CAPÍTULO 4: - Marina-

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- Marina -

Estava pegando todas as minhas coisas, pegando malas, chaves, notebook e celular para voltar para o aeroporto quando o meu celular começou a tocar. Não precisava olhar para saber de quem se tratava. Deixei tocar. Fechei a conta no hotel e pedi um taxi. Meu celular tocava feito um louco dentro da bolsa, ele não parava de tocar um segundo sequer, aquilo estava me irritando de uma maneira que...que - suspirei. Ela acabou me vencendo pela insistência.
-- O que você quer Verônica? - atendi sem deixa-la falar nada.
-- Quero saber como você foi capaz de viajar e não me falar nada Marina! Quem está ai com você? Qual o nome dela? - perguntava exasperada.
-- Ta ficando louca Verônica? Primeiro de tudo, eu não tenho que lhe avisar, informar ou qualquer outra coisa sempre que tiver que viajar. E segundo, não tem ninguém aqui comigo, estou aqui a trabalho e nada mais. - suspirei fortemente.
-- Quando você vai voltar meu amor? - sua voz agora era calma.
Era incrível como Verônica tinha a capacidade de mudar de humor em questão de segundos, primeiro parecia querer me matar mesmo do outro lado da linha, e depois era toda carinho comigo, me chamando de amor.
-- Não me chama assim Verônica você sabe que...
-- Shii amor, não fala. Você é o meu amor, e sempre vai ser, e eu sei que você me ama assim como eu. Você deve estar morrendo de saudade de mim. Se tivesse conversado comigo, eu teria ido com você, e ai poderíamos passar o final de semana juntas.
Ok! Eu não sabia mais o que falar pra ela, quanto mais eu dizia que o que aconteceu entre nós já estava acabado, e que jamais teria volta, mais a mulher se dizia apaixonada, mais jurava seu amor por mim.
-- Verônica... - suspirei fortemente - precisamos colocar um ponto final nisso tudo definitivamente, depois conversamos. Escuta, preciso desligar o celular, o avião está para decolar. - eu precisava de uma desculpa qualquer, mas não queria continuar com aquela ligação.
-- Estou com saudades meu amor. Estou lhe esperando. Tenha uma ótima viagem.
Eu não falei mais nada, assim que ela terminou de falar, desligamos, não queria de maneira nenhuma protelar com aquilo. A última frase que foi dita por ela, mesmo sem querer fez com que eu me lembrasse de Giulia, foi a mesma frase que ela disse, porém as duas tinham um significado diferente pra mim. Não sei explicar, mas a de Giulia, fazia meu peito inflar e ser completamente por uma alegria. Já a de Verônica, não tinha sentimento nenhum, apenas me trazia uma angústia, um mal estar, era como se fosse uma frase clichê que um cliente qualquer acabara de me dizer ao fecharmos negócio.
A cada dia que se passava eu me sentia mais e mais cansada com relação a Verônica, eu não sabia mais o que fazer para que ela entendesse de uma vez por todas que nós duas não tínhamos mais nada, não devíamos mais nada uma a outra. Estávamos livres para seguir da melhor maneira que conseguíssemos. Aquilo tudo era muita loucura!
Eu teria bastante tempo para dormir no voo, era um voo longo, e mesmo que eu evitasse, não teria jeito, eu estava muito cansada para lutar contra Morfeu. Eu apaguei, e mais uma coisa inevitável aconteceu, eu sonhei com Giulia. Não me lembro muito bem do sonho, mas me lembro perfeitamente de seu rosto, de seus lindos olhos, assim como me lembro da felicidade que eu sentia no sonho. Trazendo-me uma paz desconhecida.
Assim que o avião pousou, tudo o que eu queria era o conforto de meu apartamento, da minha cama. Estava desesperada por um banho em minha banheira, já imaginava tudo isso. Eu estava saindo pelo portão do desembarque, e a vontade que eu tive foi de voltar correndo para dentro do avião que havia acabado de pousar, e esperar que ele me levasse de volta de ontem tinha acabado de vir. Meu peito se comprimiu, senti minha cabeça dar indícios de uma nova dor de cabeça, e com certeza senti meu rosto assumir uma aparência ainda mais cansada. Como ela sabia do horário do meu voo? Porque não me dava pelo menos esses dias de descanso e me deixava quieta, sozinha no meu apartamento?
-- Não precisa brigar tá? Vim em missão de paz, só quero te levar pra casa. - disse assim que me aproximei.
-- Como descobriu o horário do meu voo Verônica?
-- Tenho meus meios. Vi que o seu carro havia ficado na agência, eu queria muito vir te ver, então resolvi vir lhe buscar.
-- Não precisava, eu poderia pegar um taxi, não teria problema nenhum. Não quero lhe incomodar.
-- Imagina, não é incomodo nenhum. Vamos?
Suspirei, eu até podia imaginar o que aconteceria depois, mas preferi apenas aceitar a carona e ver no que ia dar, eu queria acreditar que nada aconteceria que seria apenas uma carona inocente, e que depois disso não brigaríamos ou discutiríamos. Que não haveria acusações e nem cobranças. Eu queria dar um crédito a ela.
-- Vamos.
Coloquei minha bagagem no porta malas, e partimos. Eu morava no Jardim Paulista, era consideravelmente perto do aeroporto de Congonhas, porém alguns minutos atrás havia ocorrido um acidente próximo ao aeroporto, e isso nos fez perder algum tempo. Mesmo paradas no engarrafamento, Verônica não dirigia o olhar para mim, ela apenas olhava para frente, e eu em alguns instantes me pegava olhando para ela de soslaio. Ela me parecia tensa, compenetrada, séria e calada demais para o meu gosto.
Verônica era uma mulher bonita, mas mesmo assim nunca consegui me apaixonar verdadeiramente a ela, as únicas vezes que me entreguei a ela foi apenas de corpo, nunca de alma, era algo passageiro, que ao final me deixava com um vazio enorme no peito. Deixava-me com uma sensação terrível de que estava cometendo um erro, e ironicamente, mesmo sabendo disso eu ainda continuava insistindo no mesmo erro. O nosso pós-sexo era terrível, a única coisa que eu queria era virar e dormir, no outro dia acordar e perceber que tinha sido apenas um sonho ruim, que eu não havia feito aquilo novamente. Verônica sabia todos os meus pontos fracos, e ela ia propositalmente em cada um deles, não deixando nenhuma chance para que eu recusasse ou não caísse em sua lábia, em seus braços. Por mais que eu tentasse, as vezes a carne falava mais alto, o desejo falava, falava não, gritava bem mais alto que a minha razão. Desde que terminamos, eu nunca mais transei com ela, não que ela não tivesse tentado, mas se eu quisesse realmente colocar um fim naquilo, eu teria que resistir, e não dar nenhum fio de esperança para ela.
Algum tempo depois conseguimos chegar à frente do meu prédio. Verônica estacionou o carro, o desligou e dessa vez olhou para mim. Ela tinha uma expressão indecifrável.
-- Está entregue meu amor!
-- Verônica, não me chama assim, eu não sou o seu amor e...
-- Não fala. - ela disse colocando o dedo indicador nos meus lábios e se aproximando de mim.
Tirei o cinto e desci o mais rápido que pude do carro, fui para a parte de trás do carro e esperei que ela fosse até lá para que eu retirasse minhas malas.
-- Marina será que eu posso subir um minutinho? - eu arregalei os olhos nesse momento - Eu preciso muito conversar com você. - ela continuou olhando para a chave do carro em suas mãos.
-- Verônica eu acho melhor não, eu estou muito cansada. Conversamos outra hora, ok?
-- Não vou demorar mais do que um minuto, eu prometo. Ou eu vou passar o resto da noite e a madrugada acampada aqui na frente do seu prédio lhe esperando.
-- Por favor vai pra casa Verônica. - eu estava ficando exausta.
-- Não enquanto eu não falar com você.
-- Tá certo. - falei após um longo suspiro.
Peguei minhas malas e sai na direção do portão de entrada, seu Lorenzo, o porteiro do prédio imediatamente liberou a entrada. Eu não cheguei a olhar para trás, mas eu podia ouvir os passos dela logo atrás de mim, ela estava me seguindo.
Subimos até o 13º andar. Abri a porta e deixei que ela entrasse na minha frente, ela bem a vontade sentou-se no sofá e esperou que eu me aproximasse dela. Coloquei as malas em um canto da sala e sentei-me no sofá que ficava de frente para o que ela estava. Quanto maior a distância melhor.
-- Pronto. - eu disse.
-- Você me ama? - ela foi direta.
-- Já conversamos sobre isso Verônica, você sempre soube dos meus sentimentos por você. E quando terminamos eu deixei tudo bem claro.
-- Me da uma outra chance?
-- Verônica por favor. Acabou, não tem mais volta. Me dói te falar isso assim mas...você e eu nunca mais vai acontecer. Não dá.
-- Mas eu posso mudar. Eu posso ser uma pessoa melhor.
-- Verônica para com isso. Não dá mais, mesmo que você mude.
-- Mas...
-- Foi tudo um erro! - me doeu falar aquilo, mas era verdade e eu precisava fazer com que ela entendesse as coisas - Eu nunca devia ter aceitado a relação que tivemos, e você nunca devia ter aceitado as migalhas do que eu tinha para oferecer, aquilo foi tudo um erro.
-- Marina...
Ela levantou-se e veio em minha direção, automaticamente eu também levantei e me afastei.
-- Chega. Já está tarde. Eu só preciso que entenda que acabou, que não tem mais volta, que você precisa seguir a sua vida e me deixar seguir a minha. Precisamos seguir em frente. Você não pode ficar esperando que um dia a gente volte, porque isso nunca vai acontecer. Entende?
-- Não! - ela gritou e de repente começou a chorar, seu rosto estava vermelho, sempre ficava quando estava com raiva.
Eu nada disse, apenas a olhei e a vi pegar a sua bolsa e mais uma vez se aproximar de mim.
-- Escuta aqui Marina - me apontava o dedo - escute bem o que eu vou dizer. Você é MINHA. Somente minha ouvi bem?
Logo após saiu, como de costume, batendo a porta. Eu já havia escutado Verônica falar isso umas mil vezes, ela sempre repetia a mesma coisa. Eu estava entregando os pontos, nada do que eu fizesse ou pudesse fazer a faria entender. A única coisa que eu podia fazer era o que Nanda havia me aconselhado. Eu iria arrumar uma outra pessoa, e a mandaria para outra filial, para bem longe de mim. Quem sabe assim ela me esquecia.
O dia já tinha rendido o bastante pra mim. Deixei as malas onde estavam e subi para o meu quarto. Enchi a banheira e preparei um banho gostoso, altamente relaxante. Era disso que eu estava precisando agora, relaxar e descansar. Esquecer o mundo lá fora.
Quase peguei no sono dentro da banheira. Sai, e me joguei na cama do jeito que estava - nua. Lembrei apenas de ligar o ar condicionado em uma temperatura ideal, e me enfiei embaixo das cobertas. Adormeci facilmente.
Para minha surpresa meus sonhos foram povoados por Giulia. Quando acordei no outro dia perto das 10 da manhã, por mais que eu tentasse, não conseguia me lembrar do sonho, acordei apenas com a lembrança do rosto dela. Apenas sabia que tinha disso com ela, do mesmo jeito que foi o outro sonho durante o voo de volta para o Brasil. A sensação que aquele sonho deixou era boa, gostosa. Não explicar como ou porque, mas iluminou o meu dia.
Liguei pra Nanda, e perguntei o que ela estava fazendo naquele momento, se poderia de alguma maneira ser interrompido, e ela me disse que havia acabado de dar um banho em João Pedro. Perfeito! - eu pensei. Então a convidei para levá-lo para um passeio no parque - respirar um ar puro, depois tomarmos uma água de coco ou um sorvete, e no final almoçarem comigo em minha casa. Nanda aceitou e eu pedi para que se aprontassem que eu passaria em questão de meia hora.
No tempo previsto, estacionei na frente da casa de Nanda, e eles já me esperavam na calçada. Desci do carro e fui de encontro a eles.
-- Oi meu homenzinho! - disse o pegando no colo.
Eu amava quando João Pedro me sorria e passava os seus bracinhos em volta do meu pescoço, me abraçando e dando um pequeno beijinho molhado em minha bochecha. Era a sensação mais gostosa que eu já havia sentido.
-- Esse é o primeiro e único homem da sua vida né Marina? - ela perguntou sorrindo.
-- Com toda a certeza. Sempre será o único homem da minha vida. - eu disse com ele em meus braços e um dos seus bracinhos passando por meu ombro.
