CAPÍTULO 1

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Existem duas coisas que você deve saber sobre mim: a primeira delas é que eu fico insuportável quando em abstinência de comida ou de sono. Não me leve a mal, mas não entendo como alguém consegue ficar sociável com estômago vazio ou sem dormir. É uma questão biológica, sabe? Se você não come, consequentemente você fica mais fraco, o que significa que sua disposição diminuirá e suas atividades físicas serão comprometidas. E a privação de sono afeta o raciocínio lógico e deixa a pessoa mais suscetível à irritação. Portanto, não é frescura.

A segunda coisa é que eu odeio que pessoas desconhecidas me encostem. Parto do princípio que o corpo é meu e eu faço com ele o que eu bem entendo, o que inclui escolher com quem eu vou ou não ter contato físico. Para você me compreender, sinta o drama: imagine-se num ônibus semicheio e você está lá, em pé, pacientemente esperando chegar ao seu destino. Alguém para ao seu lado, podendo parar com uma distância de pelo menos 1 metro. Para melhorar, a pessoa fica te esbarrando. A cereja do bolo é que ela está suada e aquele melado da pele dela passa para o seu. Realizou a cena? Ficou com nojo? Então agora você me compreende. Se você não ficou com nojo, você é estranho. Fique longe de mim.

Agora vamos lá, porque eu estou contando isso pra você: porque eu quero que você entenda como o meu dia começou com os dois pés esquerdos quando era para ser um dos melhores dias da minha vida. Mentira, não é para tanto. Mas ainda assim, eu tinha boas expectativas sobre o dia.

Eu tenho uma vizinha que adora dar festas. Até aí, nenhum problema, eu também gosto de festas. Porém, Jenny - a minha vizinha - não tem dia e nem hora para dar as festas dela. Ela não respeita nem a divindade do domingo, entende? Que pessoa, em pleno funcionamento de suas faculdades mentais e com o mínimo de responsabilidade na vida, dá uma festa que começa às 11 horas da noite de um domingo? ONZE HORAS DA NOITE! É um conhecimento universal e imaculado que a segunda-feira é o pior dia da semana para qualquer ser humano decente que trabalha e/ou estuda; violar a tranquilidade do domingo à noite deveria ser crime previsto em lei.

A festa que começou às onze da noite terminou certamente depois das 4 horas da manhã, que foi mais ou menos a última vez que olhei o visor do celular para conferir quantas horas de sono eu estava perdendo. Portanto, quando meu telefone despertou às 6 horas da manhã, eu estava um zumbi. Minha alma até podia estar acordada, mas meu corpo e meu cérebro estavam definitivamente ainda entrando no meu sono mais pesado. Exigiu um esforço sobre-humano levar meu corpo até o banheiro para tomar banho e depois me arrumar. Esse processo inteiro levou mais de uma hora, o que me deixou sem tempo de tomar um delicioso café da manhã em casa.

Eu tinha exatos 45 minutos para chegar à faculdade, o que me dava tempo de passar na cafeteria antes de ir para a primeira aula e chegar sem atraso. Estava tudo na continha, mas até ai, quem nunca desafiou Cronos que atire a primeira pedra. A sorte estava jogando ao meu favor porque, assim que cheguei ao ponto, consegui pegar um ônibus.

Se você é esperto - como eu acho que é -, já sabe o que aconteceu, né?! Não tinha lugar para ir sentada e eu estava em pé, quietinha no meu lugar ouvindo minha música enquanto tentava me manter acordada, quando um homem esbaforido que tinha corrido para pegar o ônibus parou exatamente ao meu lado. Havia apenas três pessoas em pé. TRÊS MALDITAS PESSOAS E O DESGRAÇADO PAROU GRUDADO AO MEU LADO ENCOSTANDO O BRAÇO SUADO DELE NO MEU. AAAAAAARRGH! Imaginem o meu nojo potencializado pela minha irritação quanto fui obrigada a compartilhar os fluídos corporais dele? Eu dei quatro passos para o lado oposto e esfreguei o suor dele na minha blusa limpinha e cheirosinha. Contem comigo, essa foi a segunda derrota do dia. E se você acha que nada é tão ruim que não pode piorar é porque você não conhece Murphy e nem a mim. Se Edward Cullen me conhecesse, ele nunca mais falaria que a Bella atrai problemas, acredite.

O pior de tudo é: eu tenho um carro. Mas eu estava tão ruim de sono que não era seguro dirigir. Eu sou uma pessoa responsável, caramba! Isso e o fato de ter medo de bater meu carrinho lindo e ficar sem ele por um tempo maior que dois dias.

