Sorriam para foto

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Guilherme

É cedo quando acordo, preciso organizar os meus equipamentos de fotografia, depois de um ano finalmente vou voltar a fazer o que eu amo, é hora de deixar a Marina pra trás e seguir minha vida só. Eu me levanto, desço para a cozinha e preparo um chá. Meu apartamento é tão vazio desde que ela se foi, sem mais fotos dela, ela era uma ótima fotógrafa, me ensinou quase tudo que eu sei.
Ligo para o Marcos o fotógrafo com quem eu trabalho, para confirmar o horário que vai ser o casamento que vamos fotografar hoje.
- Marcos, é o Gui, que horas você vai passar aqui pra irmos pro casamento?
- E aí cara, o casamento começa as sete, então lá pelas seis eu passo aí, beleza?
- Beleza, falou cara, até mais tarde. - Desligo o celular e vou começar a organizar minhas coisas.

****

Eu adoro fotografar casamentos, mesmo que a maioria dos fotógrafos não goste, os detalhes dos casamentos é que me interessam, os olhares dos convidados sobre a noiva quando ela entra na igreja, o olhar do noivo quando ela está se aproximando do altar, as crianças brincando, as damas de honra emocionadas com a cerimônia. A Marina me ensinou a ver tudo isso, ela me ensinou a ser detalhista.
A festa está rolando, e eu preciso de uma pausa pra fumar. Desde que a Marina se foi esse foi o único vício que ficou em mim. Quando chego perto do canteiro de flores onde eu fumei antes da festa começar encontro o lugar já ocupado, por uma mulher, ela é bem branca, pálida na verdade, seus cabelos são ruivos quase laranja, o que estranhamente combina muito com ela, ela usa um vestido vermelho que exalta suas curvas, a forma como ela está sentada fez o vestido subir e deixar a mostra um par de cintas-liga, ela parece triste, como se esperasse algo extraordinário daquela noite, caso contrário, porque alguém usaria cintas-liga tão sexy's como aquelas num casamento? No chão há um maço de Marlboro Gold e uma taça cheia de vinho quase até a boca, em suas mãos um cigarro acesso, um espelho e um batom vermelho, ela alí daquela forma contrastando com aquelas flores atrás dela, não posso resistir, seria uma ótima foto, eu adoraria olha-la todos os dias. Eu levanto a câmera sem fazer o mínimo barulho, não quero que ela pare, quero capturar exatamente esse momento, mas quando disparo, o som de click da câmera à assusta e a faz olhar para mim através de seus cílios enormes, seus olhos são castanhos, são os mesmos olhos da noiva, suas feições são bem parecidas também, elas são idênticas na verdade, é claro que são irmãs.
- Você não deveria estar fotografando a noiva? - Ela diz petulante, a voz dela é linda.
- É que, na verdade, essa era pra ser minha pausa pro cigarro, mas alguém roubou o meu fumódromo improvisado. - É claro que eu poderia Fumar em qualquer lugar, mas eu não poderia passar direto por ela, era impossível não ser atraído por aquela mulher.
- Esse lugar é enorme, você precisa mesmo fumar aqui?
- Me desculpe, eu só não resisti à paisagem. Uma taça de vinho no chão, um cigarro na mão, um batom vermelho, um par de cintas-liga e uma mulher bonita, me pareceram um ótimo conjunto para um retrato. - Seu olhar amolece por um breve segundo, mas logo depois ela volta a sua expressão carrancuda e tenta ajustar seu vestido para cobrir as cintas-liga, o que não funciona. Dá um trago no cigarro, e faz isso da forma mais sexy possível. Ela é encantadora.
- Obrigado, mas, minha irmã não vai gostar de ver essa foto no álbum de casamento dela, então por favor apague. - Acertei, são irmãs. Ela é tão rude, se fosse qualquer outra mulher que usasse esse tom comigo eu simplesmente viraria as costas e iria embora, mas eu não poderia fazer isso com ela, ela é diferente das outras, e ela sabe que é.
- Ela não é para o álbum, mas pensando bem, seria uma boa foto de casamento, uma irmã que deu o seu máximo para que o casamento de sua única irmã fosse perfeito, resolveu fazer uma pausa para o cigarro na tentativa de se acalmar depois de tanto trabalho e, por que não aproveitar e retocar o batom. Afinal são esses detalhes que fazem uma festa de casamento ser o que é - A Marina surge em minha mente, ela me ensinou a ser assim tão observador. Quase sempre eu desejo esquece-la, mas ela está em tudo o que eu faço, até na minha profissão.
- Sério? Isso sempre funciona com as mulheres? Toda essa merda de detalhes. - Por que ela é tão rude?
- Eu nunca disse isso pra ninguém, mas será que vai funcionar? - Ela pensa que eu sou um conquistador barato.
- Talvez funcione com as outras, não comigo, eu não sou esse tipo que você está acostumado. - Que tipo eu estou acostumado? E que tipo de mulher ela é? Numa fração de segundo me dou conta, de que não se trata de saber os outros tipos, eu não me importo com as outras, eu quero saber sobre ela, quero saber absolutamente tudo sobre ela.