-- Agora será que você pode me dar um abraço ou só o seu afilhado que merece?
Nanda sempre foi muito sensível, gostava de demonstrar carinho e afeto sem importar quem era ou onde estavam. Ela podia me ver umas 3 vezes ao dia em momentos com algum tempo de diferença, mas mesmo assim ela queria me abraçar as 3 vezes.
-- Claro que não. Vem cá. - a puxei a abraçando, com João Pedro no colo, que fez a maior festa. - Podemos ir?
-- Claro!
O coloquei na cadeirinha que sempre instalava no banco traseiro do meu carro quando sabia que João Pedro iria também, as vezes nem a tirava do carro, andava com ela pra cima a pra baixo sem removê-la.
-- Nanda, o Caio apareceu por aqui? - perguntei já dentro do carro.
-- Que nada Marina, só manda a pensão. Quase nunca ele vem ver o filho.
-- Canalha! Como pode um pai não querer ver um filho?
-- Eu não sei o que pode se passar na cabeça dele, não faça a mínima ideia. Eu sei que o João precisa de um pai, de uma figura masculina na vida dele, mas às vezes eu fico feliz por não ter que dar de cara com o Caio.
Caio e Nanda namoravam há quase quatro anos, ficaram noivos, e em uma bobeira dos dois, Nanda acabou engravidando. Caio surtou, disse que não queria um filho, que isso acabaria com a vida dele. E ameaçou! Ou Nanda fazia um aborto, ou o noivado deles terminaria ali. Nanda não precisou pensar muito, ela jamais seria capaz de fazer tamanha atrocidade com um ser tão indefeso, e o qual ela amava irremediavelmente desde o momento em que o exame deu positivo. Sua resposta foi simples e direta: "Então acabamos aqui!". Ela nunca o perdoo por aquilo, ela o amava, mas nunca aceitou a ideia de o seu marido queria tudo, menos uma família. Não foi desejado, mas era um filho, era um filho deles. Um pedacinho dos dois. Então Nanda o criou sozinha, apenas com a minha ajuda e de seus pais. Caio queria voltar, mas não queria o filho, queria que ela simplesmente "desse um jeito nele" talvez "desse para os avós criarem". O cúmulo!
-- Ele não dá a mínima para o menino Nanda, esquece esse homem!
-- Já o esqueci, a única pessoa, o único homem que tem espaço na minha vida, assim como na sua é o meu filho.
-- Mas também não é assim Nanda. Você ainda é jovem, pode refazer a sua vida, encontrar alguém. E além do mais, você não precisa ter mais um homem na sua vida, vai que dessa vez você arruma uma bela mulher.
-- Ai Marina, para com isso. Lá vem você tentando me fazer mudar de lado.
-- Nem vem, você já tem o nome sujo no cartório, você seria apenas reincidente.
-- Marina foi apenas uma vez, e isso faz muitos anos.
-- Não importa. O que importa é o que você sentiu. Até pensou em casar com ela. Toda apaixonada. - disse fazendo caras e bocas.
-- Marina! - ela disse me dando um tapinha no ombro. E você?
-- O que tem eu?
-- Não vai refazer a sua vida também não? Sua vida não acabou junto com o noivado com a Larissa não!
-- Ai Nanda, essa estória é mais complicada.
-- Claro que não. Você é que está complicando. Primeiro aquela maluca da Verônica que agora não sai do seu pé, e agora simplesmente se fechou para qualquer outra oportunidade de ser feliz. Desse jeito você está se sabotando, sabotando a sua própria felicidade.
-- Eu só tenho medo de que tudo aconteça de novo. Tenho medo de passar por tudo aquilo mais uma vez. Só eu sei o quanto doeu.
-- E só nós sabemos o quanto doeu lhe ver daquele jeito. Mas nem todas as mulheres do mundo são que nem a Larissa. Nunca mais sentiu nada por outra mulher?
-- Não! - respondi convicta - Quer dizer...
-- Quer dizer o que Marina? - perguntou com um sorriso estampado e virando-se em minha direção para me olhar de frente.
-- Não sei Nanda, mas estou encantada, fascinada por alguém.
-- Quem é esse alguém?
-- Ela é novinha Nanda, bem mais nova do que eu, mas ela é tão linda, tão...- suspirei.
-- Quem é Marina?
-- A nossa nova publicitária. Giulia Monteiro!
