Um pacto de amizade

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19h26.

Ficamos parados durante algum tempo no estacionamento da rodoviária.

Samantha abraçava Bianca, com a camisa recebendo pingos de lágrimas da agora ex-dançarina.

- Nunca mais vou me esquecer de vocês dois – ela soluçava. – Vocês foram verdadeiros heróis.

Bom, é provável que "heróis" fosse uma palavra um pouco inadequada. Talvez lunáticos ou dementes se encaixasse melhor. De qualquer modo, quem realmente agiu com heroísmo foi Bianca. Minha participação não foi tão significativa.

- Assim que você encontrar sua família, a convença a ir morar em outro lugar – aconselhou Bianca. – Nunca se sabe o que pode acontecer. Você tem dinheiro o suficiente para recomeçar do zero.

Literalmente do zero. Além da maleta e da bolsa, Samantha não levava mais nada consigo.

- Um dia eu vou voltar – ela disse, enxugando os olhos. – Vou retribuir o favor que vocês me fizeram e libertarei as meninas que ainda estão lá.

Bianca sorriu.

- Não esperava menos de você.

Ela retocou a maquiagem e, antes de sair, deu uma olhada na maleta.

- Tive uma ideia – ela abriu o objeto e tirou alguns maços de dinheiro. – Um pequeno agrado para vocês. Sinto que vão ajudar outras pessoas, e talvez precisem disso. Será o nosso pacto de amizade.

Não vou negar que foi uma oferta bastante tentadora. E minha maior surpresa foi com o fato de Bianca ter aceitado.

- Faremos bom uso dele. Pode ter certeza.

Samantha nos deu um abraço final e saiu do veículo, indo em direção ao terminal de ônibus. Eu passei para o banco da frente e acenei. Ela retribuiu, lançando beijos no ar.

Eu e Bianca ficamos em silêncio, observando a mulher tomar o rumo de sua nova vida.

- Foi um gesto muito nobre, esse que você fez por ela – eu disse.

- O que nós fizemos – corrigiu Bianca.

- Eu espero realmente que ela se dê bem.

- É. Eu também.

Eu coloquei o dinheiro dentro do porta-luvas.

- O que vamos fazer com toda essa grana?

Bianca ligou o carro.

- O que toda pessoa normal faria. Vamos gastá-la.

Ela dirigiu até um dos maiores supermercados da cidade. Assim que estacionou, ficou com o olhar fixo em algum ponto invisível do para-brisa.

- O que foi?

- Estou memorizando uma pequena lista de compras – ela respondeu. – Nada muito exagerado. Apenas coisas essenciais e úteis.

- Certo, então vamos dividir os itens. Será mais rápido.

- Não. Eu sei exatamente do que precisamos. Não vai demorar.

Fiz questão de não discutir, já que foi aquela mente que arquitetou toda a jornada que ainda teríamos pela frente. Descemos e eu fiquei responsável pelo carrinho, enquanto ela cruzava os corredores, buscando as coisas da sua lista mental.

Grande parte das compras era composta por objetos da seção infantil. Bianca colocou uma grande quantidade de bonecas Barbie, alguns carrinhos, jogos de tabuleiro, quebra-cabeças, balões de encher, duas perucas coloridas e dois narizes de palhaço. O item mais estranho ela trouxe da farmácia: um pacote de laxante.

- Você está com prisão de ventre? – eu tive que perguntar.

Ela riu.

- Não é para mim. É uma pequena cortesia para um querido amigo.

Suspeitei que esse amigo não fosse tão querido assim.

Colocamos as compras no banco traseiro, já que Guilherme Dantas ainda estava encarcerado na mala. Em seguida, paramos para abastecer o veículo e voltamos a vagar pela cidade. Eu não quis perguntar a Bianca qual seria o próximo passo, uma vez que eu continuava sentindo as dores da aventura anterior. Preferi esperar pelo espanto da surpresa.

Passamos por uma área bastante arborizada e com edifícios enormes. O carro parou em frente a um lugar que parecia uma clínica hospitalar. Na fachada lia-se "Abrigo das Crianças com Câncer".

Bianca abriu a mala, tirou Guilherme de dentro e o empurrou violentamente contra o carro.

- Seu momento de reflexão acabou, mauricinho – ela disse, quase sussurrando de tão perto que estava do rosto dele. – Espero que tenha chegado a sábias conclusões. Nós iremos lhe desamarrar e tirar a mordaça, e seria muito inteligente da sua parte não correr ou gritar. Eu ainda estou com sua pequena pistola e sei onde você mora. Eu poupei sua vida no lixão. Agora você me deve uma. O que peço é que faça apenas tudo o que eu mandar.

Ele concordou com a cabeça, um pouco menos nervoso de quando estava no lixão. Eu e ela o desamarramos e tiramos a mordaça de sua boca. Surpreendentemente, ele não teve nenhuma reação.

- Bom menino – falou Bianca. – Agora carregue as compras que nós fizemos. Joaquim, por favor, ajude-o.

No final das contas, foi necessário que Bianca também ajudasse a carregar os pacotes.

- Imagino que deve ser o horário do jantar – ela murmurou, mais para si do que para nós.

- Vamos dar uma festa, ou algo do tipo? – eu indaguei.

- Pode-se dizer que sim – respondeu Bianca. – Seremos o entretenimento da noite. O Natal chegou mais cedo para os desafortunados de saúde.

Eu não entendi muito bem o que aquilo significava. Não tínhamos comprado roupas de Papai Noel, isso sem contar que estávamos em junho. Mas aí ela apertou a campanhinha da tal clínica.

- O que vocês vão ver será um pouco deprimente e chocante –ela alertou, olhando para mim. – Vamos dar início à nossa terceira tarefa.     


Herói TortoOnde histórias criam vida. Descubra agora