CAPÍTULO 4 - PRIMEIRO DIA DE AULA... NOVAMENTE

1K 112 17
                                    

Gabriel Fernandes já estava entediado antes mesmo da professora de português entrar na sala e anunciar, triunfalmente, o primeiro exercício do último ano de colégio. Após o anúncio da tarefa, o tédio deu lugar à frustração.

Ele tinha certeza que não havia entendido direito, prestou mais atenção, perguntou a um colega de lado e, para sua tristeza, ele ouvira com perfeição. Uma redação sobre as férias. O que era aquilo? Tinha se matriculado no terceiro ano do Fundamental ao invés do terceiro do Médio?

Essa tarefa deveria entrar para o Guiness Book como o exercício mais aplicado em todo o país – em todas as séries – no primeiro dia de aula após as férias. E isso independente de ser as de janeiro ou de julho. Tédio – muito tédio – mas ele conseguiria. Daria seu melhor, investigaria o irmão de Laura e descobriria a relação dele com o Luiz Falcão. Ao final, receberia a sua tão aguardada promoção para o trabalho de campo.

Voltando para o papel a sua frente, começou a escrever. Não podia dizer que tinha passado todo mês de janeiro sob pilhas e pilhas de documentos, fazendo seu terrível trabalho burocrático no prédio da Polícia.

A verdade era que, mesmo a diretoria da escola tendo ciência de que ele não era um aluno de verdade, mas sim um policial disfarçado, ficou combinado, conforme lhe foi dito, que ele deveria agir como um aluno comum, realizando todas as atividades e deveres, para não levantar nenhum tipo de suspeita. Ele foi informado que nenhum dos professores ficaria sabendo sobre a operação, esta ficando restrita apenas a direção da escola.

Desta forma, inventou um cenário paradisíaco, onde sua mãe e ele passaram a maior parte das férias tomando banho de mar e piscina e enchendo a barriga de água de coco.

Escrevia com uma descrição tão pormenorizada, que quase acreditou que aquilo realmente acontecera. Riu em seu interior, lembrando das férias escolares que passara quando criança e adolescente. Recordou das vezes em que sua mãe o inscrevera na colônia de férias que era oferecida gratuitamente por um clube comunitário, localizado perto da sua casa. Esses foram os anos mais divertidos.

Não reclamava da falta de dinheiro. Sua infância fora muito feliz, embora tenha sofrido uma grande perda aos 8 anos de idade. Seu pai, um homem carinhoso e gentil, fora vítima de um roubo seguido de morte, deixando Gabriel órfão em tenra idade. O criminoso nunca fora localizado, mas suspeitava-se de alguém que apenas passava pela cidade, tendo em vista que as poucas testemunhas do crime não reconheceram o indivíduo. Numa cidade de pequeno porte, onde todos se conheciam, isso era uma prova cabal de que o delinquente não morava ali.

Provavelmente, fora esse fato que desencadeou o seu desejo de se tornar um investigador de polícia. Era uma hipótese aparentemente lógica, mas preferia não se aprofundar nos recônditos de sua mente. Não sentia que importava para ele entender as suas motivações. Bastava saber o que queria, e isso ele não tinha dúvidas. Iniciara a sua jornada, agora restava apenas continuar no caminho para alcançar seu objetivo.

Saindo dos seus delírios, levantou a cabeça discretamente e observou seu entorno à procura do alvo. Não o vira desde que tinha chegado na escola. Será que não viria hoje?, pensou.

Sabia que o irmão mais velho de Laura não era um estudante muito comprometido, estava até um ano atrasado no colégio, mas sabia também que ele era um aluno assíduo.

Não teve tempo para outro pensamento, a porta da sala abriu e Davi Antunes entrou. Ao perceber que o rapaz em questão sentaria justamente na cadeira vaga ao seu lado, teve certeza que sua sorte estava mudando.

***

Manteria a calma, não faria nenhum contato repentino, levaria a frente o que havia maquinado. Bem, isso era o plano que Gabriel tinha em mente, contudo, ele teve que modificá-lo quando o recém-chegado perguntou:

– Ei cara, tem alguma caneta sobrando?

Quase que ele deu uma gargalhada: não acreditava naquela sorte. Não precisou nem iniciar uma conversa sobre uma besteira qualquer. Sorte também, ou pode-se chamar de prudência, já que Gabriel preservara as características do aluno exemplar que ele sempre fora. Ele nunca iria para a escola sem, no mínimo, duas canetas azuis e duas pretas, além de lápis e borracha.

Tudo bem, ele tinha consciência que era um verdadeiro CDF.

– Claro, pegue – disse Gabriel.

– Obrigado, mano, sai apressado de casa, sabe como é que é.

– Certeza cara, sei bem como é isso. Testou? Tá escrevendo?

– Tá sim, valeu! Você é novato, né? Não lembro de já ter te visto por aqui.

– Sou sim, minha mãe foi transferida para essa cidade.

– Ah, tá. Droga cara, se já deve ser horrível mudar de colégio no último ano, nem imagino mudar de cidade...

– Verdade, mas sou rápido em me adaptar. O que eu certamente não esperava era escrever no primeiro dia de aula uma redação sobre as férias. Quantos anos nós temos, sete?

Rindo, Davi respondeu:

– Essa professora sempre passa a mesma tarefa todo o semestre, ela não tem muita imaginação, mas é uma boa professora.

– Ela é mesmo boa, não? – falou Gabriel, com um sorrisinho que ele trabalhou para parecer canalha, achando que, com a declaração, selaria a recente amizade. No entanto, a resposta o surpreendeu:

– Que é isso cara, ela, assim como todas as outras professoras, merece o nosso respeito. Isso não é algo legal para se dizer de alguém que está tentando nos ensinar algo de útil.

– Calma, amigão, desculpa aí! Você está certo, realmente fui infeliz na declaração. Retiro o que disse, tá? Mas ninguém pode dizer que ela não é bonita... Com todo o respeito.

Mais tranquilo, Davi disse:

– Sim, ela é linda. Foi mal aí pela minha lição de moral, é que meus pais foram professores.

Balançando a cabeça em sinal de concordância, Gabriel voltou a se desculpar, aliviado pelo clima ter voltado a ficar ameno e surpreso, pois pensava que Davi fosse mais um adolescente bem de vida e revoltado. Sem querer perder a oportunidade para estreitar a conexão, continuou:

– Mas a gente tá aqui conversando e ainda não sei o seu nome... O meu é Gabriel, muito prazer.

– Muito prazer Gabriel, eu sou Davi.

Apertaram as mãos, entretanto, nesse momento, ouviram alguém pigarreando muito perto. A professora tinha se aproximado e eles estavam tão concentrados que não perceberam.

– Muito bem meninos, fico feliz que estejam se familiarizando tão cedo neste novo ano, porém, ficaria ainda mais se vocês deixassem a camaradagem para a hora do recreio.

A turma riu, mas depois de um, "voltem ao trabalho! ", o silêncio retornou.

__________________________________

Oi, obrigada por ler este capítulo! Caso tenha gostado, poderia votar? É só clicar na estrelinha logo abaixo. Se também quiser comentar, fique à vontade!


Acaso Destinado (AMOSTRA)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora