Acordo com leves cutucões na minha bochecha esquerda. É Gaut quem está me acordando do mesmo jeito que acorda seu gato turista, Bollerie.
Irei para casa daqui duas horas.
Esse é meu horário de visitas.
Me sinto tão bem por ver DG ao meu lado quando mais preciso de alguém que eu realmente goste comigo. Ele sorri carinhosamente, como dificilmente faz. Aquele rosto de criança, óculos que escorregam e cabelo rebelde me fazem querer abraçá-lo e nunca mais soltar. Gaut traz sua mão esquerda até a minha mão mais próxima. Seu sorriso se desfaz tão rápido quanto apareceu.
Ah não.
-Cece, eu... bem, eu - ele engasga e me olha como se eu fosse um filhote abandonado, o que deixa meu coração apertado. - Eu joguei seus remédios fora.
Fico alguns segundos (ou horas) apenas encarando seus profundos olhos cinza até que recupero o fôlego. A única coisa que consigo dizer é um simples "Remédios?"
-Sim, eu encontrei sua caixa no quarto. Antes que pergunte, eu entrei no seu quarto e mexi em algumas coisas.
Eu devo estar com uma expressão horrível pois ele apenas aperta mais minha mão e conclui sua fala:
-Cecil, você ficou um mês desacordada, dessa vez sua crise foi muito forte. Como o médico disse, esse tipo de coisa não acontece com quem tem seu "problema", pelo menos não com a frequência que você tem. Deline estava querendo invadir seu quarto e fazer uma busca por drogas, por isso preferi eu mesmo dar uma olhada. Juro que só procurei o que precisava e, bem, encontrei sua caixa de remédios.
É como se a cama tivesse sumido do quarto. O chão, os andares, a terra, a matéria.
Ele encontrou minha caixa.
Eu não posso acreditar.
-A tia Deline queria internar você depois da descoberta. Eu insisti para que não e disse que ia tentar conseguir fazer com que você não precisasse mais de remédios e ficasse boa para nós em casa.
Seu tom é doce e protetor, algo que raramente encontro nele. Algo em seu apelo me faz querer ceder, mudar por meu irmão. Mas então, como há anjos e há demônios, outro pensamento toma minha mente: não posso viver sem meus remédios.
Eles foram minha fuga por tanto tempo. Como reagir diante disso? Como eles vão me impedir de comprar mais?
Eu não quero parar de tomá-los.
Sei que devo pois assim posso finalmente tentar começar a fazer minha vida dar certo.
Retorno ao quarto.
Gaut continua olhando com preocupação para mim.
Gaut, meu amado irmão. Frio, calculista e isolado.
Gaut, demonstrando alguma emoção. Isso é praticamente inédito para mim.
Então, como se ele pudesse ler meus pensamentos, diz "Eu não sou tão frio quanto pareço, você é minha irmã, deveria saber. Ah Cecil, eu amo você."
Gaut, dizendo que me ama.
"Desculpe por não dizer isso frequentemente, você sempre me diz."
"Gaut..."
Irrompo em lágrimas.
Agora sinto um tênue desespero. Ele pode estar dizendo isso porque eu estou morrendo.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Prelúdio
RomanceCecil é uma garota diferente e definitivamente fora dos padrões. A vida que leva não é nada fácil: desde que sua mãe desapareceu, ela e Gautier, seu irmão, vivem sob a tutela de uma tia extremamente vaidosa que faz da vida de Cecil um verdadeiro inf...