Conversa com o Diabo

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Sob seus pés o sangue imaculado dos viciados enfeitava o chão da rua, ao lado dos corpos o celular da vítima já morta vibrava ao receber mensagens do Twitter, o Patriota se atreveu a olhar o aparelho e contemplou a futilidade da garota ao seguir o Canário, ele perguntou para si mesmo onde estaria o tal herói e logo recebeu a resposta ao conferir o "post", o "heroizinho" dizia estar acabando de sair para a ronda, ou seja, ele jamais chegaria a tempo de fazer algo para salvar a vítima que agora já se encontra sem vida.

A moça, provavelmente uma estudante, foi cercada e esfaqueada na altura do baço, sangrou rápido o bastante para morrer enquanto o Patriota espancava os dois meliantes que apenas com uma faca não puderam se defender, o vigilante largou o aparelho na poça de sangue e seguiu pela viela sem olhar para trás, ele nunca olhava para trás mas ninguém sabia o porquê, poucos ficam vivos para testemunhar suas ações, mas imagens não faltam para serem estampadas em jornais, revistas e em cartazes contra os vigilantes, todos criticam mas ninguém faz a diferença, nem mesmo ele pode fazer a diferença, mas ao menos ele tenta e isso já vale muito.

A noite é calma, algumas poucas pessoas de bem se atrevem a passar pela região perigosa e essas atravessam a rua quando se deparam com o mascarado, fora isso alguns poucos drogados passeiam para lá e para cá desenrolando seus papelotes e sedentos para acender seus cachimbos, mas nem mesmo estes são o suficiente para levar uma surra do vigilante que ainda procura por peixes maiores, a noite seria longa assim como todas as outras, mas esta tinha uma gosto diferente, um gosto metálico de sangue e adocicado de injustiça pois a pergunta ainda pairava no ar: Quem matou o General?

O herói ainda não havia pensado nisso até aquela tarde quando viu que todos os telejornais clamavam seu nome, ele era um bom homem, viveu sua glória nos anos de chumbo ao lado de sua trupe, até hoje foram os únicos a formarem um grupo oficial de heróis, o Aviador, o General, e a prostituta ou melhor a Madame Escarlate, o grupo não tinha nome pois o que importava era liderar o povo nas passeatas ou ao menos fingir que lideravam já que ainda se resumiam a pessoas usando fantasias gritando em couro com uma turma de estudantes malucos, mas funcionou e isso já foi o bastante para que eles fossem louvados e mais tarde esquecidos.

Com o fim do regime eles se dispersaram, o Aviador parou primeiro, depois veio a Madame Escarlate e por fim já apresentando sinais de idade o General Von Braw que acumulou uma certa fortuna com sua imagem de herói e comprou uma boa casa na parte rica da cidade, mal sabia ele quem um dia um jovem seria influenciado por suas ações e que então sairia nas ruas com uma arma em suas costas e com o rosto coberto por um pano negro, nascia ali o Patriota, e agora o mínimo que ele poderia fazer era achar quem matou sua inspiração.

A maioria das pessoas pensa que o crime se conecta, sendo assim bastaria achar um intermediário e toda a pirâmide cairia, mas na vida real não é assim, por outro lado são poucos os assassinos realmente profissionais neste país o que obriga os mandantes a contratarem um drogado qualquer para fazer esse trabalho, neste caso quem melhor para interrogar do que um viciado ?

O Patriota chegou a um bar que estava de portas fechadas apesar de já serem oito da noite, o dono era conhecido apenas por "Jhonny" e chegou ao fundo do poço a cerca de um ano atrás quando foi espancado em um banheiro químico junto a outros drogados, depois disso foi internado em uma clínica de reabilitação, já era hora de receber uma visita de seu salvador. O vigilante puxou levemente a porta do estabelecimento e viu que ela estava destrancada, então adentrou do local, o interior era revestido com azulejos brancos e repleto de cadeiras dobráveis além de mesas de plástico ainda empilhadas no canto do salão, e por fim um cheiro podre de urina e de fornicação emanava do único banheiro do local que estava de portas abertas, atrás do balcão uma porta entre aberta mostrava um ambiente escuro onde o que parecia ser uma mulher fazia alguns movimentos indescritíveis.

Com cuidado o herói aproximou-se da porta do cômodo, apoiou seu rifle na parede para que o mesmo fosse escondido pela porta quando aberta, o vigilante sacou sua pistola e segurou a maçaneta com cuidado, respirou fundo e puxou a porta com violência, do outro lado uma moça jovem usando trajes menores deu um grito estridente, no segundo seguinte uma bala disparada pelo justiceiro atravessou o cérebro da moça fazendo-a cair sobre o colo de Jhonny e depois no chão.

O viciado estava usando cueca e se encontrava amarrado em uma cadeira, além de estar encharcado com o sangue da moça agora já sem vida, o vigilante adentrou a sala escura e puxou uma outra cadeira, sentou-se de costas para a porta e de frente para o drogado que ainda estava perplexo e levemente traumatizado, os dois se encararam por alguns segundos e um silêncio tomou a sala, seria constrangedor se não fosse assustador, então Jhonny voltou a realidade olhando freneticamente para todos os lados possíveis:

- Eu…eu… eu não fiz nada! Por favor eu não fiz nada, sério… me…me libera aí cara!

Nervoso Jhonny suava de forma descontrolada, o que consequentemente lavava o sangue de seu corpo. O vigilante não disse nenhuma palavra e nem mesmo modificou sua respiração, colocou sua pistola no joelho do homem e disparou sem hesitar, o homem gritou desesperado.

-MEU DEUS! Cara, por favor para com isso, eu to limpo cara!

-Sobre a morte do General, o que você sabe sobre isso?

-Não fui eu que matei ele não! Me libera.

O Patriota repousou a arma sobre o outro joelho do drogado, este por sua vez fechou os olhos rezando.

-Quem foi?

-Sei lá!

O vigilante apertou o gatilho mais uma vez, a luz do disparo veio seguida de sangue e de pedaços do joelho do meliante que se espalharam pela sala.

-PARA POR FAVOR!

- Quem?

-Eu já disse que não sei!

O herói apontou a arma para a cabeça do viciado e este quase chorou.

-É só para te tirar daqui… mas tem um motel abandonado lá no centro, tem uns drogados que fariam qualquer coisa por uma pedra mas ninguém é profissional, me libera agora?!

O Patriota se levantou e encostou a cadeira em uma mesa grande que ali se encontrava, Jhonny por sua vez respirou aliviado pois finalmente havia saído daquele inferno. O vigilante encarou a mesa antes de sair e viu vários pinos de cocaína, alguns vazios mas a maioria ainda cheia.

-Esta limpo… sei…

-Sim, eu juro, eu só vendo agora!

O herói ficou perplexo após ouvir isso, tal reação só durou um segundo e veio seguido de um "flashback", em sua mente vieram as cenas dos meliantes que a poucos segundos atrás mesmo com os braços quebrados continuavam a atacar, lembrou-se que os homens mataram a moça em troca de alguns trocados, e por fim lembrou-se que informantes são descartáveis, o vigilante apontou a arma para a cabeça do traficante e o som do disparo ecoou pela sala, ele saiu da sala calmamente pegou seu rifle de trás da porta, era difícil dizer o que se passava em sua cabeça, o crime foi motivado por raiva mas para ele era apenas mais uma vida descartável, por um lado aquele era apenas o caule pois a raiz ainda estava em baixo da terra, mas por outro lado uma flor bem podada cresce mais forte.

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