Nanda parou por uns segundo como que absorvendo o que eu acabara de dizer, olhou para frente e depois para mim e continuou.
-- Mas você a conhece?
-- Não. Não pessoalmente. Eu só a vi por foto.
-- Mas como...?
-- Eu não sei dizer, só sei que algo nela me chamou a atenção, me encantou. E as vezes eu não consigo parar de pensar nela.
-- Será que você...
-- Não! - interrompi, sabia o que ela ia dizer - Não estou apaixonada por ela, não tem nem como. Eu nunca a vi, e isso não existe, não pode existir, eu não posso me permitir.
-- Marina para com isso.
-- Nanda, tá tudo bem. Não se preocupe.
Ouvi a minha amiga suspirar fortemente - era cansaço por sempre bater na mesma tecla enquanto eu sempre me esquivava - e recostar-se no banco e nada mais falar. O resto do trajeto foi feito em silêncio, Nanda havia ficado chateada comigo, por eu ter me trancado novamente em minha bolha, mas eu não tinha outra maneira de agir, aquilo era a minha defesa. Quanto mais reclusa menor seriam as chances de certas coisas me atingirem. Assim era melhor!
Após aquele assunto foi inevitável não pensar em Giulia, eu simplesmente não conseguia parar de pensar nela. Até meus sonhos ela já havia invadido.
Chegamos ao parque e João Pedro já estava todo empolgado - ele era dos meus, adorava a natureza, amava estar perto dela. Fiz questão de leva-lo em meus braços, enquanto Nanda vinha atrás com toda a parafernália que ela sempre levava para os cuidados do pequeno. Caminhamos enquanto conversávamos e vez ou outra eu parava para dar atenção para algo que João Pedro apontava alegremente. Como eu amava aquele garotinho. Depois de um tempo sentados na grama, resolvemos ir para casa para almoçarmos. Compramos sorvete para todos e nos encaminhamos para o carro.
Nanda cuidou do almoço, enquanto eu dava um banho em João Pedro - ele merecia após aquela sessão "lambuzar", ele estava todo sujinho de sorvete de baunilha. Depois do almoço ele dormiu e eu e Nanda fomos para a sala. Mais uma vez ela tentou a todo custo me convencer de que eu deveria me dar à oportunidade de conhecer alguém, de sair, me divertir. Ela não teve êxito!
No final da tarde os deixei em casa. Eu agradeci à Nanda pela tarde gostosa que passei com eles e me despedi. Durante todo o caminho de volta pra casa Giulia era a única coisa que eu tinha na cabeça. Aquilo estava me assustando. Olhei para o lado e meu celular tocava no banco do passageiro. Era Verônica. Não atendi.
Passei o domingo trabalhando em casa mesmo, revi alguns contratos, projetos e algumas papeladas da agência. Minha mente esteve ocupada o tempo todo. Enquanto isso, claro, Verônica sempre me ligava. No domingo à noite pude contar 21 ligações não atendidas, sem contar nos sms e nas mensagens deixadas na caixa postal.
Quando resolvi largar um pouco todos àqueles papeis e o notebook já se passavam de meia noite. Coloquei meu celular para tocar bem cedo. Tomei um banho relaxante, deitei embaixo das cobertas e foi fácil dormir. Logo Morfeu me carregava em seus braços.

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-- Bom dia! O que você está fazendo aqui tão cedo Marina? - era Nanda que entrava em minha sala.
-- Bom dia! Só resolvi chegar cedo ué.
-- Mas Marina - ela olhou para o relógio em seu pulso - Ainda não é nem 7hs da manhã.
-- Tenho que colocar umas coisas em ordem por aqui. Queria adiantar.
-- Aham Marina finge que eu acredito.
-- Mas é verdade oras.
-- Tá certo.
-- Nanda? - a chamei quando ela estava saindo.
-- Oi.
-- Assim que a Giulia chegar ai na recepção você pode pedir para ela entrar, eu estarei esperando?
-- Está explicado agora!
-- O que?
-- Nada não. Pode deixar que assim que a Giulia - frisou o nome dela - colocar os pés aqui na recepção eu peço pra ela vir até a sua sala imediatamente.
-- Obrigada.
