Uma garotinha feliz

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[Meu nome é Hans. Richard me requisitou para o monitoramento de sua filha. Bom, há muita coisa que aconteceu antes do intrigante caso de Stuttgard que contribui para seu entendimento. Não sei qual é o melhor jeito ou por onde começar, mas aqui está o meu relato.]

Havia uma organização da qual eu era membro, a Alcateia. Liderados por Richard, saíamos roubando e derramando sangue. Os tempos eram outros, havia o que talvez eu possa chamar de gangues, era matar ou ser morto. Richard me confiou a segurança de sua filha. Todos nós levávamos vida dupla, e com ele não era diferente. Melanie era uma garotinha alegre, era melancólico ver como ela sorria e confiava no pai, totalmente ignorante do mundo em que vivia. Ela corria pelos campos, escalava árvores, nadava no rio, adorava andar pela floresta e mais de uma a vi roubando comida da despensa para dar aos animais e pessoas que encontrava em seus passeios, às vezes até os levava para a própria casa, apenas para serem expulsos pela mãe. Sei pouco sobre Lia, mas ela não me parecia uma mulher exatamente ruim. Costureira, era comum ficar o dia inteiro dentro de casa ocupada com suas encomendas ou com a casa. Não era muito carinhosa com a filha, mas sabia ser atenciosa -limpava e desinfetava os machucados que Melanie trazia pelo corpo ao chegar em casa escurecendo. A relação materna que talvez possa ser questionada era compensada com a paterna, ainda que Richard fosse ausente. A menininha radiava ao ver o pai cruzando os portões da propriedade. Os dois saíam de madrugada e voltavam apenas quando já estava anoitecendo. Ela aprendia a andar pelas matas e fazer seus próprios instrumentos, como facas e armadilhas. Ele a ensinou a imitar os animais, lutar, ler, escrever e entender um pouco de diversas línguas. Os olhos da pequena brilhavam um pouco menos quando ele partia para uma viagem de caça, omitindo o que estava realmente indo caçar.

Tudo isso não me ajuda a entender o ato de Richard. Uma tarde, Melanie voltou pra casa, pois não tinha encontrado frutos para dar a um macaco que tinha encontrado nas margens do rio. Indo assaltar a despensa, a pequena hesitou ao encontrar a porta de casa fechada, e não aberta como sua mãe costumava deixar para ter mais ventilação do lado de dentro e aliviar o calor daquela época. Mesmo de longe, consegui ter a visão que ela teve ao abrir a porta.

-Pa-papai? Mãe? Mãe! MÃE! Pa-pai! O-o que você fez com a mamãe? Ela... ela não responde! POR QUE ELA NÃO RESPONDE?!? O-O QUE... o que você está fazendo?- Melanie estava tentando não chorar, mas sua voz já estava sendo afetada.

A mãe de Melanie estava no chão da cozinha, numa poça de sangue. Ela tinha três facadas no peito, duas no pescoço e algumas nos braços e nas mãos, sinal de que ela havia lutado. O pai dela estava de costas para a porta. Eu paralisei: o que aquele homem estava pensando quando deixava sua filha de cinco anos sem mãe?

- Melanie... me perdoe... me perdoe... DESCULPA! SAIA DAQUI, AGORA! VAI, CORRA! AGORA!- O lobo se ajoelhou na frente do corpo.

A garota vacilou, deu alguns passos para trás e então saiu correndo em direção ao rio. Eu me recompus e fui atrás dela.

Ela ficou em cima de uma árvore durante um bom tempo, calada e encolhida. Não sei se era para o pai não encontrá-la ou porque estava confusa. Ficou dois dias na floresta, não comeu nada, mas não por falta de alimento -tinha várias árvores frutíferas-. À noite, não se aqueceu com uma fogueira, talvez com medo de que a claridade ou a fumaça a denunciassem. No terceiro dia, sua avó materna foi visitar a filha e encontrou o corpo. Quando Melanie ouviu o som das sirenes da polícia, ela saiu devagarosamente da mata. A avó a levou para casa.










O caso de StuttgardOnde histórias criam vida. Descubra agora