Mas os peixes continuavam a me chamar. O mesmo caminhão que levava os jogadores aos campos de futebol de outros bairros, também fazia "excursão de pesca" ao Passo de São Borja, o vai do Rio Santa Maria, que ficava a alguns quilômetros no interior do município. Na primeira hora da tarde o caminhão passava na esquina de um bar onde os pescadores aguardavam com suas mochilas para embarcar. Eu ficava ali, observando e ouvindo histórias, até a hora do embarque, doido para ir atrás dos dourados, traíra, arraias, Piscas, Grumatãs, Jundiás e Pintados que eram pescados naquele Rio. Depois que o caminhão chegava ao passo os pescadores desembarcavam e caminhavam por dentro da lavoura e Mato à procura dos pesqueiros por cerca de duas horas. Os pesqueiros mais famosos ficavam até quatro horas de caminhada. Via de regra, essa caminhada era ligeira, pois os pescadores eram homens duros, acostumados ao trabalho pesado e caminhavam muito rápido porque precisavam chegar antes do escurecer para pegarem iscas e colocarem suas redes. Tudo que levavam eram redes, comida frugal, linhas, uma manta para dormirem e cachaça, muita cachaça, a qual misturavam folhas de "murta" para ajudar o fígado. Havia ainda o perigo do caminhão, que era velho e andava por estradas de chão, com motorista bêbado também. Por isso meu pai não permitia que Eu fosse pescar, pois tendo em torno de 12 anos Eu era franzino e as companhias não eram confiáveis.
Um dia eu consegui que um dos pescadores, um homem mais velho e respeitável, pedisse a meu pai nao para me levar junto, sob sua responsabilidade. Quando houve a concordância eu exultei de alegria, quas nao consegui dormir à noite, tamanha excitação. Quando subi no caminhão, no dia seguinte, senti que fazia parte daquela trupe e que não estava a caminho de ser um adulto. Ninguém disse que eu teria vida fácil naquela pescaria. Assim que chegamos todos deitaram perna e eu, desesperado com minhas pernas curtas, fazia o possível para acompanhá-los, pois se os perdesse de vista não saberia para onde ir, nem como voltar. No acampamento me deixaram encarregado da cozinha e foram colocar redes rio abaixo, caminhando por dentro da água e nadando em alga trechos. O cardápio era arroz com galinha e queriam a janta pronta quando chegassem, sendo essa minha principal função. Depois de penta a comida eu poderia até pescar.
Assim que eles saíram eu tratei de jogar uma linha na água, que era meu maior desejo. Não tive tempo de dizer para eles que eu não sabia cozinhar, que em casa era minha mãe quem cozinhava e eu apenas sentava à mesa para comer. Mas não deve ser difícil, pensei, e pus mãos à obra. Com um fogo bem grande pus uma panela pendurada em um tripé e joguei para dentro o arroz e os pedaços de galinha, sal e bastante água. Quando a água fervia e ameaçava secar eu botava um pouco mais, até que ouvi barulho no mato, denunciando a volta dos companheiros. Assim que chegaram, famintos, abriram a panela, olharam com cara de poucos amigos e eu já fui me retirando para um canto. Quando um deles resolveu provar a gororoba eu senti que estava perdido. "Nem minha cocota come esse pirão" gritou, furioso, e deu um chute na panela que foi parar dentro do rio, borbulhando. Tentou me pegar para me surrar, mas eu corria feito um condenado a sua frente, em direção ao mato. Só bem mais tarde, quando a cachaça já lhes havia adoçado o espírito, me deixaram voltar, como um cachorro, desconfiado de um Safanão. O jeito foi pegar uns peixes da rede e frita-los, já que não havia mais carne, nem arroz. Na volta à cidade a história era contada por todos e eu era o motivo da chacota, mas nem me importava, satisfeito por ser protagonista de uma das muitas histórias de pescador. Este foi o pedido mais feliz de minha vida.
Mai tarde, já adulto, fui a várias pescarias nesse mesmo rio, mas as pescarias mais frequentes eram em açudes, onde íamos de bicicleta. Só mais tarde vieram as pescarias de carro, normalmente Fusca ou Corcel l, paus velhos que nos deixavam empenhados nas estradas do interior. Atualmente vou de motorhome, ou ônibus especial, para a Argentina pescar Dourados e Surubins, ou de avião para o Mato Grosso em busca de Trairões, Cachorras e Matrinxãs, mas apesar de todo o conforto não encontro a mesma magia daqueles tempos.
Há alguns amos atrás fui revisitar o Rio Vacacaí,onde fiz minhas primeiras incursões pelo mundo da pesca, e encontrei um rio assoreado e poluído. O lugar preferido para banhos estava muito raso e sujo e a estrada quase abandonada. Fomos pescar eu e meu sogro nos lugares já conhecidos e não vimos nenhum peixe. Depois retornei sozinho ao lugar, sentei na sua margem e chorei. O progresso e o desleixo haviam matado meu rio. Foi então que vi alguns meninos com caniços, procurando um pesqueiro, de calção e chinelo, como eu fazia outrora, felizes da vida. Aí percebi que não só o rio estava morto, mas a criança que eu fui também.
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