Querido Diário,
Recuperar as notas dos testes não foi nada fácil, passamos muito tempo estudando juntos ainda no hospital, por causa da minha condição física e das condições psicológicas de Ellen, a escola nos concedeu um parêntese. Acho até que facilitaram as coisas pra gente, mas ainda assim, nos esforçamos muito, Ellen me ajudou bastante, principalmente nas matérias que eu tinha mais dificuldade, era tão bom ter ela por perto, ouvir sua voz, sentir o cheiro do seu perfume, ver como ela sorria sem jeito quando percebia que eu estava olhando... me sinto um tolo apaixonado.
Recebi alta há dois meses já, passamos no vestibular da faculdade que combinamos, estou animado com isso, vamos fazer as matrículas daqui a duas semanas, sempre que penso que não vamos precisar ficar longe um do outro sou invadido por uma felicidade terna, tão grande que eu sinto que não cabe dentro de mim, decidi cursar direito, Ellen vai fazer bioquímica, ela realmente gosta disso, estou tão orgulhoso dela. Quando saí do hospital ela me visitava todos os dias em casa, meus pais se acostumaram a presença dela e eu me senti feliz por isso, fomos nos adaptando aos defeitos um do outro, as manias e fazíamos com que cada um deles fosse divertido, pois sabemos que é isso que nos torna especial. E eu amo a Ellen, a sua mania de querer fazer toda e qualquer experiência que a faça entender como as coisas funcionam, que lê os rótulos de todos os líquidos que bebe e faz a estruturação dos compostos, que é totalmente apaixonada por hidrocarbonetos — já disse a ela pra não me deixar com ciúmes —, que ouve música enquanto lê e, às vezes, tem que reler o parágrafo porque parou para cantar sua parte favorita. Que dorme em cima do caderno de anotações e tem o péssimo hábito de deixar as coisas espalhadas por todo lugar; e cada uma dessas coisas só me faz amá-la ainda mais.
Em contrapartida ela atura minha mania de deixar a toalha molhada em cima da cama, de não abaixar a tampa do vaso depois de usar, de ficar totalmente desatento quando ela está tentando me explicar reações, porque eu fico bobo com o quanto ela é linda e inteligente, de trocar de música bem quando chega o refrão que ela gosta só pra ver ela com raiva — porque fica uma gracinha —, o jeito que eu fico chato quando estou lendo mangá e ela quer conversar sobre a reação do detergente com o óleo, mas que acaba me fazendo rir por ver seu entusiasmo com uma coisa tão boba. A mania que eu tenho de ser teimoso mesmo quando estou errado, e sei que, assim como eu, ela também consegue amar cada um desses defeitos. As coisas com meus pais também melhoraram muito, minha mãe tem dosado bem o trabalho e agora passa mais tempo em casa, tenho visto como isso tem sido positivo em Charlie e também para o meu pai — sinceramente, acho que o mau humor dele era falta de sexo, fico feliz de saber que ele não ficava transando por aí como eu pensava —, sempre que olho pra Ellen e me lembro disso, eu a agradeço novamente por ter mudado a minha vida, tornado tudo melhor. Ela sempre diz que não fez nada e que é ela que tem que me agradecer, mas antes que ela termine a frase eu a beijo e digo com gestos o que as palavras são incapazes de traduzir.
Eu a acompanhei no dia do julgamento do pai, não foi fácil pra ela, por um momento temi que ela ficasse em choque de novo, mas não, ela se saiu muito bem e, novamente, eu fiquei muito orgulhoso. Também depus, e por um lado foi muito bom poder sentir na pele a sensação de estar em um julgamento, mesmo que como vítima, foi quando eu percebi que era o que eu queria fazer, levar justiça a pessoas como a mulher que eu amava, não permitir que ninguém, nunca mais, a machucasse de novo. Eu sabia que não seria fácil, mas eu me dedicaria com tudo que eu pudesse. O pai de Ellen foi condenado a 20 anos por tentativa de homicídio, mais 15 por maus tratos à esposa e 25 por maus tratos a menor (porque Ellen ainda não tinha 18 anos), totalizando 60 anos de prisão em regime fechado, o advogado dele disse que contestaria a sentença, mas pelas marcas no corpo de Ellen e da mãe dela e pelo estado que a polícia me encontrou eu achava pouco provável que ele conseguisse alguma coisa, e estava feliz em saber disso, dessa forma, Ellen e a mãe poderiam viver em paz e sem medo de serem perseguidas ou ameaçadas.
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Dear Diary
Short StoryEles estudam na mesma escola, mas nunca se falaram. Ela acha que é invisível, ele queria ser invisível. Ela acha que ele nunca a olharia. Ele acha que ela o acha um idiota. Ela era a garota mais inteligente da escola, ele o capitão do time de futebo...