Capítulo 12 - Até o Último Adeus

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(Ellen)

Querido diário,

A operação de Michael durou três horas, até então eu fiquei lá no hospital, inerte, como se estivesse revivendo um pesadelo diante de mim. Vi quando os pais dele chegaram, ele parecia com a mãe, ela era uma mulher de feições delicadas, tinha a mesma pele amorenada e os cabelos castanhos bem escuros, era de estatura mediana, a altura de Michael viera do pai, um homem de rosto duro e implacável, alto e forte com um corte de cabelo que atenuava o rosto de formato quadrado e rígido. Eu tinha consciência que eles estavam ali, eu os vi, mas era como se eles fizessem parte de uma realidade paralela, eu estava incapaz de me mover, de falar com qualquer pessoa, a mãe dele sentou ao meu lado e tentou me perguntar como aquilo aconteceu, não sei como ela sabia que eu estava esperando por ele, talvez fosse meu vestido sujo de sangue, mas eu não ouvi o que ela disse, a voz dela ecoava tão longe... parecia tão irreal. Ouvi soluços, era ela que chorava ou era eu? Acho que as duas. Naquele momento tudo parecia muito surreal. O médico avisou que Michael ficaria na UTI em observação, visitas não eram permitidas, nem mesmo dos pais. Tenho a vaga lembrança de que minha mãe voltou para o hospital, ela me disse algo que não ouvi, na minha mente ecoava as palavras do médico "O paciente ficará na UTI, em observação, para ver como reage a cirurgia." O grito de Michael chamando meu nome, o sangue... era como um pesadelo se repetindo várias e várias vezes.

O que aconteceu depois eu não me lembro. Acordei algumas horas depois em um leito de hospital, minha mãe estava ao meu lado e disse que eu entrei em estado de choque e fiquei apática, tentaram falar comigo, mas eu não respondia, a psicóloga do hospital veio falar comigo depois disso, perguntou como eu me sentia, será que não era óbvio? Tudo que consegui dizer com a minha voz falha foi Michael. Ela me disse que ele ficaria bem, que eu precisava me manter firme, mas como você consegue se manter firme quando a sua vida está lutando pra respirar? O ar que faltava nele me faltava também. Lembro que eu chorei, muito, muito mesmo ao ponto de soluçar e ficar sem ar, porque quando eu choro muito eu não respiro direito, a mulher me falou que era bom, que eu colocasse pra fora o que sentia, contei o que se passava na minha cabeça, não conscientemente, mas as palavras saíam atropeladas, o rosto do meu pai, o grito de Michael, a minha mãe machucada no chão, o sangue... tanto sangue... E então eles me sedaram de novo e eu dormi.

Já é noite, eu acordei há uma meia hora. Minha mãe está sentada em uma cadeira dormindo, tem tantos curativos nela que parece que foi atropelada por um caminhão, mas eu não conseguia ter compaixão por ela, pela primeira vez eu não senti tristeza ou me compadeci dela, tudo que consegui sentir foi raiva. Talvez seja uma coisa errada, talvez eu só esteja procurando alguém a quem culpar, mas não consigo evitar, eu sinto tanta raiva e desespero dentro de mim que tenho vontade de gritar, é como se a dor não passasse nunca. Eu ainda estou com o vestido ensanguentado, há quanto tempo será que eu não vou pra casa? Não consigo me lembrar. Sinto como se estivesse morrendo, diário, como se tudo à minha volta estivesse em chamas, queimando minha pele, ardendo, e eu não tenho como escapar.

Ellen.

***

Querido Diário,

Michael ainda não acordou. Já faz três dias. O médico disse que ele está respondendo bem à cirurgia, mas então por que não acorda? Minha mãe me levou pra casa depois de muita resistência, a psicóloga continua conversando comigo, não sei o que ela quer, eu não quero falar com ninguém.

Hoje eu tive que ir à delegacia prestar testemunho contra meu pai. Eu não conseguia explicar direito o que havia acontecido, eu só lembro que entrei em casa quando ouvi minha mãe gritar e a vi caída no chão muito machucada, meu pai segurava um taco de basebol, eu não vi de onde saiu a faca, não vi como Michael, de repente, entrou na minha frente, quando dei por mim ele estava caído sobre mim, sangrando. Foi isso que eu disse à polícia, eles me liberaram, mas antes perguntaram se eu queria ver o meu pai. Respondi que não.

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