Capítulo 4º

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Capítulo 4º

Sólon teve a infância ceifada. Devido a isso, criou um escudo de proteção, que não permite que quem quer que seja ultrapassasse a linha imaginária criada por ele. No entanto o sentimento de gratidão por José não pode ser ignorado, pois, se não fosse pelo enfermeiro, provavelmente, não teria sobrevivido.

Logo que a mãe de Sólon se foi, sua rotina diária resumia-se em encolher-se no canto do quarto e chorar. O garoto não falava, tomava banho ou se alimentava. Foi duro, mas, com o passar dos dias, ele entendeu que isso de nada adiantaria. Ela não voltaria!

Sua atitude apenas aumentava a ira de seu pai, que o xingava usando palavra torpes, lembrando-o a todo instante de que sua mãe não o amava.

Ele ainda pode sentir o cheiro de álcool impregnado naquele homem. Na infância, teve sorte por Juliano nunca ter sido violento, mas o desprezo e as palavras, muitas vezes, marcam mais que a dor física, de modo que era impossível sair ileso.

Talvez o fato de seu pai nunca ter lhe encostado o dedo se devesse à presença constante de José. Sólon não tinha certeza, mas suspeitava que o enfermeiro o protegia, pois, quando este estava presente, Juliano mal aparecia.

Quando entendeu que o melhor era evitá-lo, começou a passar a maior parte de seu tempo fora de casa.

Constantemente sentia falta de coisas simples, preparadas por sua mãe, como cereais com leite. Chegava até a sonhar com a textura crocante deles, mas tinha que se contentar com a sopa pastosa ou a papa visguenta e aguada que José preparava para ele e seu avô.

Mesmo não sendo uma boa pessoa, Juliano permitiu que o filho continuasse na escola particular em que estudava antes de Alice desaparecer. Mais tarde, Sólon compreendeu que o pai apenas permitiu isso porque não teria como justificar aos vizinhos e amigos de seu avô a saída dele da escola. Podia jurar que o pai até torcia para que ele fosse reprovado, só para ter motivo para transferi-lo a uma escola pública, como punição. Todavia isso nunca aconteceu.

Sua vida escolar também não foi fácil. Ele vestia-se sempre com roupas surradas, não usava tênis da moda e raramente levava lanche. É natural que as crianças excluam aqueles que não se encaixam ao meio, mas para toda a regra há exceções. Um colega de turma pareceu ter notado que Sólon nunca tinha o que comer e, por esse motivo, passou a levar o lanche em dobro, oferecendo metade a ele, que não dispensava. Apesar de aceitar, no entanto, o filho de Alice apenas comia o lanche em silêncio; não tinha interesse em fazer amizade.

Fazer amigos significava que teria que falar sobre sua vida e a última coisa que Sólon queria era que sentissem pena dele. Ser um garoto esquisito era melhor do que ser um pobre coitado.

O que mais lhe doía era ver os pais de seus colegas, felizes ao buscarem seus filhos na saída da escola, enquanto ele caminhava só, de volta para casa, à mercê da maldade do mundo.

Quanto mais seu pai o xingava, dizendo que ele não seria alguém, mais Sólon estudava para provar o contrário e, com o passar dos anos, os dois tornaram-se dois estranhos habitando o mesmo teto.

Seu pai pouco parava em casa. Quando não saia para beber, sumia por vários dias, levando sempre uma mala.

Sólon cresceu sem acreditar no mundo e nas pessoas. Juliano dizia que sua mãe o havia deixado por um homem rico. Então é isso que controla o mundo, o dinheiro? Revoltado, ele jurou a si mesmo que teria o bastante e compraria tudo o que desejasse. Não haveria quem, inclusive mulher alguma, que o passaria para trás por esse motivo. Tendo essa meta em mente, ele esforçava-se para ser o melhor em tudo o que seu pai fracassado não era.

GUIADO PELO ÓDIO AO ENCONTRO DO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora