Capítulo 5

1.2K 109 11
                                    

Luiz nunca soube dizer quando exatamente se deu conta de que havia se tornado uma dona-de-casa. Depois de posicionar-se em relação à Kazuya com a mãe de Shizuo, decidira se mudar, ao menos temporariamente, para o apartamento dos dois amigos. Sabia que podia gerar uma revolta absurda em Sean, principalmente se considerasse o fato de que havia dado esse passo quando o outro já estava consciente, mas precisava daquele ambiente, do quarto coberto do amor de Nino, pelo filho e por eles.

Era o único lugar, naqueles dias, em que se sentia 100% são.

Com o despertar do amigo, subitamente o grupo teatral virara notícia e, agora, era frequentemente convidado para, ao lado de Marcela e Sandra, falarem sobre a perda sofrida, a recuperação de Sean e os planos deles para o futuro. Eram entrevistas muito limitadas, nenhum deles se sentia forte o suficiente para tocar no assunto em muitos detalhes, mas ao menos podiam novamente sonhar com um futuro juntos.

Enquanto isso, Sean lutava contra os esforços dos médicos. Após exames detalhados, haviam diagnosticado que estava sofrendo da Síndrome Talâmica de Déjerine-Roussy, uma perda do controle muscular na metade do corpo, falta de sensibilidade tátil e também crises dolorosas à beira do insuportável. Embora sem cura, os médicos estavam confiantes que encontrariam uma forma de controle e previam seu retorno ao lar dentro de, no máximo, duas semanas, caso ele cooperasse.

O amigo, porém, parecia decidido a não fazer isso. Se incomodava com o fato de não o deixarem se recuperar no seu tempo, forçando-o a tomar medicamentos, fazer exercícios, repetir exames já feitos e tudo o mais que o impedia de dormir e apagar o acidente de sua mente inquieta. Não que ele confessasse qualquer desses incômodos a qualquer um eles. Mas Luiz podia ler sua dor no olhar irado que lançava aos enfermeiros, no modo como gritava com o pobre fisioterapeuta e principalmente na frieza com que vinha tratando Pascoal.

Se antes o agente perdera o viço na angústia da espera, agora definhava com o desprezo que recebia. Ele nada dizia, sequer protestava às palavras rudes, mas era nítido em suas feições como tudo aquilo o destruía.

Se não estivesse em cima de uma cama, Luiz certamente teria estapeado Lee por isso.

O único momento em que parecia ficar plenamente feliz, era quando entrava em seu quarto com Kazuya nos braços. Apesar da forte oposição da médica, Luiz o levava ao hospital todos os dias, deixando que o amigo o tomasse nos braços, com seu auxílio e brincasse com ele até que o cansaço e a dor não permitissem mais segurá-lo. Nessas horas, normalmente se dizia com sono e cansado, mas o caçula sabia bem que era nesses momentos que se permitia desabar, chorando não apenas pela atual dificuldade, mas pela perda do homem que amava.

E como desejava conversar com Sean a respeito!

No começo, imaginara que se ressentiria de tudo que o outro havia partilhado com Shizuo, mas agora... Se sentia quase desejoso em ouvir suas histórias, saber como haviam trocado o primeiro beijo verdadeiro, como havia sido a primeira vez dos dois, em que momento haviam finalmente decidido trilharem o mesmo rumo. Tinha ânsia de descobrir esse lado que havia sido oculto dele, o lado que havia pertencido somente ao mais velho. Era quase como se, desse modo, pudesse ser parte de sua história também.

Mas o mais velho se recusava a tocar em qualquer assunto que envolvesse o marido. Todas as vezes que seu nome era citado, ele se fechava em uma concha e não permitia que ninguém mais o trouxesse à realidade.

Ansioso por sua recuperação rápida, Luiz passou a visita-lo diariamente. Normalmente, chegava ao hospital pela manhã e tomavam café-da-manhã todos juntos. Com o bebê a seu lado, em uma cadeirinha de alimentação do próprio hospital, Sean se divertia tentando acertar a boca inquieta do pequeno que pulava cheio de energia. Depois, tirava sua roupa e lavava o corpo magro, cuidando para não magoar as pequenas feridas que começavam a nascer em suas costas.

Em suas mãos (Gay Romance)Onde histórias criam vida. Descubra agora