Estávamos voltando para cidade e eu ainda não fazia a menor ideia de qual era o plano que estaria se passando na mente da garota ao meu lado.
Imaginei que existisse algum objetivo por trás da estranha cena no lixão. E as palavras ditas por ela continuavam a me incomodar.
- Eu não sou tão ruim assim – ela esclareceu, quebrando o silêncio. – Só acho que a punição deve ser no mesmo nível da falha cometida.
- E foi para isso que você me convidou? Vamos sair por aí punindo pessoas levadas?
Ela riu.
- Até que não seria uma má ideia. Quem sabe em outro dia.
O céu estava laranja-amarelado, e as luzes da cidade já estavam acesas quando retornamos à zona urbana. O medo continuava a circular meus pensamentos, pois se Guilherme vinha de fato de uma família rica e poderosa, o que daria à Bianca a certeza de que depois desse dia assassinos contratados não viriam atrás de nós? A tal lição que ela pretendia dar teria que ser muito eficiente.
O Fiesta seguiu por uma das principais avenidas da cidade, rumo ao litoral. A via costeira da área metropolitana, mesmo que ficasse um pouco distante de tudo, era linda à noite. Ali, a costa era ocupada por condomínios, prédios de luxo, pousadas e hotéis.
Porém, algo me dizia que a gente não iria se hospedar em canto algum. Eu percebi que estava certo quando o carro dobrou em uma rua muito antes da praia. Bianca estava nos guiando para "a área proibida". Edu já tinha me falado que foi fazer um show por ali uma vez e não se sentiu bem. A região era entupida por casas de jogo, boates, motéis, e lá também era o local ideal para se encontrar garotas de programa.
As ruas não eram nada convidativas; havia pouca iluminação, como se tivesse algo a ser escondido. Comecei a ficar preocupado de verdade quando as prostitutas surgiram nas calçadas.
- Hum... Você se perdeu? – eu perguntei, na esperança de escutar um "sim".
- Não. É exatamente aqui que precisamos estar.
Entramos em uma pequena rua que era quase toda iluminada pela fachada de uma espécie de casa de show. O letreiro colorido e ofuscante em cima da entrada dizia "Cantinho do Amor Alucinante". Algumas mulheres de roupas curtas estavam na frente do lugar, como se fossem recepcionistas.
Bianca estacionou do outro lado da rua.
- Por que paramos aqui?
- Porque ali você vai encontrar sua segunda tarefa – ela respondeu, apontando para o Cantinho do Amor Alucinante.
Eu comecei a rir.
- Tenho que admitir que você tem seus momentos de humor.
- Não entendi qual foi a graça.
Bianca estava séria. E eu parei de sorrir.
- Você só pode estar de brincadeira... Quer mesmo que eu entre ali?
- Sim – ela confirmou. – Mas não se prenda com as ilusões de ótica que você poderá encontrar. Essa casa de show é uma espécie de quartel-general para dançarinas e prostitutas. Lá dentro é onde elas executam suas funções, se é que você me entende. Sua missão é entrar lá e procurar por uma dançarina chamada Samantha.
- Não me diga – eu retruquei. – E o que supostamente eu devo dizer a essa tal de Samantha?
- Diga que sua namorada quer convidá-la a fazer parte de uma orgia a três.
Eu mal acreditei no que tinha acabado de ouvir. Diante de algo tão absurdo e surreal, eu só tive uma pergunta a fazer:
- Você é esclerosada?
Bianca levantou uma das sobrancelhas.
- Você é retardado?
- Eu não posso simplesmente entrar lá e dizer uma coisa dessas! – protestei.
- Por que não? Elas devem estar acostumadas a ouvir coisas muito piores.
- Mas... Qual é a finalidade disso?
- Sua redenção – respondeu Bianca, com convicção. – Seu caminho para liberdade. Não espero que entenda agora.
Fiquei parado por algum tempo, sentindo as batidas do coração querendo quebrar a caixa torácica. Eu tinha me tornado um brinquedo de Bianca; ela estava me fazendo de fantoche. Dava a ordem, e eu obedecia. Tive vontade de dizer que o encontro acabaria ali, só que eu também não podia ser tão estúpido; eu não gostaria de ser abandonado naquela região. E outra: dei a minha palavra de que ficaria ao lado dela até o dia seguinte.
Não queria ser um covarde. Já bastava ser a decepção da família, agora teria que desapontá-la também? Se Edu soubesse que aquilo seria por uma boa causa, certamente me encorajaria e eu já estaria conversando com a bendita Samantha.
- O tempo está passando, Joaquim – ela me trouxe de volta à realidade. – Lembre-se de que ainda temos um assunto incompleto dentro da mala.
Ela tinha razão. Saí do carro e me senti um pouco tonto. Aquela região não transmitia uma sensação muito boa e o cheiro do ambiente não colaborou em nada. O coração palpitava ferozmente, e suspeitei que ele fosse subir pela garganta. Caminhei até o outro lado da rua e a visão ficou turva. Senti um iceberg se formando no interior do meu estômago.
Com certeza eu não teria sucesso nessa missão.
Uma das mulheres que estavam na entrada me viu e se aproximou de mim.
- Posso lhe ajudar, querido?
Sua voz era esquisita. Uma voz meio fanha.
E então percebi que não era uma mulher.
- Preciso falar com Sa...
As sílabas não queriam sair. Tive que me apoiar em um poste, pois a náusea aumentou.
- Falar com Sa... – tentei dizer.
- Sa... Sabrina?
- Não...
- Safira?
- Não...
- Salamandra?
Antes que eu pudesse responder, vomitei o meu almoço na calçada. O mundo girou e eu desmaiei nos braços de uma travesti.
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Herói Torto
RomanceSinopse: Bianca Ramirez é uma doida varrida. Todo o mundo sabe disso. O problema é que o jovem Joaquim Toledo cruza o caminho da garota e, movido pela curiosidade, aceita o convite de se encontrar com a maluca no Dia dos Namorados. Como se sua vida...