Acaso Destinado (AMOSTRA)

CAPÍTULO 5 - IRONIA DO DESTINO

Laura estava em casa depois de um primeiro dia normal no colégio. Sorrindo, lembrou da bronca que a Senhorita Ângela, professora de português, dera na sala. Estava concentrada na sua redação quando ouviu o pigarro da professora. Naquele momento, voltou sua atenção para trás, percebendo que a chamada tinha sido dirigida para o seu irmão e...– de jeito nenhum! – ogrozinho.

Do jeito que seu irmão tinha facilidade para se enturmar, Laura tinha previsto, naquele momento, que o Shrek já era amigo de infância de Davi. E isso não era prenúncio de nada bom.

Já era bastante complicado conviver na mesma sala com o seu irmão. Pela idade, ele, que era um ano mais velho do que ela, deveria fazer parte da outra turma. No entanto, seus pais sempre pediam a Diretoria para deixar os dois juntos e sempre eram atendidos. Desta forma, já há algum tempo eles compartilhavam a mesma classe, precisamente desde o quinto ano do Ensino Fundamental, quando Davi ficou reprovado no ano anterior durante uma rápida crise conjugal dos seus pais.

Deitada na sua cama fazendo as tarefas de casa, vieram à mente de Laura os acontecimentos do recreio. Sentada no refeitório com Bia e Adrien, viu seu irmão aproximar-se com o ogro e pensou que deveria aumentar seu repertório de insultos urgentemente, já estava ficando repetitivo. Davi deu bom dia a todos, dando mais atenção a Bia, como de hábito, e seu amigo rude deu a primeira demonstração de educação dizendo um "bom dia" e olhando diretamente para Laura com um sorrisinho de canto de boca.

Laura queria mostrar que era melhor, queria responder com educação – realmente queria – até se imaginou fazendo isso, porém, o que fez na realidade, foi ignorar a saudação de Gabriel. Davi apresentou, formalmente, o novato para a mesa, mas Laura continuou a ignorá-lo.

Seu irmão, que não podia ser considerado uma pessoa observadora, não percebeu nada estranho no comportamento dos presentes, em especial de Laura e Gabriel. O mesmo não pôde ser dito pelos amigos de Laura, que trocaram olhares engraçadinhos, deixando claro que notaram o clima nada amigável entre os dois.

Para alívio de Laura, o clima de estranhamento não durou muito. Com vontade de apresentar o novato para o máximo de pessoas possíveis em um espaço ridículo de tempo, Davi logo chamou Gabriel para ir às outras mesas para as devidas apresentações.

***

A batida na porta do quarto tirou Laura de suas lembranças. as horas passaram rapidamente, sem ela perceber, e sua mãe já estava chamando para jantar. Na sua casa, as refeições eram feitas na mesa da sala de estar, onde todos contavam sobre o seu dia, e a ausência somente era aceita com uma justificativa muito bem formulada.

Qualquer violação da regra seria punida com dias em casa e apreensão de quaisquer equipamentos eletrônicos. Lógico que era a punição para os filhos – para o pai, Laura não gostava nem de imaginar. É evidente que a regra não valia para sua mãe. Sim, era uma verdadeira ditadora, mas uma do tipo a mais amável do mundo, se é que essa contradição existia.

– Laura, hora da janta! – e depois de um momento – Venha, meu bem, estou doida para saber como foi seu primeiro dia de aula.

Certo, Laura iria, mas omitiria alguns acontecimentos do dia, nada de importante.

– Tô indo mãe!

***

Enquanto ajudava a sua mãe, colocando as baixelas de comida na elegante mesa de granito verde que adornava a sala de estar, Laura pensava em como a vida dela e de sua família era simples e tranquila. Seus pais eram professores universitários aposentados, mesmo sendo jovens, já que começaram a trabalhar muito cedo, cumprindo todas as determinações legais necessárias para a aposentadoria.

Embora fosse certo chamá-los de inativos, eles estavam longe de ficar parados em casa. Sua mãe era uma jardineira de mão cheia, gostava de cuidar da casa e de seus filhos. Os Antunes não possuíam secretárias. Somente em algumas ocasiões chamavam uma diarista para ajudar na limpeza geral, mas era algo raro de acontecer. Todos tinham suas tarefas definidas dentro de casa. Arrumar os quartos, lavar as roupas e pratos, varrer a casa. Eram unidos até na limpeza.

Seu pai estava realizando um antigo desejo. Por fim, iniciara o seu livro. Ele não falava muito sobre o que estava escrevendo, embora todos soubessem que ele passava horas trancado em seu escritório batendo nas teclas do notebook. Laura já tinha ouvido ele falando algo com a sua mãe, porém nunca prestara muita atenção. Ela amava e respeitava seu pai, quando ele sentisse a vontade para falar sobre a história que ele estava dando vida, ele contaria.

– Laura, filha, ande com isso. Está todo mundo verde de fome!

– Só falta o arroz, mamãe, vou buscar agora.

Colocando a última tigela na mesa, Laura sentou no local de costume, enquanto a loucura começava. Todos falavam ao mesmo tempo, mãos viajavam por sobre a mesa, tentando alcançar as colheres enterradas na comida que ficavam mais longe.

– Pelo amor de Deus, vocês não estão morrendo! Davi, você já passou da fase de crescimento. Laura, você também. E nem vou começar a falar do meu excelentíssimo marido. Você tem que dá o exemplo, meu bem!

– Amor, você sabe que nessa hora há uma pequena guerra na nossa sala de estar e parece que hoje demoramos mais...

– Está reclamando? Porque se estiver, acredito que amanhã você pode me ajudar com algumas tarefas e assim tudo será mais rápido. Estamos combinados, Sr. João Siqueira?

– Só estava brincando, amor!

– Sei... – retrucou a sra. Margarida Antunes, e logo mudou de assunto. Olhando para a sua filha, perguntou:

– Como foi seu primeiro dia de aula, Laura?

– Normal, mamãe, nenhuma novidade. A não ser que conte uma tarefa rara e excitante que nós fizemos hoje.

– Qual?

– Uma redação sobre as nossas férias! – informou, Laura, que logo caiu na risada, junto com os outros integrantes da mesa, inclusive sua mãe.

– Engraçadinha! Mas, Deus do Céu! Tenho que concordar com você, minha filha, a depender dessa tarefa, vejo que foi tudo muito normal, mesmo!

– Foi, mamãe. E aqui, alguma novidade?

E assim continuou a pequena reunião familiar que acontecia diariamente, com muitas risadas, conversas, pequenas reclamações e muito amor sendo distribuído ao redor da mesa.

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