1.Bob: Sem colesterol e sem gorduras trans

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Monto em minha bicicleta como faço todos os dias antes de ir trabalhar. E, como todos os dias, religiosamente, as pessoas que moram no condomínio onde eu moro se chocam quando vêm um cara tão gordo montado em cima de uma bike.
Prazer, sou Bob, o mais futuro ex-gordo da cidade.
A força de vontade é refletida em cada pedalada. A bicicleta não é minha, claro que eu não tenho grana pra comprar uma daquelas, mas logo eu quebrarei o meu cofrinho e terei cash o suficiente para isso. Eu tenho um emprego: de dia, eu trabalho como entregador de garrafões de água, em um mercadinho. Do final da tarde até a noite, o delivery de "mini Bobs" cheios de água acaba e fico no caixa do mesmo mercadinho, ajudando a proprietária, Dona Tânia, que é mais mãe para mim do que a minha própria mãe. Mas isso eu conto depois, que é pra não quebrar as surpresas.

Considero-me um cara vivido, sei que já vivi mais de um quarto da minha vida, pois já tenho vinte e cinco. Acho que ainda não vivi muita coisa e, a cada dia que passa, sinto que estou preso num ciclo vicioso, uma rotina maligna, que não importa o que eu faça, me impede de me afastar dela.

Bem... Pelo menos alguém me quer por perto. E não, não sou nenhum suicida. Até admiro quem tem coragem de fazer uma coisa dessas.

Dona Tânia é a dona do mercado que me empregou quando eu mais precisei. Ela é uma septuagenária gente boa, viciada em nicotina e cafeína, que me prometeu esses dias que se eu parasse de comer besteira e de ferrar com a minha saúde ela pararia de fumar. A dona Tânia é esperta, eu sei que não vou conseguir emagrecer e sei que ela não quer parar de fumar.

Adoro ela.

Ah, você quer saber o porquê de eu ter precisado tanto de um emprego. Beleza, vou contar. É que, tipo, eu sou o tomate podre da família e só percebi isso depois de velho. Sou o mais novo de quatro irmãos, todos homens: Julio, o mais velho, se formou advogado; Marcelo é professor de história e está lecionando no exterior; já Gabriel é jogador de futebol de um clube mais ou menos conhecido da região. E eu? Bem, eu nunca gostei de estudar, nem de correr atrás de bola, então eu resolvi cuidar da minha própria vida quando terminei o ensino médio a trancos e barrancos. Bom, a ideia de ser um encostado, apesar de ser o filho mais novo e naturalmente demorar a bater as minhas asinhas como meus outros irmãos nunca me passou pela mente. Vivo com meus pais numa casa bem humilde e não temos notícias dos meus outros irmãos. O único dos filhos que ajuda com algum vintém sou eu mesmo.

E sou o que ganho menos.

Muitos dizem que o ano começa logo após o carnaval, mas logo após o carnaval é a quarta -feira de cinzas e eu confesso que bebi uns gorós e passei esse dia com uma ressaca daquelas. Nada que me afaste do meu compromisso, da minha promessa de ano novo que eu já venho adiando há tempos : emagrecer, antes que a casa caia. Ou melhor, antes que eu caia num buraco a sete palmos da terra.

O que eu disser pode soar repetitivo, afinal, quem não tem problemas? Cada um carrega a cruz que consegue carregar, mas mesmo sabendo disso, sempre acho a grama do meu vizinho mais verde que a minha. Quantas pessoas já começaram uma dieta e pararam no meio do caminho? Inúmeras. Mas como minha mãe diz e eu lembro até hoje, em meus plenos vinte e cinco anos de idade, eu não sou todo mundo. "Você não é todo mundo, Bob.", ouço a voz de dona Elisabeth ecoando enquanto pedalo.

Só preciso pedalar meia hora por dia, só para começar. Eu bocejo sem parar, como se tivesse dormido pouco na noite anterior ou como se me faltasse ar. Por Deus, estou cansado, deduzo. É isso, estou cansado e isso deve ser bom. Olho no relógio e percebo que não faz nem cinco minutos que estou pedalando.

Jogo a bicicleta no chão, me sento no meio fio e abro uma garrafa de Aquarius Fresh (4 calorias) . Acho que é um tipo de refrigerante Light ou pelo menos é assim que eu o considero. A pausa para descansar dura mais que o próprio exercício, mas isso não me abala, não me entristece.

Eu estou mentindo pra mim mesmo: É óbvio que estou triste.

Todo começo de ano é a mesma merda de sempre: as pessoas fazem promessas que não podem cumprir e eu não sou tão diferente. Minha dieta mais demorada durou quinze dias e eu ganhei bem mais do que os gramas que perdi nesse período quando desisti e mandei um foda-se para essa droga de contar calorias.

Eu não quero ver comida, quero ver números. É assim que tem que ser. Enquanto o sol brilhar.

Enquanto o Sol brilharOnde histórias criam vida. Descubra agora