Querido diário,
"Eu não vou desistir de você, espero que esteja bem." Foi isso que eu recebi no meu celular depois de umas mil ligações do Michael que eu não atendi. Não fui pra escola hoje, minha mãe também não insistiu, eu estava cansada, assustada, e não queria ver Michael de novo, por mais que algo dentro de mim ansiasse por isso eu sabia que se o visse de novo ele faria perguntas que eu não podia responder. Sem contar que, meu pai chegou bêbado novamente em casa, eu fui parar no hospital porque tentei ajudar minha mãe, não foi nada muito sério, só meu pulso que fraturou, estou com o braço engessado. Vou dizer a todo mundo que perguntar que caí da escada, foi o que mamãe pediu pra dizer. Meu pai está dormindo agora, mamãe está muito machucada, mas ela disse no hospital que também caiu da escada tentando me segurar. Eu sei que os médicos não acreditaram nela, acho que nem ela mesma acredita mais nas mentiras que conta. Tem horas que fecho os olhos e penso que é só um pesadelo, que eu vou acordar e tudo vai estar bem, que Michael vai estar lá comigo e a vida não vai ser tão escura e dolorosa, não vai mais machucar. Mas Michael não gosta de mim dessa forma, mesmo que ele mostre que sim, acho que só está curioso, porque eu não dou em cima dele como todas as meninas, ou porque não ando por aí com saias curtas e salto alto, não é porque eu não goste, é pra não mostrar os hematomas, acho que havia esquecido disso quando disse que ia pensar em ir com ele para o baile... eu não posso ir, como vou colocar um vestido com essas marcas pelo corpo? Abri as mensagens e passei os olhos por todas as mensagens que Michael me mandou, eu já as li umas mil vezes, mas não me cansava delas, mesmo que as tivesse decorado gostava de ver o número dele aparecendo na tela e, quando relia, imaginava a voz dele me dizendo aquelas palavras.
"Por que está me evitando? Do que você está com medo, Ellen?" "Por favor, fala comigo, eu estou aflito para saber como você está! Aconteceu alguma coisa?" "Ellen, eu não vou te machucar, confie em mim." "Eu não vou desistir de você, espero que esteja bem." Lágrimas escorrem pelo meu rosto enquanto transcrevo do meu celular pra você, diário, fico me perguntando por que ele gostaria de mim como parece gostar? Não faz sentido, eu sou só a nerd feia, o que ele teria pra ver em uma covarde como eu, que sequer consegue se defender do pai? Que mente dizendo que caiu da escada pra ajudar a mãe a apanhar mais? Eu sou uma inútil, não mereço o Michael, ele é demais pra mim. Não quis comer nada o dia todo, minha mãe insistiu para que eu comesse algo para não ficar só com os remédios pra dor no estômago, mas eu não quis, não tenho fome, só quero ficar sozinha e chorar, a única coisa que ainda não tiraram de mim foi a dor e as lágrimas, são as únicas coisas que ainda chamo de minhas.
Ellen
***
Querido diário,
Voltar pra escola pareceu um daqueles sonhos ruins, sabe? Daqueles que você não consegue acordar. Assim que desci do ônibus dei de cara com Michael, ele parecia estar me esperando há um tempo já, caminhou determinado na minha direção e não deu tempo nem de que eu tentasse desviar ou respirar. Mas, quando chegou mais perto, notei seu semblante antes rígido e angustiado, acalmar-se um pouco embora ainda totalmente dominado pela preocupação. "O que houve com você?" Perguntou antes mesmo do bom dia. "Caí da escada." Menti, ele ergueu a sobrancelha me analisando por um momento e eu percebi que ele não havia acreditado. Por que? Por que ele faz isso? Por que se importa comigo? O que ele quer? No início ele não disse nada, mas depois, com a voz mais calma do mundo, pediu que eu o encontrasse no pátio dos fundos da escola na hora do almoço, prometi que iria. Confesso que senti uma coisa intensa ao vê-lo novamente, como se eu tivesse esquecido o quanto ele é lindo, meu coração acelerou de um jeito que pensei que fosse arrebentar meu peito e cair nas mãos dele, mesmo sabendo que isso é cientificamente impossível.
Passei os dois tempos de inglês avançado com a mente distante, apenas divagando comigo mesma a cerca de tudo aquilo, daquele conto de fadas inverso que eu estava quase vivendo. O professor falava ainda de folhas de relva tentando fazer com que os alunos entendessem o que não estava escrito em Canção de Mim mesmo, meu poema favorito, mas que naquele momento não fazia sentido algum. Eu não sabia mais quem eu era. Nesse meio tempo fiquei sabendo que Vanessa foi expulsa e Drake e Josh detidos por agressão, mas que eu precisava ir prestar queixa senão os dois seriam soltos, as amigas de Vanessa sofreram punições mais leves como a detenção depois da aula. Nos dois tempos tive matemática e ele estava lá, mesmo que eu tentasse me concentrar nas intermináveis equações, sentia seu olhar fixo sobre mim, como se conseguisse ver minha alma ou cada hematoma do meu corpo, como se ele já soubesse cada segredo que eu tentava manter a sete chaves. Foi uma aula longa, a mais longa que eu já tive até então, tentei não olhar pra ele, prestar atenção nas explicações para solução daqueles cálculos complexos, vencer os logaritmos, as equações exponenciais, os números imaginários, mas em todas elas o olhar dele estava presente, como se me cobrisse. Quando o sinal do intervalo para o almoço tocou eu senti meu corpo inteiro congelar, meu estômago comprimiu-se e todos foram saindo da sala, mas Michael permaneceu imóvel até só ficarmos nós dois ali. Foi então que ele se levantou e veio até mim. "Vamos?" Ele disse, eu o olhei por um instante, havia carinho em seus olhos, um carinho com o qual ninguém nunca me olhou antes, uma coisa diferente que eu não saberia te explicar com palavras, mas que fez todas as minhas advertências desaparecerem. Assenti e caminhamos até o corredor, seguindo para o andar de baixo e o pátio de trás. Aquele lugar não era frequentado, por isso eu almoçava ou me escondia lá, assim como o telhado e a parte de baixo das arquibancadas, era como se não existisse para mais ninguém ali além de mim.