Nanda saiu e eu tentei verdadeiramente me ocupar com algo em minha mesa, mas a minha atenção estava dispersa. Eu não conseguia me concentrar, me sentia nervosa, ansiosa. "Marina para! Se acalme! O que está acontecendo com você? Ela é apenas uma colaboradora de sua empresa que você precisa receber e treinar. Mantenha a calma!".
Acredito que se passaram menos de meia hora quando ouvi batidinhas em minha porta - só podia ser ela. Levantei, me pus ao lado de minha mesa, respirei fundo e autorizei a sua entrada.
-- Pode entrar!
Quando ela entrou lentamente, com um meio sorriso em seus lábios, por baixo da mesa eu apertei fortemente o apoio dos braços. Senti meu coração congelar por alguns segundos. Ela estava insuportavelmente linda. Nossa! Ela tinha cabelos castanhos com as pontas loiras, presos em uma trança. A pele bronzeada. Os olhos ainda mais chamativos e encantadores do que eu me lembrava, pequeninos, de um tom castanho mel, que ali pessoalmente parecia ainda mais claro. O nariz afilado. A boca era o mais perfeito desenho de um pintor renomado, perfeita. Uma carinha angelical, que transmitia delicadeza em sua expressão. E aquele sorriso. Meu Deus! Tive que fazer um pequeno esforço para me concentrar e ser imparcial a beleza daquela garota, não me importar com as batidas descompassadas de meu coração.
-- Bom dia Giulia! Tudo bem? - perguntei tentando acalmar o louco que batia em meu peito.
-- Bo..bom dia! Tudo ótimo. Como foi de viagem?
-- Cansativa, mas tranquila. - fui sincera.
-- Que bom.
Ela parecia tensa.
-- Pode sentar-se. - eu disse indicando a cadeira a frente de minha mesa e sentei-me.
-- Obrigada!
-- Bom, como ainda é cedo, ainda não estamos no horário de trabalho, queria aproveitar esse tempinho para conversar um pouco com você. Saber um pouco mais de você. - tentei sorrir sinceramente.
Acho que ela não gostou muito da ideia, ela parou, parecia analisar a minha proposta. Eu queria insistir.
-- Pode ser, ou prefere que eu lhe mostre as dependências da JUMP?
-- Prefiro ficar aqui com você. Digo, prefiro conversar um pouco e depois conhecer as dependências.
Meu subconsciente resolveu brincar comigo e distorceu completamente o sentido daquelas palavras.
Enfim, consegui me acalmar e falar normalmente com Giulia. Ela também pareceu ficar menos tensa, menos tímida. Conversamos um pouco, lhe fiz algumas perguntas, e minha cabeça fervilhava de mais perguntas que eu queria fazer-lhe.
-- Giulia, posso lhe fazer algumas perguntas, é, levando para o lado pessoal? Se eu estiver sendo invasiva, me desculpe, pode dizer.
-- Não está sendo invasiva não, pode perguntar. - me disse sorrindo, e novamente apertei o apoio para os braços da cadeira.
Fiz algumas perguntas intermediárias até chegar onde eu realmente queria. A curiosidade me consumia, e aquilo tudo aumentou quando ela disse que dividia apartamento com uma amiga aqui em São Paulo há sete anos. "Será que isso é só amizade?".
-- E você namora Giulia? - já havia começado, agora tinha que terminar.
-- Não! Estou sozinha no momento.
Pude perceber um tom rosado em suas bochechas, ela havia ficado constrangida com minha pergunta. Mas foi inevitável não sorrir com a resposta dela. Aquilo era ótimo, ela estava sozinha. "O que? Não! Isso não é ótimo!".
-- E você, namora? Quer dizer, me desculpa não precisa responder... - ela me pegou de surpresa.
-- Não namoro. Acho que as mídias não deixariam isso passar em branco.
Falei o fato de que as mídias não me poupariam se descobrissem algum relacionamento meu, se bem que sempre consegui esconder a relação desastrosa que tive com Verônica. Nunca escondi nem mesmo da mídia a minha orientação sexual, tanto que focaram totalmente no meu noivado com Larissa, e ainda mais quando nosso noivado chegou ao fim. Claro, não deixei de ouvir algo do tipo "Relações entre mulheres jamais dão certo, são fadadas ao fim desastroso sempre. Isso nunca dá certo!". Não é porque era um relacionamento entre mulheres que estava fadado ao fim não, Larissa era apenas mau caráter, interesseira e cínica ao extremo - mentiu o tempo todo.
