Capítulo 10 - Pequenos Passos

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Querido diário,

Se eu pudesse descrever a felicidade que eu estou sentindo agora provavelmente até você, em suas folhas brancas, seria capaz de sentir. Eu a beijei, não acredito ainda, mas eu a beijei e ela não me empurrou, não fugiu de mim, mas me beijou de volta, me mostrou sem palavras que também estava apaixonada por mim e nada será capaz de superar isso. Em contrapartida, descobri a verdade por trás do seu jeito retraído... e estou preocupado, preciso fazer alguma coisa, quero fazer alguma coisa. Por isso, eu chorei com ela, porque aquela dor também era minha, eu podia sentir cada hematoma daquela pele frágil impresso na minha própria pele, cada dor daquele coração machucado ardendo no meu coração; chorei pelas incertezas dela que, tão rapidamente, se tornaram minhas incertezas, chorei por me sentir impotente, pequeno, chorei porque a pessoa que eu amo está machucada e talvez eu seja incapaz de apagar essa dor, embora vá passar a vida tentando atenuá-la. Parado ali, abraçado a ela, eu tinha a vida nos meus braços, uma vida frágil e ao mesmo tempo tão forte que eu daria a minha vida para proteger.

— Me tira daqui... — Soluçou ela.

Quando eu beijei sua cabeça e conduzi-a para o meu carro, eu queria tirá-la não apenas da escola, mas de todo aquele mundo sombrio no qual ela vivia. Pela primeira vez, senti que ela realmente se abriu comigo, me colocou inteiro na sua vida, compartilhou comigo cada dor do seu coração, cada pedaço de sofrimento que aqueles hematomas significavam, cada "queda de escada" e "escorregão de banheiro" que ela mentiu, cada grito que ela tentou não ouvir enquanto ficava trancada no quarto sentindo-se fraca e impotente para proteger quem a estava protegendo. Deixei que ela falasse, deixei que ela colocasse pra fora tudo que estava preso pesando dentro dela, e desejei poder tirar tudo aquilo dela e pegar pra mim, porque eu queria ser mais forte, eu aguentaria qualquer coisa para não vê-la passar por isso. Tudo depois daquele momento parecia tão insignificante, que quando ela me disse que não podia ir ao baile comigo eu percebi que havia me esquecido da escola, das aulas que perdi e até mesmo dos problemas que eu mesmo tinha em casa ou mesmo do que meu pai ia dizer quando descobrisse que eu perdi o treino outra vez.

— Não me importo se não formos ao baile, desde que você saia comigo. — Propus.

— Por quê? — Ela me lançou um olhar confuso. Não consegui não rir.

— Por quê? Eu acabei de dizer que estou apaixonado por você e você me pergunta por que eu quero sair com você?

Rimos juntos, por um momento o mundo pareceu perfeito mesmo com todas aquelas imperfeições, e então eu a beijei de novo e de novo, e ela me abraçou, diário, pareceu que o cenário à minha volta tornou-se cor e luz. Eu finalmente havia encontrado uma razão para lutar, pois agora eu tinha alguém que queria proteger, estar apaixonado é uma sensação morna, como se cobrir no inverno e ficar olhando a neve cair com uma xícara fumegante de chocolate quente nas mãos, naquele momento eu sabia que tinha tudo que precisava. Quando cheguei em casa, meu pai me abordou e tivemos uma longa discussão sobre minha conduta nos treinos, descobri que o treinador havia ligado para perguntar se eu estava bem e a primeira coisa que meu pai quis saber era onde eu estava, eu o olhei por um longo tempo pensando em tudo que Ellen passava em casa, aquela expressão irritada do meu pai não me assustava como a do pai dela devia assustá-la. Só disse a ele que era coisa minha, dei boa noite e deixei que ele gritasse com a porta, pela primeira vez em muito tempo, me senti bem com isso.

Michael.

***

Querido diário,

Já faz duas semanas desde que Ellen e eu finalmente acertamos as coisas, ainda não estamos oficialmente namorando, mas pretendo pedir em breve. Eu ainda não consegui pensar em nada para fazer com relação ao pai dela, mas consegui achar algo especial. Eu realmente não entendo nada de vestidos (e acho que seria estranho se entendesse!), mas acabei passando por uma loja feminina no shopping quando saía da livraria onde havia comprado um presente para Ellen, e vi exposto um vestido verde alguma coisa (sério, eu sou incapaz de diferenciar um verde de outro, pra mim, é tudo verde!), ele tinha as mangas compridas e meio abertas nos punhos, era comprido e não muito justo, o decote era quadrado e tinha umas pedrarias, imaginei Ellen dentro dele, nenhum hematoma à vista, os cabelos presos e aqueles olhos azuis me olhando com doçura. Quando dei por mim estava com uma sacola de roupa feminina nas mãos, eu não sou o tipo que liga para o que os outros pensam, mas naquele momento torci para ninguém achar que eu era um travesti. Mandei tudo para casa dela com um cartão, espero que ela tenha recebido, só vou saber amanhã.

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