A primeira Sessão de Lila

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"-Não sei de onde ela veio." - a gravação começou - "Ela está sempre lá."

Francamente, não devia estar fuçando os arquivos do computador da minha esposa. Eu devia ter parado quando percebi que "Lila", no nome do arquivo, dizia respeito a nossa sobrinha. Minha esposa é uma psicóloga infantil, e eu estava fazendo uma manutenção rotineira no computador. Creio que minha curiosidade aumentou quando vi a pasta com o nome de "Sessões".

Lila é a filha do meu cunhado. Minha esposa estava trabalhando com ela por causa de algumas coisas estranhas que ela vinha dizendo. Aqui está transcrito tudo o que ouvi daquele simples arquivo .mp3.

"-Lila, quando foi a primeira vez que você a viu?

-Hmm... não tenho certeza de onde eu estava. Aquela sala era pequena, com as paredes roxas ou vermelhas, não me lembro bem. Ela entrou na sala atravessando a parede. Mas não conseguia se mexer muito bem, o buraco que ela fez era pequeno, então eu a ajudei.

-Essa sala roxa fica na sua casa?

-Não.

-O que aconteceu quando ela atravessou a parede completamente?

-Ela disse que seu nome era Clara, e que me viria em breve.

-E ela te viu novamente?

-Dããã. É por isso que eu estou aqui, não é, tia Grace?

-Certo. Suponho que sim. E o que você pode me dizer sobre essa Clara?

-Clara não gosta que eu fale sobre ela quando ela não está por perto.

-E ela não está aqui agora?

-Clara disse que ia esperar fora da sala.

-Por quê você não a traz aqui? Eu gostaria de saber um pouco mais sobre ela."

Houve um breve silêncio. Ouvia-se um baixo som de uma porta abrindo.

"-Certo, Lila, o que você pode me dizer sobre ela?

-Bom... eu acho que ela tem seis anos. Ela é muito inteligente, acho que ela nunca falou nada errado.

-E ela te diz coisas?

-Claro! Ela me diz todo tipo de coisa, principalmente sobre outras pessoas.

-Você pode me contar algumas dessas coisas?

-Hmm... tudo bem eu contar, Clara? ... Ah, aquela? OK! Clara estava certa sobre o Irmão Patrick! Perguntei pros garotos pra ver se ela não estava mentindo.

-Irmão Patrick, da Metodista?"

Irmão Patrick era um pastor da igreja metodista local. Ele havia sido encontrado enforcado no sótão de sua igreja alguns meses antes da data da gravação que eu estava ouvindo. A minha família e a do meu cunhado eram membros daquela congregação. As pessoas ainda sussurram entre si nos bancos da igreja, mas tudo não passa de alguns rumores.

"-É! Ele estava sendo maldoso com os garotos.

-Seus pais já te contaram sobre o Patrick?

-Não, só a Clara.

-O que mais ela te disse?

-Ela me ajuda com os valentões na escola.

-Ela te diz coisas boas pra te ajudar?

-Não, não assim.

- Então que tipo de ajuda ela te dá?

-Eu corro pro lugar onde ela fica, e se eles me seguem até lá ela olha feio pra eles.

-Ela te pede pra fazer coisas pra ela?

-É..."

Houveram alguns segundos de interferência aquela hora; não era estática, era como uma nota bem baixa, mas que era suficiente para tornar as vozes inaudíveis.

"-...aí ela me pediu para colocar aquilo num pote no canto do sótão.

-Por quê ela quis que você fizesse isso?

-Ela não quer falar.

-Quantas vezes você teve que colocar o pote lá pra ela?

-Ah, sei lá, algumas.

-E o que ela está fazendo agora?

-Ela está de pé do seu lado.

-Ela está? E ela tem algo a dizer?

-Clara disse que você deveria ser a mãe dela."

Houve uma pausa, mas mais longa dessa vez. Só se ouvia o som de alguém respirando forte. Minha esposa voltou a falar, se atrapalhando um pouco.

"-I-isso não é possível, eu nunca devia ser mãe.

-Cl-Clara está dizendo... pra você parar de mentir. Ela diz que não consegue lembrar de tudo, m-mas ela lembra de--"

A estática irrompeu de novo, mas dessa vez mais alta. E, no meio daquele som, havia algo como uma voz falando para alguém parar.

"-O que há de errado, Lila?

-Ela parece brava.

-E você pode perguntar o porquê de ela estar brava?"

Aquela frequência interrompeu a gravação de novo, mas dessa vez foi muito mais alta que a anterior. Enquanto a gravação voltava lentamente ao normal, eu podia ouvir Lila soluçando e respondendo a pergunta da minha esposa de forma que quase não consegui entender.

"-Ela disse que... Ela disse que você não a deixou sair daquela sala vermelha do jeito como as mamães normalmente deixam."

Dessa vez, a gravação foi parada por um grito que até hoje me deixa arrepiado e com medo só de lembrar. Eu não vi a minha esposa desde a data da gravação - ela ficou trancada no seu escritório desde então. Eu tentei colocar minha orelha na porta e ouvir o que acontecia lá dentro, mas tudo o que eu conseguia realmente ouvir era ela falando sobre corrigir um erro e sua respiração muito pesada. Eu pedi para que meu cunhado perguntasse para Lila o que aconteceu, mas ela diz que não lembra de ter estado no escritório da minha mulher. Perguntei sobre o pote, e se ela ainda falava de Clara. Ele me contou que aquela fase de Lila devia ter passado, ou Grace descoberto o que havia de errado com a criança.

Pensei um pouco. Peguei uma chave de fenda e tirei a maçaneta barata da porta do escritório. Não consigo tirar o que vi da minha mente. Grace, minha esposa, estava encolhida debaixo de sua mesa, soluçando. Me ajoelhei ao lado dela e coloquei a mão em sua perna. Senti sua calça encharcada e tirei minha mão rapidamente. Sangue. Suas pernas e o carpete da sala estavam todos cheios de sangue.

Meu coração batia muito forte. Eu perguntei:

-GRACE! O QUE ACONTECEU?! VOCÊ ESTÁ BEM?!

Ela respondeu, falando bem baixo.

-Ela só queria voltar...






P.S: estática é coisa do capeta

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