Capítulo 1º
— Bom dia! — Cumprimenta-os Alice, sem deixar de notar que já estão terminando o café da manhã.
— Está atrasada! — Seu pai a recrimina, enquanto confere as horas em seu pulso.
— Desculpe! — Beija-o na face e senta-se ao seu lado. — Perdi a hora, por passar a noite estudando.
— Suas notas já são boas o suficiente, filha — repreende-a o pai. — Para quê se matar de estudar se eu posso lhe dar uma vida confortável?
— Não quero depender do senhor o resto da vida, pai.
— Não, claro que não! — Francisco olha para o afilhado em conspiração, depois volta o olhar para a filha. — Apenas até que se case.
— Não me casarei até que me forme — fala decidida. — O senhor sabe que quero ser médica.
— Para quê fazer faculdade? — pergunta o pai com desdém. — Uma mulher deve se preocupar apenas em ser uma boa dona de casa e mãe.
— Pai! — Ela inclina a cabeça. — Como posso me casar se o senhor não me deixa nem namorar?
— Tudo a seu tempo.
— Nem sair sozinha eu posso!
— Não lhe proíbo de sair! — Francisco aponta o afilhado com o queixo. — Apenas quero que leve Juliano com você. — Dá um gole em seu café. — O mundo anda muito perigoso e não é bom que uma moça jovem e bonita como você ande sozinha pelas ruas.
— Sim, meu pai, eu entendo — concorda Alice, em obediência.
— E você ainda é muito nova para pensar em namorado — declara. — Não é Juliano? — pergunta Francisco ao afilhado.
— Sim, senhor, muito nova! — Juliano disfarça um sorriso vitorioso.
— Estou pensando em visitar o hospital amanhã, o senhor me permite?
— Claro, minha querida! — A voz de Francisco embarga com a lembrança de sua falecida esposa.
— Está pronta? — pergunta Juliano, levantando-se. — Vamos?
— Só um minuto. — Alice se apressa em engolir um pão com leite.
— Filha, não abuse! — repreende-a o pai. — Você sabe que Juliano é muito responsável e tem hora para chegar ao trabalho.
Juliano é afilhado de Francisco. É três anos mais velho que Alice e mora em sua casa há alguns anos. A família é do interior e ele veio à cidade para estudar. É um rapaz esforçado e trabalhador. Alice o tem como um irmão mais velho, mas tanto ele como Francisco nutrem a esperança de que um dia ela o veja como algo mais.
***
Leônidas passou toda a noite velando o sono de seu pai. O dia anterior havia sido de sofrimento. Já está confirmado, é um caminho sem volta e, agora, com dias contados, não mais que seis meses. A ciência ainda não descobriu a cura para o câncer.
Ver seu pai mutilado em cima de uma cama deixa-o revoltado com Deus, com os médicos, com a vida... Quem pensa que a única vítima é o portador da doença está enganado. Há dias em que Leônidas pede a Deus, que seu progenitor seja levado para que todo esse sofrimento tenha fim.
Antes do diagnóstico, Marcone levava uma vida normal. Bom marido, pai, amigo, trabalhador. No entanto ser "bom" não o excluiu desse mal.
Leônidas sempre o viu como seu herói, até que, há três anos, tudo mudou. No início havia esperanças de que o tratamento quimioterápico pudesse vencer a enfermidade. Durante esse período, ele não viu, sequer uma vez, o pai esmorecer, mas agora, há exato um mês, seu progenitor parece já não ter forças para lutar. Primeiro vieram as dores fortes, depois a dificuldade para andar e, assim que foi constatada a necrose, a notícia. A perna direita de Marcone precisaria ser amputada. Ainda em fase de adaptação e em menos de 15 dias, veio a notícia, perderia também a outra perna. Pela primeira vez, o filho viu o pai chorar, mas não foi de dor.
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GUIADO PELO ÓDIO AO ENCONTRO DO AMOR
RomanceSólon é um homem que não conhece o significado da palavra "amor", pois nunca o recebeu. A ausência desse sentimento ao longo de sua vida transforma-o em um homem frio, calculista e com um coração de pedra. Essas características o ajudam a alcançar...