8. "A morte é certa,os vivos não."

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{Ashton}

Aquela pergunta deixou-me sem resposta. Bom,na verdade,eu não queria responder. O silêncio ficou instalado no ar,completamente.
Crystal soltou uma gargalhada cínica.

-Eu não devia ter perguntado isto. O melhor é ir-me embora. Nem sei onde estava com a cabeça ao aceitar o teu convite.

Fiquei em choque. Um arrepio percorreu-me da cabeça aos pés.

-Espera,Crystal.-agarrei-a pelo pulso quando ela já se ia a levantar.-Porque é que vais embora?

-E porque é que haveria de ficar?

Engoli em seco. Eu não podia contar-lhe quem realmente era,ela nunca mais me iria dirigir a palavra.

Ela soltou o seu pulso da minha mão, agarrou no seu journal e levantou-se num salto.

-Adeus,Ashton.

Consegui sentir um sarcasmo depressivo na sua voz o que me impossibilitou de dizer alguma coisa.
Vi-a desaparecer por entre a escuridão. Um suspiro saiu-me impulsivamente.

Reparei numa folha de papel que estava caída na relva. Seria da Crystal?
Agarrei-a eufórico. Voltei-a para o lado que estava escrito.

Crystal's Journal -22 de Setembro de 2015

"Por vezes ponho-me a pensar no verdadeiro significado e peso de cada palavra que deixo escapar da minha boca. Tudo o que digo por vezes não é verdadeiramente sentido,mas acho que não é o suficiente para iludir alguém. A ilusão é a pior irrealidade que alguém pode alguma vez vivenciar.
Não se tem perceção do sonho ou da realidade. Vive-se num meio termo bastante incerto.
Iludida de mentiras. Cada palavra ouvida e refletida não passava apenas de uma mentira. Custa saber certas coisas,mas o que será melhor? Esconder o sofrimento ou a verdade? Nenhum deles é omitido para todo o sempre. Nenhum.
A vida é uma completa mentira e ilusão. Nada é verdadeiro,nem os mais simples e concretos factos.
Até os olhos parecem estar aliados com a mentira e preferem deixar-nos na incerteza e não revelar a verdade.
Não importa aquilo que eu diga ou pense. Somos e seremos seres humanos egoístas e habitantes da indiferença.
É engraçado este desgaste de senso comum que por vezes só a morte consegue avivar. A perda de um egoísta pode doer. Pode,mas dói mais a incerteza. A morte é certa,os vivos não.
Que acabem as demonstrações de amor e entre outras coisas inúteis e estúpidas. Se não sentem,para quê sequer tentar explicá-lo aos outros? O que é sentido é inexplicável,apenas isso."

O meu coração disparou. Até ele parecia ter ficado alterado com aquelas palavras. Não fazia ideia de que a Crystal pensava desta maneira. Não o julgava,apenas o apreciava. Aquelas palavras eram mais do que o seu significado.
Agarrei na folha,dobrei-a e decidi ir-me embora. Já era bastante tarde.

***

Desde que me tinha levantado que andava a tentar arranjar coragem para devolver o papel á Crystal. Será que ela vai reagir mal ao saber que o li? Os nervos não me deixavam pensar corretamente.

Depois de um dia de aulas praticamente desperdiçado,fui até ao colégio para a reunião habitual de quinta. A Jenny já me esperava á entrada.

-Estava a ver que nunca mais chegavas! Despacha-te,"molengão"!

Revirei os olhos ao comentário imperativo da Jenny e atravessámos a escola até chegarmos á sala habitual.
A porta ainda estava aberta apesar do pessoal já lá estar todo.

Eu e Crystal trocámos olhares frios e desajeitados. O ambiente entre nós continuava obviamente estranho.

Sentei-me numa das secretárias do fundo. Queria estar no meu canto.
Aquela reunião estava a ser uma verdadeira tortura. Só queria falar com a Crystal o mais depressa possível.
As vozes de toda a gente soavam distorcidas dentro da minha cabeça como se de uma salganhada se tratassem.
Eu estava noutro planeta. Eu e os meus pensamentos.

Despertei com o arrastar das cadeiras e com as despedidas.
Respirei fundo e saltei da mesa. Eu tinha de falar com a Crys.
Ela estava a arrumar o seu journal e caderno de apontamentos na sua mochila,enquanto eu me aproximava.

-Crys? Achas que dá para falarmos?

-Excusas de te redimir,Ashton. Está tudo bem.

-Não,não está tudo bem.

Eu sentia-me mal,e ao dizer aquilo em voz alta,fez-me sentir ainda pior.
Estendi-lhe o papel.

-Toma. Acho que ontem,quando foste embora,o deixaste cair.

-Nem dei conta,obrigado.

Consegui perceber que ela sorria forçosamente. Decidi ir-me embora. Era inútil continuar ali.

-Ashton,espera.

Voltei-me para ela. Uma expressão séria e preocupada cobria-lhe o rosto.

-Tu não o leste,pois não? O papel...tu não o leste?

Caiu-me a minha estabilidade. Era isto que eu temia. Eu tinha de lhe dizer a verdade.

-Desculpa,Crystal. Sim eu li-o.

Ela agarrou na mochila e saíu freneticamente da sala,sem se manifestar com uma única palavra. A sua atitude falou por si.

-Crys,espera!

Em vão. Só eu ocupava a sala e a sua imensidão fazia-me sentir ridiculamente pequeno.
Eu não tinha o direito de o fazer. Eu sabia que aquilo era bastante pessoal para ela e mesmo assim cometi o erro de o ler. Sentia-me ameaçado pela desilusão no olhar da Crystal. Sentia medo do meu próprio remorso.

Ela tinha razão: " A morte é certa,os vivos não."

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Heyyyy!!

Aqui vos trago um novo capítulo!
Esta parte da história que estou a partilhar hoje com vocês,é talvez a que tem mais significado para mim.

Obrigado do fundo do coração pelas mil leituras!! Eu nunca pensei chegar a este ponto,é de loucos!!Adoro-vos!! 💘✨🌻

Se gostaram,não se esqueçam de deixar o vosso voto. Também vos peço que me deixem o vosso feedback nos comentários!

Obrigado por tudo,

Cláudia xx

Uma Questão de Tempo - IrwinOnde histórias criam vida. Descubra agora