1. Sem Rumo

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Quinta-feira era o dia habitual da reunião do grupo.Era assustador a quantidade de pessoas que recorriam á minha ajuda para ultrapassar este ciclo quase interminável que é o álcool.
Todos me perguntam o porquê de eu ter tomado a iniciativa de o ter criado,mas eu não tenho nenhuma razão em particular,eu apenas senti que o devia fazer e simplesmente fiz.
Felizmente nunca tive problemas com álcool,mas se tivesse,gostaria que alguém fizesse algo por mim,por isso cá estou eu e o resto da malta para mais uma tarde.
Reuniamo-nos habitualmente numa sala de aula,visto que éramos todos jovens e a maioria era de lá do colégio.
Todos nos sentámos. Alguns em cima da mesa,outros de pé,mas sempre em formato de semi-circulo para que a conversa não se perdesse e chegasse a toda a gente.
Como a sala estava cheia e dava sensação de que não faltava ninguém,impulsionei-me para cima da secretária do professor e elevei a voz:
-Olá malta,sabem se está alguém a faltar?
-Sim,a Jenny ainda não chegou,mas não deve demorar muito. Ela costuma sair das aulas por volta desta hora...-respondeu-me Rose.
-A Jenny avisou-me de que podíamos iniciar sem ela.
Iniciou-se o burburinho mas interrompi-o:
-Então,hoje planeei que iríamos fazer um feedback da vossa evolução.Pode soar algo "secante" -sim,eu disse isto fazendo aspas com os dedos-mas acho que é uma parte importante do processo.Quem é que acha que está pronto para começar?

Nem deu tempo de alguém responder.Jenny entra de rompante com um rapaz pelo braço,dando a sensação de que ele estava ali obrigado.
-Olá pessoal,desculpem lá mas tive de trazê-lo quase de arrasto-Jeeny mal conseguia respirar notando-se o cansaço na sua cara suada,mas prosseguiu -este é o Ashton e quer queira quer não,vai juntar-se a nós.

O rapaz estava claramente farto de tudo aquilo e estava lá há pouco mais de dois minutos.O seu cabelo loiro cobria-lhe os olhos,impedindo-me de reconhecer a cor dos mesmos.O seu uniforme encontrava-se bastante desleixado,mas a cara misteriosa do rapaz conseguia encobrir esse ponto fraco,desviando automaticamente os meus olhos do mesmo.

Parei com a análise na minha cabeça:
-Muito bem,há sempre espaço para mais um. -Sorri de uma forma muito aparvalhada ao mesmo tempo que o rapaz estabeleceu contacto visual comigo. -Qual é o teu nome?

-Ashton.- Ele respondeu de uma forma seca e a sua voz era arranhada.

Assenti e fiz questão de dizer também o meu nome.
-Bom,arranjem um lugar. -Jenny continuou a puxar o rapaz porque ele nem um esforço fazia para levantar os pés do chão.Enquanto todos observavam aquela cena eu continuei - Mundança de planos,vamos dar as boas vindas ao nosso novo membro.

Ashton puxou uma cadeira e encostou o seu tronco á parte destinada às costas,com uma perna de cada lado.

-Então,Ashton,não é? Porque é que estás aqui? Podes começar por contar a tua história,muito provavelmente vais identificar-te com alguém.

-E tu? Porque estás aqui?-O rapaz interpelou-me de surpresa e eu fiquei sem resposta.Ele suspirou.- Bom,eu estou cá porque...porque...nem sei bem.

-Pois,nem eu.-Respondi-lhe desta maneira patética,e soltei o sorriso mais estranho que alguma vez passou pelos meus lábios.

-Talvez me falte rumo e vingo-me no álcool.

Aquela resposta deixou-me sem qualquer reação pelo que decidi manter-me calada. Reparei que estava um fio solto na saia do meu uniforme e o meu dedo indicador começou a envolver-se nele enquanto o silêncio permanecia em mim.
Porque é que a sua resposta me tinha deixado desta maneira? O que é que ele queria dizer com "rumo"?E eu? Teria "rumo"?

Não tinha dormido nada na noite anterior e as dores de cabeça agravaram-se.

Durante toda a hora de reunião,eu não me manifestei e sendo assim, todos ficaram a falar uns com os outros até à campainha soar sinalizando o final de todas as aulas.

Abandonámos a sala vagarosamente e entre muitas gargalhadas e despedidas dispersámonos em direção a nossas casas.

Meio que enjoada,consegui tomar o caminho para casa.
A minha cabeça enchia-se do Ashton da mesma maneira que os meus sapatos se enchiam de lama ao longo do caminho.
Mas o que seria que havia de tão questionável acerca do rapaz? Eu devo estar a fazer um filme na minha cabeça,é o cansaço.

Uma Questão de Tempo - IrwinOnde histórias criam vida. Descubra agora