Mas voltando ao ponto onde estávamos, apesar de tudo, eu cheguei dentro do planejado à faculdade e fui direto para a cafeteria pegar meu cappuccino extra grande e dois croissants para tampar o buraco na minha barriga. Olhei meu relógio e vi que tinha 8 minutos para atravessar o gramado, entrar no prédio e me encaminhar para a sala no segundo andar. Hoje seria um dia de derrota na vida das inimigas, pensei delirante. Eu só precisei dar treze passos para longe da cafeteria - supersticiosos dirão que é um número de azar - até que um corpo não identificado de grande massa compacta se chocasse contra o meu corpo e lançasse o meu café da manhã ao chão sem qualquer piedade da minha fome.

Nesse momento, tudo colapsou em mim e o caos se instaurou sobre a Terra. Toda minha irritação que estava sendo cuidadosamente germinada desde a noite anterior explodiu em milésimos de segundo e eu vi tudo em vermelho. Shiva de apoderou do meu corpo e estava pronto para destruir o mundo, portanto, eu me sinto menos culpada quando penso que fui apenas um instrumento de sua ação e que não sou diretamente responsável pelo que aconteceu em seguida.

Acompanhem comigo os acontecimentos: eu senti o impacto daquela parede de músculos contra o meu corpo em velocidade suficientemente alta para que eu notasse que a pessoa não estava andando civilizadamente, sabe? Eu vi meu copo escorregando da minha mão enquanto arrastava o saco com os croissants em seu vôo livre direto ao chão. E eu vi tudo isso em câmera lenta e não pude fazer nada para impedir. Sabe a derrota das inimigas? Pois é, acabou de se transformar em vitória. Principalmente quando aquele corpo colocou as mãos ao redor dos meus braços para nos equilibrar e veio junto um "Opa, desculpa!". Foi a gota d'água para mim.

- Desculpa? Você é um imbecil que não olha por onde anda! Idiota! Inútil! - gritei em resposta.

- Ei! Não é para tanto também, garota!

- Você acabou de jogar meu café da manhã no chão e você acha que não é para tanto? Sério mesmo? Que tipo de estúpido é você? Qual o nível de retardo mental que você tem para falar tanta besteira em uma frase tão curta?

O cara me olhava com os dois olhos arregalados e a boca aberta, como se eu fosse algum tipo de louca que acabou de fugir do hospício e estava gritando com ele sobre estrelas comestíveis. Por favor, me respeite!

- Olha, eu lamento pelo acidente. Eu pago outro café para... - eu nem deixei ele terminar a frase.

- Você pega esse café e vá para o inferno com ele! E graças a você, além de sem café eu chegarei atrasada à aula! - enquanto eu virava para andar em direção ao prédio eu continuava gritando para ele. - Meu Deus! Como você é imbecil! Deveria ser proibido o tráfego de pessoas idiotas nesse campus!

Fazendo uma rápida reflexão agora, eu acho que talvez tenha exagerado um pouquinho na minha reação. Talvez, quem sabe, tipo assim, eu poderia ter chamado ele menos vezes de idiota, poderia ter gritado um pouquinho menos. Quem sabe eu poderia até ter me comportado como uma lady, como mamãe me criou. Quem vê assim não acredita, mas ela me ensinou boas maneiras. Eu deveria apenas ter dado um sorrido blasé e ter respondido com um "sem problemas" para ele. Poderia. Teria. Deveria. Mas não foi.

O fato é que pelo menos eu cheguei em tempo para a aula e pelo menos a enfadonha aula de Processo Criativo transcorreu sem nenhum outro drama. O único drama era o da minha fome e do meu sono, que agora estavam em situação mais complicada. Entre essa aula e a seguinte, dei uma corrida na cafeteria novamente para completar minha missão de não morrer de fome. E desse jeito, no conforto da segurança que só as aulas chatas podem te dar, eu venci minha manhã de aulas.

Todo o meu dia estava cuidadosamente planejado dentro do possível para a entrevista que eu faria à tarde no Museu de Artes. Deixa eu te contar, eu estudo História da Arte, Literatura e Economia. A última foi uma imposição dos meus pais - na verdade, eles me "permitiram" escolher entre Direito e Economia, e sabiamente escolhi a menos comprometedora de caráter. Desde o meu primeiro ano na faculdade eu almejava uma vaga no museu, mas essa é a primeira vez em três anos que eles abrem uma vaga, então, é óbvio que me candidatei. Um, porque o salário era bom. Dois, porque eu queria muito mesmo essa experiência. Três, porque eu estava cansada de ser subutilizada no meu estágio atual na revista de ciências. Minha entrevista era às 15 horas, e quando meu nome foi chamado de dentro da sala do coordenador, eu estava lá, prontinha para entrar. Te dou uma chance para você adivinhar quem eu encontrei na sala.

De repente, o destinoOnde histórias criam vida. Descubra agora