Paramos de frente um para o outro, nos olhamos pelo que pareceu um tempo interminável antes que um de nós começasse finalmente a falar. Foi ele. "O que está acontecendo com você, Ellen? Me diz a verdade." Eu não soube o que responder na hora, fiquei calada, a respiração agitada, até que ele se aproximou de mim e, gentilmente, segurou meu pulso que não estava engessado, tentei me afastar, mas ele me manteve firme e ergueu, com cuidado, a manga do meu suéter, revelando os hematomas das surras recentes e antigas. "Sua mãe também tem, não é?" Era quase uma afirmação e não uma pergunta. "Você não caiu da escada, não foi?" Continuei calada, uma vontade de chorar atravessou o meu peito, fez um nó apertar na minha garganta, abaixei a cabeça, ele suspirou, soltando meu braço e erguendo meu rosto gentilmente. "Não baixe a cabeça, Ellen. Não abaixe a cabeça nunca." Seus dedos percorreram meu rosto com cuidado, como se estivessem traçando meus contornos, senti um frio intenso na espinha, minhas pernas ameaçavam me abandonar, os olhos foram saindo de foco, eu tremia, mas tudo isso era de um jeito bom... calmo, como se o mundo estivesse retribuindo toda dor que eu já senti. "Você não entende, não é?" Sua voz era como uma melodia, calmante e delicada, aveludada, de nuances sutis, sensual de uma maneira que eu desconhecia. "Eu não estou aqui porque quero te pregar uma peça, eu nunca machucaria você ou te acharia estranha só por você ser retraída. Eu não acho você invisível e deveria ter dito isso desde o início... desde a primeira vez que eu te vi, me perdoe se eu fui covarde demais pra isso. Mas agora que eu finalmente te conheço eu sei o quanto você é incrível, Ellen, e eu quero mais que qualquer coisa no mundo ficar com você. Eu estou apaixonado por você."
Você talvez me ache louca, diário, mas nesse momento eu comecei a chorar como uma criança, foi uma dor tão intensa e, ao mesmo tempo, uma alegria tão grande que eu me belisquei para ter certeza que não estava sonhando, ele estava mesmo me dizendo aquelas coisas, assim, com tanta firmeza e sinceridade, eu não podia acreditar. Foi quando ele me beijou, de surpresa. Eu queria poder te explicar como é um beijo, mas é a primeira vez que eu tenho essa sensação, no início foi muito estranho, mas também foi bom, a sensação quente dos lábios dele tocando os meus, eu não sabia o que fazer além de imitar os movimentos dele, e ele me abraçou, com cuidado, como quem toca uma peça preciosa e frágil, e chorou comigo, porque era como se a minha dor também fosse dele. Os minutos passaram em câmera lenta, pedi a Michael que me tirasse dali e fomos para o parque, nenhum dos dois disse nada durante o percurso, quando nos sentamos em um dos bancos eu o olhei, os olhos castanhos, a pele amorenada, os cabelos de um castanho escuro quase preto, liso, caindo sobre a testa. A jaqueta do time de futebol, os lábios sensuais que formavam um sorriso bobo quando me olhava, o rosto levemente afinado, mas tão belo como uma pintura. Naquele momento, eu me senti tão segura, tão cansada, e tão feliz que mal podia me conter, contei a ele sobre meu pai, sobre a minha vida, o bullying na escola, sobre como eu me sentia sozinha e com medo de tudo, o modo como eu tentava sempre dar o melhor de mim nos estudos para conseguir uma faculdade longe dali, onde eu pudesse viver em paz... e em como eu não poderia acompanha-lo no baile porque era impossível usar um vestido com tantos hematomas pelo corpo.
Eu me senti bem, diário... fiquei tão leve, pode ser loucura, uma piada da vida ou de quem quer que seja, mas escolhi acreditar em Michael, acreditar nesse sonho que a vida me deu. Pode parecer meio absurdo a nerd e o popular, mas ainda assim eu quero tentar, estou apaixonada por ele há muito tempo, quero pelo menos um pouco sentir que alguém no mundo sente a mesma coisa por mim, que eu não preciso carregar tudo sozinha. Apesar de ter chegado em casa e encontrado meu pai bêbado mais uma vez, nada foi capaz de destruir essa alegria morna que está crescendo dentro de mim, ou mesmo a magia do momento que os lábios de Michael encontraram os meus de novo e de novo, me ensinando que amor não é algo tão abstrato assim, a gente pode tornar concreto em gestos como aquele e é algo único, especial...
Ellen.
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Dear Diary
ContoEles estudam na mesma escola, mas nunca se falaram. Ela acha que é invisível, ele queria ser invisível. Ela acha que ele nunca a olharia. Ele acha que ela o acha um idiota. Ela era a garota mais inteligente da escola, ele o capitão do time de futebo...