Camisetas e beijos longos

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Guilherme

  Merda. Merda. Merda.
  Evie está caída, desmaiada nos meus braços e, eu nem ao menos sei onde ela mora.
  Pego as chaves de seu carro em sua bolsa e levo-a até ele nos meus braços, sua cabeça está em meu peito, eu sinto sua respiração, e por quase um segundo desejo não solta-la. Coloco-a no banco traseiro do carro e enquanto dirijo, eventualmente olho pra ela dormindo através do retrovisor, tão linda e tão vulnerável, como uma criança que precisa ser protegida.
  Estaciono em frente a minha casa, ela está tão serena, quando encaixo meus braços sob ela para pega-la, ela acorda e se afasta de mim, seu olhar ainda está distante, forçando para me enxergar nitidamente.
  — Eu posso caminhar sozinha, não encoste suas mãos em mim.
  Como pode ser tão marrenta!
  —Ok. Eu só queria ajudar.
  Ela me deixa falando sozinho e sai porta a fora com passos totalmente descoordenados.
  Quando entramos ela joga sua bolsa no sofá e pega uma camisa minha que está pendurada em uma cadeira.
  — Onde é seu quarto? — Seus olhos estão carregados de luxúria, como se ela quisesse que eu a seguisse, mas eu não o faço,só fico parado na porta de entrada observando-a.
   Não pra entender essa mulher, ela é rude, e no próximo minuto quer ir pra cama comigo.
  — Primeira porta à direita.
  Ela segue cambaleando e se apoiando nas paredes, ela deixa a porta aberta e me olha sorrindo maliciosamente antes de entrar. Não posso tocar nela, seria como transar com uma criança, Evie não tem consciência do que quer, isso tudo é o álcool que está fazendo.
  Eu espero um tempo até que ela se troque e deite na minha cama, aproveito e fumo um cigarro. Eu  entro no quarto para verificar se ela já está deitada, mas ela não está na cama, caminho até o banheiro e ela está caída ao lado da privada, tem vômito na privada. Eu a pego nos meus braços e coloco-a na cama e a cubro, seu corpo é tão maravilhoso, suas tatuagens são fodas, a maioria são desenhos de mulher, será que ela é lésbica?
  Espero que não.
  Seu cheiro está em mim agora.
  Me sento na beirada da cama ao seu lado e olho-a enquanto dorme, seguro sua mão, só assim, dormindo posso segura-la sem que ela grite e se afaste.
  Se ela ao menos soubesse que depois de tanto tempo finalmente, ao seu lado me sinto vivo, isso me assusta, muito, pra mim sempre só existiu a Marina e agora as coisas estão mudando.
  Passo algum tempo observando-a, talvez horas, eu não sei, quando estou com ela o tempo não existe, nada existe, só ela.
  Eu tiro minhas roupas visto uma camisa branca igual a que ela está vestindo e me deito ao seu lado, em alguns minutos caio em sono profundo e tranquilo.
 