-- Com certeza não. Mas há algo que ninguém além de você saberia.
-- O que?
-- Se está apaixonada por alguém.
Mais um ponto pra ela! Me pegou desprevenida. Eu não sabia bem como agir e o que deveria responder. Resolvi ser sincera. Ou quase.
-- Com certeza ninguém saberia disso, ninguém além de mim. Mas no momento eu não estou apaixonada, confesso que estou seriamente encantada com uma pessoa. - não pude evitar, falei olhando no fundo de seus olhos.
-- Deve ser uma pessoa de sorte então essa "pessoa" ai - disse sorrindo e fazendo aspas no ar.
-- Não sei identificar quem tem sorte, mas acho que eu tenho sim. - "Nossa como ela era linda, aquele sorriso..."
Eu não desviei o olhar, e ela também não. Ficamos alí nos encarando, sustentando olhares. Cada vez mais minhas mãos soavam, meu coração saltava no peito cada vez que ela me olhava nos olhos ou sorria aberto. Minha razão me pedia pra ser profissional, enquanto meu coração gritava "Giulia você é a mulher mais linda que eu já vi!". Minha boca estava pronta para dizer aquilo que meu coração dizia, abri a boca mas...
-- Marina?
Ela entrou em minha sala quase trazendo a porta consigo. Como sempre sem bater na porta, sem se anunciar, nada, apenas sendo Verônica. Por um lado aquilo foi bom, ela me interrompeu, evitou que talvez eu fizesse uma besteira.
-- Pois não Verônica? - a olhei de forma gélida, com raiva talvez.
Meu sangue ferveu quando ela tratou Giulia de uma maneira no mínimo mal educada, a chamando de novata e não a tratando pelo nome, e principalmente por falar comigo como se a própria Giulia não estivesse ali, ouvindo tudo. Tratei logo de dispensar Verônica - situação chata.
Desculpei-me por Verônica e chamei Giulia para conhecer a agência, naquele momento queria aproveitar um pouco mais de sua companhia, por isso resolvi eu mesma mostrar as dependências. Nem eu estava me entendendo. Passei por ela, e abri a porta, quando ela passou por mim foi uma missão impossível não admirá-la, seu andando, seu corpo. Ela tinha um andado firme, deslumbrante, no mínimo sexy. E eu? Não conseguia deixar de acompanhar o movimento de seu quadril, seu rebolado. "Para Marina!" - falei pra mim ao passar a sua frente e entrar no elevador o segurando para que ela entrasse. Ela andava meio distraída, com o olhar distante. E para minha surpresa ela tropeçou - acho que na porta do elevador - vindo em queda em minha direção. Eu a segurei em um reflexo que eu desconhecia, teria sido normal ela ter caído na minha frente mesmo diante de um esforço de segurá-la.
-- Tudo bem? Se machucou? - a olhei nos olhos. Estava preocupada, e meio aturdida ainda.
-- Não.
A porta fechou-se.
-- Tem certeza? - não consegui soltá-la.
-- Não tenho certeza de muita coisa agora.
Não sei se estava imaginando coisas, ou aquilo se tratava ainda de falta de equilíbrio pela parte de Giulia. Mas a senti me empurrar com o próprio corpo de encontro a parede do elevador. Eu estava ficando louca, eu podia sentir o hálito quente e fresco dela em meu rosto, e eu simplesmente não queria me afastar, não conseguia, queria prosseguir com aquilo, não desviava nem por um segundo meus olhos de sua boca. Uma vontade enorme de sentir o gosto de seus lábios me dominou, e minhas que ainda a seguravam pelos braços desceram na direção de sua cintura. Ambas nos assustamos quando a porta abriu dois andares abaixo para entrada de mais algumas pessoas. Ela ficou de um lado e eu do outro. Meu coração batia ainda mais descompassado. Ela mantinha o olhar em seus próprios pés. E eu só conseguia me recriminar pelo que quase aconteceu. Meu coração foi se acalmando aos poucos. A olhei novamente, ela tinhas as bochechas vermelhas, me olhou e disse de forma inaudível - leitura labial - "Me desculpe!". Apenas fiz um sinal afirmativo com a cabeça. Meus pensamentos estavam em total desordem.

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