Os curadores da tristeza

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- Quem é? – perguntou uma voz no interfone.

- Boa noite, Joyce. Sou eu, Bianca.

A porta de entrada abriu pouco tempo depois, e uma mulher morena surgiu com um largo sorriso no rosto. Reparei que ela tinha um estetoscópio pendurado no pescoço.

- Bianca! – ela exclamou. – A que devo a honra?

- Trouxe pequenas ofertas para as crianças. Espero que não seja uma péssima hora.

Os olhos da mulher brilharam de felicidade.

- Que maravilha! Todas as horas são boas para receber ofertas! E esses são seus amigos?

- Sim. Estavam curiosos para conhecer o abrigo.

- Ah, que bom! Maravilhoso!

Eu não queria estragar a alegria da mulher dizendo a verdade, então preferi ficar calado.

Ela nos conduziu por um corredor que terminava em um pátio.

- Estamos na hora do jantar. Mas irei chamar as crianças daqui a pouco.

- Joyce, seria muito incômodo se eu pudesse utilizar os materiais cênicos agora? – perguntou Bianca. – É que de fato hoje é um dia especial.

- Claro que não, querida! – o entusiasmo da mulher era algo fora do normal. Ela se daria bem com o meu professor de Educação Física. – Mal posso esperar para ver mais uma de suas apresentações!

Joyce atravessou uma porta e pelo cheiro que vinha de lá, suspeitei que fosse a cozinha.

- Muito bem, temos que ser rápidos – disse Bianca, e eu observei um brilho divertido em seu olhar. – Joaquim, você vai organizar as compras. Eu e Guilherme seremos os atores de hoje.

- Oi? – indagou Guilherme.

- É só fazer tudo o que eu disser – acalmou a garota. – Vai ser moleza.

Ela levou Guilherme até uma sala na outra extremidade do pátio. Enquanto eu esperava, tive tempo de notar um jardim com um grande pé de manga e bancos similares aos de uma praça. Além disso, havia um corredor com várias portas e algo me disse que eram dormitórios. Nas paredes do pátio tinham murais com fotografias de várias crianças, as quais em sua maioria eram carecas.

Um calafrio subiu pela espinha. De repente me senti de volta ao hospital onde minha mãe estava inconsciente, cercada pelo cheiro moribundo da morte.

A porta da cozinha abriu. E parecia que uma mão apertava meu coração.

Algumas crianças saíram; grande parte já estava de pijama, embora ainda fosse relativamente cedo, pelo menos para alguém de minha idade. Umas não tinham vergonha de expor a careca, outras usavam chapéus ou gorros. Quatro ou cinco andavam com cilindros de oxigênio ao lado do corpo, outras tinham máscaras que cobriam a boca e o nariz. Joyce reapareceu, empurrando outra criança em uma cadeira de rodas.

Uma mulher surgiu carregando cadeiras de plástico. Eu a ajudei.

- Obrigada – ela agradeceu. – Você é o amigo que Bianca trouxe, certo? Eu sou a enfermeira Letícia.

- Prazer.

Ela me mostrou como eu deveria posicionar as cadeiras. Pude ver umas duas ou três crianças me observando, mas desviei o olhar delas. Eu sentia que não conseguiria ficar encarando-as por muito tempo.

Herói TortoOnde histórias criam vida. Descubra agora