Uma jovem coruja*

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Ela sentiu seus lábios serem pressionados pelos deles, era a primeira vez que alguém a beijava.

Como ele ousava? Quem ele pensava que era? - pensava ela enquanto se preparava para esbofeteá-lo. E assim o fez.

Ele sentiu quando ela se assustou com o beijo, sentiu sua confusão, e logo sentiu, também, o peso de sua raiva através de seu punho fechado. Ela batia forte para uma mulher. E isso o fez rir apesar da dor que sentia.

Ela aproveitou para sair correndo e ele continuou rindo. O som da risada dele ecoava em seus ouvidos e ela se pegou rindo também, assim que percebeu que o fazia ela tirou o sorriso de seu rosto e se manteve séria enquanto procurava mais sons de perseguição, quando viu que nada a perseguia diminuiu os passos e foi caminhando em direção a sua casa.

Aquela noite era noite de lua cheia e ela precisava estar em casa quando a lua estivesse em seu apogeu.

Ela esperou calmamente a hora de sua libertação, era o 21° ano depois do massacre. Tinha acabado de nascer quando seus pais biológicos foram mortos, ela cresceu sendo cuidada por sua tia, que desconhecia sua segunda natureza, seus tios quase não tinha condições para cuidar de uma criança recém-nascida, pois era muito pobre. Mas, mesmo assim, cuidaram dela e ela crescera na pobreza, porém muito amada por seus pais adotivos, que a trataram como uma verdadeira filha.

A morte deles foi um momento triste para ela. Mal tinha descoberto sua segunda natureza quando seu tio morrera de uma parada do coração, um ano depois sua tia se juntou a ele, a tia morreu de tristeza, pois não conseguia viver sem seu amado marido. Desde a morte da tia ela se refugiara naquela cabana escondida na floresta. Faziam sete anos que se refugiara ali, para fugir de todos e de si mesma.

A primeira vez que se notou que se transformava quase tinha morrido de susto, foi numa noite de lua cheia, há sete anos atrás. Ela estava dormindo quando todo seu corpo começou a vibrar, primeiro pensou que estava sonhando quando seu corpo começou a se cobrir de penas enquanto seu tamanho diminuía. E como num sonho tudo é possível, ela não teve medo. Quando estava totalmente transformada ela levantou da cama voou precariamente até a janela, e ficou tentando aprender a voar dentro do quarto.

Acordou no chão. Dolorida. E qual foi sua surpresa ao encontrar algumas penas em seu quarto.

No dia seguinte a mesma coisa aconteceu, mas dessa vez ela estava um pouco temerosa, e meio incrédula então não dormiu.

Quando os tremores em seu corpo começaram, ela se assustou e soltou um grito. Mas em vez de sua voz, o que saiu foi o som apavorante de um piado de coruja. No dia seguinte seu tio foi encontrado morto, era o ano da maldição, ela havia, de alguma forma, trazido a maldição para sua casa.

O curandeiro que atendia a aldeia veio constatar a causa da morte e disse que tinha sido o coração. Mas ela sabia que fora ela a causa da morte do tio. O corpo foi levado a pedido do curandeiro para que pudesse embalsamar e quando retornaram com o corpo havia um corte no peito de seu tio, segundo o curandeiro: feito para certificar a causa da morte. Desde esse dia, toda vez que se transformava ela não dizia uma palavra.

Nunca contou a ninguém o que podia fazer, pois sabia que seria condenada como um demônio em sua forma humana e caçada como uma Coruja maldita em sua segunda forma.

Ela ainda ficou com sua tia consolando-a por mais um ano, sempre sentindo muito e pedindo desculpas a sua tia, apesar da tia não entender o que ela podia ter feito pra causar a morte de seu tio.

Mais algumas corujas foram caçadas naquele ano em que matara o tio, ela ficou imaginando se não seriam também pessoas como ela que estavam sendo caçadas. Mais onze pessoas apareceram mortas naquele ano por causa do grito das corujas.

Ela parou de pensar quando sentiu que começava a mudar. Toda lua cheia era a mesma coisa ela se transformava, todas as noites durante três dias seguidos. A noite que antecedia o apogeu da lua, o apogeu da lua e a noite pós-apogeu da lua eram dias em que ela não conseguia evitar a transformação. Nas outras noites ela conseguia escolher entre se transformar ou não.

Quando enfim os tremores pararam uma coruja branca, com pontinhos marrons nas pontas de suas penas, surgiu entre suas roupas que caíram no chão. Ela deu impulso e saltou voando até a beirada da janela e dali ganhou a liberdade da noite.

Ela era silenciosa e ágil, jamais emitiu nenhum som depois da morte de seu tio, primeiro por que não queria ser responsável pela morte de mais ninguém, e segundo porque não era necessário, já que ela conseguia caçar em silêncio e não tinha porque falar quando estava sozinha.

Sobrevoou a floresta como gostava de fazer. Ao longe ela viu tochas acesas pela floresta, o que estava acontecendo? Ela pensou. E mergulhou em direção à luz bruxuleante do fogo. Quando se aproximou viu que era uma dúzia de aldeões que caçavam algo.

− Deve ter alguma coruja por aqui. - Um homem gritou pra que todos ouvissem.

− Não permitiremos que mais ninguém morra! − Outa pessoa acrescentou.

− Morte as corujas! − gritou uma mulher no grupo e todos deram um grito de apoio.

Então ela se lembrou, aquele ano era um ano de maldição, rapidamente tentou se afastar daquelas pessoas que estavam ali para matá-la, tentou ser silenciosa como sempre, pois saberia que a matariam se a vissem.

Ela sentiu o aperto do medo e virou seu corpo rapidamente na direção contrária torcendo para que não fosse vista, mas alguém a tinha visto e uma flecha cortou o céu em sua direção, ela desviou da primeira e logo uma segunda flecha se aproximou, desviou novamente. Porém, agora que todos notaram sua presença, mais flechas vinham em sua direção. Ela desviou de mais algumas tentando se distanciar o máximo possível e por sorte conseguiu não ser atingida por nenhuma flecha.

Ela despistou os aldeões mergulhando nas arvores e se escondeu numa árvore alta. Ainda ouvia vozes, e via ao longe o clarão do fogo, por isso ficou quieta e escondida, esperando eles irem embora.

Esperou a noite toda que os aldeões sumissem de vista e não se ouvisse mais seus sons. Finalmente eles tinham saído da floresta.

A lua estava começando a ir embora também quando ela alçou voo e seguiu em direção a sua casa. Sempre silenciosa, ela seguia rapidamente para seu lar, avistou-a a alguns metros, uns cinquenta, pra ser mais exata. Já se sentia mais segura e o medo tinha sumido. Finalmente poderia descansar um pouco e esquecer os acontecimentos dessa noite.

Estava se aproximando de casa quando uma flecha a atingiu.

***

Pessoal, espero que tenham gostado. Até o próximo capítulo.

O canto da Coruja  (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora