IX Sala 4 - Parte III †

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Por um momento pude sentir todas as minhas lembranças voltando, flutuando em torno de mim como núvens pesadas de chuva. Passei a sentir tudo pelo que passei a minha vida toda voltando, me emergindo em mim mesma. De fato era terrível passar por tudo isso novamente, sentir repetidas vezes os erros que cometi. O problema maior não era a casa, não era a dor e nem o medo, minha própria mente me empurrava para um abismo, todas as vezes em que esses vultos passavam por mim era um motivo a mais para me entregar e desistir de tudo, sabia que estava errada todas as vezes que dizia saber o que fazia, procurava sempre me esquecer de tudo, mas não havia como, eu sabia. E quando me recordo das minhas lembranças, vejo apenas meus erros e essa é a minha verdadeira maldição.

Não era a casa, não era a minha família. Era sempre eu.

Talvéz estivesse realmente dentro da minha mente, de alguma maneira, perdida em algum lugar de onde deveria conhecer perfeitamente, devia estar sendo literalmente atingida pelos meus medos, lembranças.

Provavelmente estava de olhos fechados, talvéz com uma venda, sentia apenas os vultos de memórias passando por todos os lados. Não sabia onde eu estava, pelo menos não tinha certeza, não fazia idéia de como eu havia chegado ali, mas queria sair, queria que tudo acabasse.

Não sei se meus olhos estavam fechados ou se estava escuro, não estava vendo absolutamente nada, mas sabia que havia algo comigo, algo que, de alguma forma, fazia parte de mim, estava a minha volta, eu podia sentir ventos frios passando pelo meu peito, prestes a me derrubar, mas não havia como me mover, nem se algo exercesse força sobre meu corpo.

De todas as situações que havia passado até agora, essa era a pior, pelo simples fato de eu não ter exatamente nada a fazer, apenas esperar por algo que eu desconhecia, se é que algo aconteceria. Me sentia em algum lugar fora da realidade, ao mesmo tempo dentro dela, onde as leis da física não se aplicavam e o tempo não obedecia o devido passar, onde eu desconhecia até mesmo meu respirar, onde tudo parecia uma grande imensidão de culpa.

Durante seguintes segundos, talvéz horas, passei a ouvir murmúrios, como se alguém estivesse falando algo longe dali. Ainda não podia abrir os olhos ou enchergar na escuridão, seja lá qual fosse a minha situação. Senti uma brisa gélida tocar meu rosto como mãos asperas, cacos de vidro, sentia os cortes causados pelos estilhaços das janelas ardendo com o toque dos sopros de vento frio, ainda sentia o sangue escorrendo quente pela minha pele, sinal de que os ferimentos estavam mais fundos do que eu havia imaginado. Por um segundo pensei que pudesse ter sido tudo um pesadelo, que eu iria acordar e olhar o céu azul pela janela e respirar aliviada, mas logo soube que não.

De uma forma muito desconfortável eu abri os olhos, as pálpebras pesadas abriram e deixaram a luz machucar minha retina, então me vi deitada no chão do corredor, tudo parecia estar exatamente como no momento em que entrei. As janelas estavam inteiras, as paredes estavam largamente separadas, as flores no lugar, mas eu estava apenas a cerca de dois metros da porta. Ao meu lado estava uma bolsa marrom com um pequeno urso bordado com linha cor de rosa e azul, a mesma bolsa que eu tinha quando era criança, ela era única, minha avó havia costurado e bordado à mão, eu a ganhei de presente muito tempo atráz, mas não sabia onde ela estava agora. Dentro dela haviam objetos aleatórios, que logo percebi serem os que estavam presentes na lista, provavelmente os que eu não sabia quais eram também estavam ali. Na parte de fora da bolsa havia um papel anexado nela por um grampo dourado com flores prateadas coladas na ponta, nele estava escrito:

"Não importa o que você faça, não haverá uma salvação no fim de tudo isso. Se é que irá ter fim..."

Precisava ter um fim, e eu iria encontra-lo. Mesmo tendo todos os motivos pra desistir, mesmo sabendo que as chances eram pequenas, eu iria prosseguir.

Coloquei o papel no bolso do casaco, os objetos com a bolsa na gaveta e me aproximei da porta. Estiquei o braço direito até a maçaneta dourada da porta que me separava do meu próximo passo para a insanidade, quase que automaticamente olhei para tráz e vi, ao longe, a garota e o homem, lado a lado, ela segurava a mão dele e ambos ainda estavam com os ferimentos feitos durante o decorrer da sala. Antes de abrir a porta pude, de algum jeito, ouvi-la sussurrando:

Sempre haverá alguém atráz de você...

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⏰ Última atualização: Nov 12, 2015 ⏰

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