacionei no gigantesco estacionamento subterrâneo, ao lado de um HB20 vermelho. Desci do carro no mesmo momento em que a porta do HB20 também se abria. Queria tanto começar o meu dia de uma boa maneira, com o meu humor intacto.
-- Olha lá, se não é a novatinha! Preparada para o seu primeiro dia de trabalho. Você já sabe o que é isso né? Ou a pirralha ainda não saiu das fraldas? - era Verônica que descia do carro com um sorriso cínico.
-- Desculpa, do que me chamou?
-- Isso mesmo que você ouviu, pirralha! Algum problema com isso? Vai contar pra mamãe? - perguntou retirando os óculos escuros.
-- Olha eu não sei qual o seu problema comigo, mas eu não quero nenhum de tipo de confusão, ainda mais hoje. Então, se me dá licença...
-- Pois não criança, fique a vontade!
Eu entrei no elevador, com as mãos fechadas, as apertando fortemente, eu estava praticamente bufando por causa daquela mulherzinha. Qual o direito que ela tinha pra me tratar daquele jeito, eu não a conhecia, ela também não me conhecia, não sabia nada sobre mim. Quem ela pensava que era? Porque ela se achava no direito de me destratar daquele jeito, de me insultar? A porta do elevador se fechou e eu ainda podia vê-la vindo na mesma direção com um sorriso ainda maior, de satisfação eu acho, e isso me deixou ainda mais irritada. O fato que eu desenvolvi um problema no coração devido ao consumo exagerado de cafeína. Eu sofria arritmia cardíaca, quando muito nervosa ou sob alguma emoção excessiva meu coração batia aceleradamente, o que me causava dores no peito, falta de ar, tontura e as vezes até desmaios. Eu fazia tratamento a base de remédios - o que me impedia muitas vezes, quase sempre de ingerir bebida alcóolica - então eu tinha que me controlar quase sempre diante de um estresse ou coisa do tipo. Contei de 1 a 20, respirei fundo e me acalmei. Apertei o botão que me levaria a primeira recepção do prédio.
Sai do elevador quase em cima da recepção. Do lado de lá estava sentada uma moça de cabelos longos e castanhos, moça essa que assim que me viu, me sorriu. Não sei se o sorriso era de praxe com todos que chegavam ali ou se simplesmente ela "havia ído com a minha cara".
-- Bom dia! Em que posso lhe ajudar. - perguntou assim que me aproximei da bancada.
-- Bom dia. Meu nome é Giulia Monteiro, sou a nova publicitária.
-- Ah sim Giulia Monteiro. A sra. Marina já havia me avisado, a senhora pode subir, ela estará lhe esperando na sala dela. Já onde fica?
-- Sei sim. Ela já está na sala.
-- Sim. Hoje ela madrugou.
Ela falou aquilo em tom de brincadeira, mas pude notar que assim que fechou a boca ela se recriminou, ao menos mentalmente ela fez isso.
-- Obrigada!
-- Disponha Giulia. Seja muito bem vinda.
-- Obrigada novamente.
Já voltava na direção do elevador quando me dei conta de quem nem sabia o nome daquela moça gentil e educada.
-- É..me desculpa mas...qual é o seu nome?
-- Alexia!
-- Prazer Alexia.
Lhe retribui de forma espontânea o sorriso e me encaminhei ao elevador. A cada andar que o painel indicava mais minhas mãos soavam, estava chegando a hora de estar frente a frente com ELA!
-- Bom dia Giulia!
-- Bom dia.
-- Eu sou a secretária de Marina, me chamo Nanda, qualquer coisa que precisar pode falar comigo. A Marina já lhe espera em sua sala.
Quando passei na direção da grande porta, eu podia jurar, que ouvi Nanda, a secretária, dizer "E espera ansiosamente!". Acho que estava ouvindo coisa demais. Parei na frente da porta, dei três batidinhas e esperei a sua autorização para entrar, o que não demorou quase nada.
-- Pode entrar! - a voz era absurdamente linda.
Abri lentamente a porta, eu estava meio que me preparando, ainda não sei exatamente para o que eu tanto me preparava, mas era isso mesmo, eu estava me preparando. Respirei fundo e terminei de abrir a porta.
Eu já havia visto Marina em entrevistas, em jornais, revistas, em outdoor, e eu muitos outros cantos eu seria capaz de encontrar uma foto sua estampada. Por foto, era incontestável a sua beleza, ela era uma mulher altamente linda, sua beleza era um absurdo. E mais absurdo ainda foi constatar que nada do que eu já havia visto por foto seria comparável aos que meus olhos viam agora. Ela era muito mais linda do que eu podia acreditar. Como podia aquilo? De quantas outras mulheres ela havia roubado a beleza para ser tão linda daquela maneira. Marina Amorim era uma mulher de pele alva, cabelos ondulados em tons cobreados, alta, olhos de um azul intenso que facilmente poderia ser confundido com um pedacinho de céu, transpirava elegância assim como sensualidade.
Naquele momento ela estava vestida com uma saia cinza, justa ao seu corpo, revelando suas curvas, uma blusa branca de mangas ¾ também colada ao corpo e com alguns botões abertos - fazendo minha imaginação praticamente saltar para dentro de sua blusa - nos pés scarpin preto de salto agulha. Nossa! Um pouco mais e eu começaria a babar.
-- Bom dia Giulia! Tudo bem? - perguntou ainda parada ao lado de sua mesa.
-- Bo..bom dia! Tudo ótimo. Como foi de viagem? - ousei perguntar.
-- Cansativa, mas tranquila.
-- Que bom.
-- Pode sentar-se. - ela disse me indicando a cadeira e encaminhando-se para a sua.
-- Obrigada!
-- Bom, como ainda é cedo, ainda não estamos no horário de trabalho, queria aproveitar esse tempinho para conversar um pouco com você. Saber um pouco mais de você. - ela me disse isso com um sorriso hipnotizante.
Acho que fiquei abobada a encarando, porque instantes depois ela me olhou e perguntou em um tom mais contido e suave, talvez eu tivesse demorado para responder ou demonstrar algo e ela acabou entendendo errado.
-- Pode ser, ou prefere que eu lhe mostre as dependências da JUMP?
-- Prefiro ficar aqui com você. - falei apressadamente sem nem mesmo pensar - Digo, prefiro conversar um pouco e depois conhecer as dependências.
Conversamos um pouco, ela perguntou um pouco o que eu esperava da JUMP, perguntou se eu estava disposta e disponível para quem sabe ter que fazer viagens a trabalho, me perguntou sobre salário, se eu achava que era merecida aquela quantia, ou se era um valor abaixo do estimado.
-- Giulia, posso lhe fazer algumas perguntas, é, levando para o lado pessoal? Se eu estiver sendo invasiva, me desculpe, pode dizer.
-- Não está sendo invasiva não, pode perguntar.
-- Bom, eu vi na sua ficha que você não é daqui de São Paulo, você é do Ceará. Você veio para cá sozinha ou alguém mais da sua família?
-- Vim sozinha, moro aqui em São Paulo com uma amiga há sete anos.
-- Vocês moram juntas?
-- Sim.
-- E você namora Giulia?
-- Não! - sorri sem graça - Estou sozinha no momento.
Ela deve ter achado muito engraçada a cara de embaraço que eu fiz, porque eu vi desenhar-se em seu rosto um sorriso ainda maior, e ainda mais lindo. E mais uma vez, não pensei, simplesmente perguntei.
-- E você, namora? Quer dizer, me desculpa não precisa responder...
-- Não namoro. Acho que as mídias não deixariam isso passar em branco.
-- Com certeza não. Mas há algo que ninguém além de você saberia.
-- O que?
-- Se está apaixonada por alguém.
Ela ficou séria, o sorriso sumiu, e eu senti naquele momento que havia passado dos limites. Querendo ou não, Marina Amorim não era minha amiga, não era nada minha para que eu perguntasse algo tão íntimo, ela era apenas minha chefe, dona da agência em que eu era uma reles funcionária.
-- Com certeza ninguém saberia disso, ninguém além de mim. Mas no momento eu não estou apaixonada, confesso que estou seriamente encantada com uma pessoa.
Eu estava delirando ou ela estava falando aquilo olhando em meus olhos?
-- Deve ser uma pessoa de sorte então essa "pessoa" ai - disse sorrindo e fazendo aspas no ar.
-- Não sei identificar quem tem sorte, mas acho que eu tenho sim.
Ficamos alguns segundos nos olhando, cada uma sustentando o olhar da outra, até sermos interrompidas por alguém que abria a porta da sala em um rompante, me fazendo dar um pequeno pulo na cadeira.
-- Marina?
-- Pois não Verônica?
Eu estava de costas e não cheguei a olhar para trás para saber quem entrava, só soube quando Marina falou o nome daquela, daquele ser detestável acompanhado de um olhar recriminador.
-- Ah, desculpe, não sabia que a novata estava em sua sala.
-- Sim, a Giulia está aqui, como você pode ver. Então, o que deseja? - ela frisou bem o meu nome.
-- Não quero mais incomodá-las, quando estiver desocupada eu voltarei.
-- Como queira, mas eu ainda irei mostrar as dependências para ela, demorarei um pouco.
-- Por que não pede para Nanda, ou outra pessoa para fazer isso? Eu posso falar com alguém...
-- Não precisa, farei isso pessoalmente.
-- Ok.
Eu me senti invisível naquele momento, a mulher as vezes falava como se eu não estivesse ali naquela mesma sala que ela. Porque aquela mulher me tratava daquele jeito?
Marina me pediu desculpa pela interrupção e me convidou para acompanha-la em uma volta pela empresa. Senti vertigens quando ela passou por mim e seu perfume invadiu minhas narinas, era uma fragrância amadeirada, gostosa, que despertou em mim a vontade de senti-la na curva de seu pescoço.
Será que a convivência com Vick poderia me deixar estabanada também? Quando estava entrando no elevador logo atrás de Marina, eu tropecei. Não sei como aconteceu, mas eu tropecei, acho que nas minhas próprias pernas. Só não cai de cara no chão, porque Marina me amparou, ela me segurou em um reflexo extraordinário. Eu fiquei em seus braços, com a sua boca a centímetros de distância, eu podia sentir seu hálito fresco bater em meu rosto.
-- Tudo bem? Se machucou? - ela me perguntou olhando em meus olhos.
-- Não. - respondi com a voz presa, quase inaudível.
-- Tem certeza? - ela perguntou enquanto ainda me segurava firme em seus braços.
-- Não tenho certeza de muita coisa agora. - respondi erguendo um pouco mais o corpo, e fazendo as costas de Marina se encostarem na parede do elevador impulsionando-o com o meu próprio corpo.
Sem pensar eu aproximei um pouco mais a minha boca da dela.
E em segundos me vi do outro lado do elevador, ao tomar um susto quando a porta do elevador abriu dando passagem para mais algumas pessoas.

"Droga, o que eu estava fazendo? Onde eu estava com a cabeça? Que loucura!"

Amor acima de tudoOnde histórias criam vida. Descubra agora