6. Jana: Juntando os Cacos

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Todas as roupas e pertences importantes meus e de Tati estão dispostos em duas grandes malas as quais nós duas podemos carregar sozinhas.
Eu não sei exatamente para onde ir, nem ao certo o que fazer. A minha única certeza é a de ter de sair dessa casa e levar minha irmã comigo, pois sei que aqui, em nosso próprio lar, corremos perigo enquanto mamãe achar que Fagundes é um homem bom. Penso em ligar para Diogo, dizer a ele que eu aceito de todo coração fugir com ele da cidade, mas reflito e concluo que meu namorado não merece carregar nas costas os meus problemas. Comunicarei a ele mais tarde o turbilhão de emoções que se transformou minha vida.

Vinte minutos depois, ouço ao longe o som de uma buzina, estabanada. É Ana Paula, minha melhor amiga, que recebeu com êxito a mensagem que lhe mandei.

É hora de sair do quarto. Pego a mala e seguro minha irmã pelo pulso enquanto ela arrasta sua bagagem pelas rodinhas. Ponho a cabeça para fora do quarto e me certifico de que Fagundes não está pelo corredor. Tento não olhar mais para nada, apenas para a saída. No entanto, a foto em cima do raque, emoldurada e empoeirada do meu pai, vestido com o uniforme azul e amarelo dos correios me prende a atenção. Aquela foto sempre esteve ali, mesmo depois que papai morreu e depois que mamãe colocou outro homem dentro da nossa casa. Olho para a foto, depois para Tatiana, que nada entende, mas confia em mim mesmo assim. Estou fazendo isso por mim e pela minha irmã, papai. Sei que ficaria orgulhoso.

Ana Paula buzina de novo e eu me apresso em sair daquela casa. Será uma vida nova, porém árdua, eu tenho certeza.

🐾

Ana Paula mora sozinha num apartamento bem espaçoso, num condomínio, um pouco longe da minha antiga casa. Como é bem próximo à universidade, vejo pessoas do curso de medicina veterinária e até mesmo de outros cursos pelas redondezas enquanto estamos chegando. Há também muitas repúblicas, justamente pela proximidade com a universidade, o que facilita a vida de estudantes que vêm de outras cidades e até mesmo intercambistas.

— Aninha, muito obrigada por tudo. Juro que Tati e eu ficaremos aqui por pouco tempo. É só enquanto eu arrumo a minha vida. Apesar de ela estar uma bagunça, garanto a você que não demoraremos muito.

— Calma, fofa. — diz ela, manobrando o carro para entrar na vaga do estacionamento. — Não se preocupa com isso, vocês não são incômodo algum. Eu só lamento pelo que aconteceu e quero ajudar você. Nós somos amigas há tanto tempo! Seria uma puta sacanagem eu não te ajudar numa hora dessas.

— Obrigada. De verdade. — agradeço e desconsidero o palavreado da moça.

Aninha ofereceu o sofá-cama de sua sala para que eu dividisse com minha irmã. Eu deito e abraço Tati. Ela faz um sinal com as mãos, perguntando pela nossa mãe e eu digo para que ela durma, apenas. Eu só quero esquecer este dia terrível.

Quando acordo, percebo pela janela do apartamento que o sol do novo dia já aparece tímido pelas nuvens do céu alaranjado. Olho no meu celular: chamadas de minha mãe e de Diogo dividem a tela. Coço os olhos, olho para o lado e observo minha irmã dormindo como um anjinho. Eu vou te proteger, não como nossa mãe, mas de verdade.

Decido retornar a ligação de Diogo, que me atende com voz de sono.

— Estou na casa da Aninha. - digo. Ele questiona do outro lado da linha o porquê de eu estar ali - Só vem aqui. Eu preciso conversar com você.

Desligo. As ligações de dona Sandra Bernades Fagundes, por hora, serão ignoradas. Eu nem sei o que dizer a ela. Talvez ensaiar um "o seu marido é um maníaco pervertido" ou algo mais brando. Não, ela não acreditaria. Minha mãe nunca deu importância para nenhuma palavra proferida por mim, essa é a verdade. O que lhe interessava era que eu lhe desse assunto o suficiente para que ela se gabasse no salão de beleza . "Leva seu cachorrinho lá em casa . A Jana é médica de bichos.", eu posso ouvir das profundezas da minha mente. Eu posso lembrar quando as amigas fofoqueiras da minha mãe começaram a levar seus gatos doentes lá em casa, assim que eu entrei no curso e estava perdida quanto ao que eu realmente queria fazer, me matando para aprender a anatomia dos animais domésticos, a biologia, a química e outras disciplinas base para o curso. Não que eu não gostasse de cuidar dos pobres animaizinhos, mas eu não tinha nada como experiência. Eu me sentia impotente por não poder ajudar aqueles animais. Como agora estou.

Enquanto o Sol brilharOnde histórias criam vida. Descubra agora