Ela está recolhendo suas coisas, não posso deixar que ela se vá.
Vem caminhando na minha direção.
- E que tipo de mulher você é? - Eu sussurro em seu ouvido enquanto seguro o seu braço, sua pele parece veludo, uma força estranha me domina, como se fossemos lados opostos de um imã que se atrai, ela olha pra mim, e eu sei que ela sentiu o mesmo.
- O tipo de mulher que você deve se manter longe. - Então, ela baixa os olhos e caminha em meio a multidão dentro do salão, sem olhar pra trás, como se estivesse fugindo de algo. Fugindo de mim? Ou daquela sensação estranha que nos invadiu?
Olho pra onde ela estava sentada e vejo seu maço de cigarros no chão, eu o pego e coloco no bolso. Fico alguns minutos parado tentando processar o que foram aqueles 10 minutos. O tipo de mulher que você deve se manter longe. Fico passando e repassando as palavras dela na minha cabeça, é um aviso? Ou um escudo que ela criou para afastar as pessoas?
- Hey Gui, cara já acabou de fumar? Eu tô enrolado com a retrospectiva, você pode ir até a mesa do bolo, as damas de honra e a noiva estão lá, esperando as fotos. - Marcos pede, ele está atordoado e bem irritado. - Não aguento mais fazer fotos de casamento.
- Claro, já tô indo, fica de boa, esse aqui tá suave ainda. - Dou um sorriso gentil pra ele.
Chegando na mesa do bolo dou de cara com ela novamente, ela parece atordoada quando me vê , o que me faz rir, afinal de contas eu mexo com ela então. Sua irmã grita alguma coisa e ela caminha para o seu lado, e eu à acompanho em cada passo, não consigo tirar meus olhos dela, e sinceramente, eu não quero. Eu a quero para mim, e meu olhar diz isso. Ela é fabulosa.
- Sorriam para a foto meninas.
Aponto minha lente para ela, é a primeira vez que eu a vejo sorrir, e ela fica ainda mais encantadora fazendo isso, registro somente ela primeiro, preciso guardar o sorriso dela. Em seguida fotógrafo todas.
A festa chega ao fim, eu, o Marcos e os outros dois fotógrafos estamos desmontando os equipamentos, quando avisto ela entrar no salão caminhando graciosamente, ela não me vê, caminha até sua bolsa numa mesa e a revira atrás dos seus cigarros que estão comigo.
Deixo os meninos e sigo em sua direção.
- É isso que você está procurando? - Eu coloco o maço em cima da mesa, ela para de mexer na bolsa e olha pra mim assustada.
- Você deixou lá fora no chão, quando se levantou para me dar um fora. - Me atrevo a dizer e sem querer ouvir uma grosseria eu viro minhas costas e começo a caminhar para longe dela.
- Ei, eu vou fumar agora, quer se juntar a mim? - Ela é maluca? Bipolar? Até pouco tempo atrás ela exalava grosserias, e agora ela está me chamando pra fumar com ela!
- Oh... Er... Eu adoraria.
Um silêncio cortante nos rodeia até que sentamos no canteiro de flores.
- Trabalha a muito tempo com fotografia? - Não tenho certeza se ela realmente quer saber ou se ela só não suportava mais aquele silêncio.
- Seis anos. Não é muito tempo mas, adquiri bastante experiência nesse tempo. Você pode me emprestar seu isqueiro, esqueci o meu lá dentro. - Meu isqueiro está no meu bolso, mas preciso de uma desculpa para toca-la novamente e sentir aquela energia estranha. Nossas mãos se tocam e com o choque, nossos olhos se encaram, ela desvia dando um trago no cigarro e eu tento fingir que nada aconteceu.
- A dor precisa ser sentida. - Eu leio em seu isqueiro enquanto brinco com ele na palma da minha mão. - O que quer dizer? - Porque alguém acharia isso?
- A dor faz com que fiquemos fortes, como se criasse um escudo para as coisas que nos machuca, a dor é parte do processo de crescimento do que somos, então é importante que seja sentida.
- Você acha que a dor faz com que você seja imune aos sentimentos? Isso é loucura, você não pode evitar os sentimentos, as emoções, essas coisas são espontâneas. - Isso é ridículo a gente não controla essas coisas, e dor não é uma coisa que precisa ser sentida, é uma coisa que precisa ser evitada.

- Imune não, alerta sim. Sei que não posso evitar, mas posso tentar me afastar de certas emoções, para não me machucar.
- Isso não funciona na prática, você sabe disso, e se você se apaixonar? Como vai se afastar?
- Você acredita nessas coisas? Acha que o amor existe? O amor é só uma fantasia que faz as pessoas serem trouxas, nada mais.
-Isso não é verdade, você sabe que não é. Você não pode lutar com o amor! - Não pensei que teríamos uma conversa tão intensa como essa.
- E porque não? - Suas palavras são carregadas com uma esperança de que algo mude esse conceito vazio a que ela se mantém fiel. Eu sei que ela sabe que fingir que os sentimentos não existem não faz eles desaparecerem. Então eu lhe digo uma verdade incontestável sobre o amor.
- Por que você perde. O amor é a única coisa mais forte que a morte.









Da dor ao amorOnde histórias criam vida. Descubra agora