****

  Meus olhos se abrem e um sorriso se abre junto quando me deparo com Evie ainda deitada ao meu lado dormindo serenamente.
  Não foi um sonho.
  Me levanto, coloco uma calça de moletom, recolho sua roupa do chão e caminho até a lavanderia, coloco na maquina de lavar e vou tomar um banho. Quando saio ela ainda está dormindo, e tenho a chance de observa-la mais um pouco.
  Caminho para a cozinha, ligo o som, a música Love is blindness do Jack White ecoa por todo o ambiente, então começo a preparar o café da manhã. Tudo já está pronto, só falta ela acordar, decido ir até o quarto acorda-la, abro a porta e levo um susto, Evie já está acordada em pé ao lado da cama, quando ela me vê corre para debaixo do lençol pra se esconder de mim, mal ela sabe que já vi todas aquelas curvas lindas quando a carreguei para cama. Sei que é errado, mas não posso evitar não deseja-la, ela é linda, seu corpo é perfeito. Eu espanto os pensamentos.
  — Oh, me desculpe Evie, deveria ter batido, é força do hábito, esse é meu quarto afinal.
  — Não, tudo bem esta é sua casa... — Ela fica em silêncio olhando pra mim. Mas então, rompe o silêncio.
  — Então, o que exatamente aconteceu ontem?
  Essa pergunta me faz rir, meu Deus, será que ela não se lembra de nada mesmo?  Nem mesmo de tentar me seduzir.
  — Ah, nada demais, quer dizer, você bebeu alguns drinks, talvez muitos e, desmaiou em cima de mim quando estávamos fumando.
Eu te trouxe pra cá usando seu carro, já que eu não sabia onde você morava. — Narro para ela bem tranquilamente.
  — A gente... A gente não... Fez nada... Não é? — Ela está tentando saber se nós transamos? Pelo amor de Deus, que tipo de cara ela pensa que eu sou?
  Ela olha envergonhada para a minha camisa que está vestida.
  — Não, nós não transamos — Eu dou risada e ela me encara envergonhada, caminho e me sento na beirada da cama — Na verdade, quando chegamos você acordou e viu seu vestido todo sujo de vômito então, viu minha camiseta na cadeira e você mesma se trocou. Eu nunca faria nada com você naquela situação Evie.
  Ela pergunta onde estão suas roupas, eu lhe digo que por estarem sujas eu coloquei pra lavar. Ela me olha surpresa.
- Olha, eu estou realmente faminto, e vim te convidar para se juntar a mim no café, ou ele vai esfriar. Alí naquele armário, na última gaveta tem umas roupas da minha irmã, você pode usar o que quiser, tenho certeza que irá servir, e então a gente conversa sobre a noite passada, tudo bem?
  - Tudo bem.
  Eu me levanto e caminho até a porta, sua voz doce me faz olhar pra trás.
  - E, Guilherme, me desculpa tá bom, por qualquer besteira que eu fiz ou disse, eu não costumo fazer esse tipo de coisas.
É claro que não.
  - Eu percebi. - Sorrio e saio do quarto.
  Eu a quero.
  Acendo um cigarro, e ela vem a minha mente. Quando foi que ela saiu da minha mente?
Seus olhos lindos e enormes me encarando, sua boca, que mesmo dizendo tantas grosserias me encanta. Eu a quero, como nunca quis nada antes. E não vou deixa-la ir como deixei a Marina ir.
  Ela surge na cozinha e me distrai dos meus pensamentos. Eu me viro e, mais uma vez ela está vestindo uma roupa minha. E por Deus como ela está gostosa. Seu cabelo liso e desgrenhado caindo sobre os ombros, totalmente sem maquiagem, Deus olhos são ainda maiores. Não me lembro se tê-la visto tão linda.
  - Com todas aquelas roupas naquela gaveta, você foi escolher a camiseta que uso pra correr? - Eu viro a cabeça para um lado analisando-a. Ela desvia os olhos envergonhada, suas bochechas se avermelham, e eu sinto uma vontade absurda de beija-la.
  Se controle.
  - Desculpa, eu não sabia que era sua, foi a única coisa que considerei vestir, o restante era, digamos, juvenil demais para mim.
  Ah é claro, Amanda minha irmã mais nova pode ser extravagante às vezes. Seu estilo é bem peculiar, e não, ela não é uma criança, tem 20 anos. Mas eu pensei que de repente, ela gostasse de alguma coisa.
  Ela se oferece para trocar de roupa, mas é óbvio que eu prefiro ela com minhas roupas. As duas camisetas que ela vestiu acabam de se tornar minhas favoritas.
- Não, não, eu não me importo nenhum pouco, essa camisa ficou muito mais interessante em você do que em mim - Dou um trago e olho atentamente para suas pernas, e aquela cor avermelhada surge novamente em seu rosto, ela fica linda quando está envergonhada.
Ela me questiona onde está sua bolsa, eu digo que está no mesmo lugar onde ela deixou, mas ela me olha completamente confusa.
Deus! Ela não se lembra de absolutamente nada mesmo? Como isso é possível.
Você não se lembra não é mesmo?
- Não... - Sua resposta é baixa, ela está envergonhada outra vez.
  Eu vou até a sala e pego sua bolsa no sofá, é divertida e perigosa a condição dela. Penso em quantas coisas horriveis poderiam acontecer a ela, se ela estivesse sozinha ou com alguém que pudesse se aproveitar do seu estado, por exemplo.
  - Aqui está. Aliás, você não deveria beber mais daquele jeito, é perigoso demais. Estou falando sério, pense no que poderia ter acontecido se voce estivesse sozinha ou se eu fosse um cara mau.
- Obrigado. Eu sei. Na verdade, como te disse no quarto, eu não costumo fazer isso, muito menos acordar na cama de uma pessoa praticamente desconhecida. E quem disse que você não é mau? Ainda estou analisando isso.
  Ela sempre me surpreende, começamos a rir e ela acende um cigarro, ela é tão sexy fumando.
  Nós comemos em silêncio, não consigo afastar meus olhos dela, suas bochechas vermelhas, seus olhos procurando algo que não seja eu para olhar, estão tão perdidos.
  Então me lembro do que ela me disse ontem antes de apagar nos meus braços, e começo a rir. Evie levanta seus olhos para mim.
- Que bom que eu divirto você, pelo menos, eu só gostaria de saber o que você acha tão engraçado em mim. - Ela da um longo trago e revira os olhos. Acho que revirar os olhos é uma mania que ela tem, uma mania bem irritante.
  - Me lembrei do que você me disse ontem á noite, você me chamou de Senhor Sedutor, quando eu tentei chamar um táxi pra te levar.
  Ela engasga com seu café e seu rosto pega fogo em um vermelho vivo.
  Eu a olho com diversão arqueio uma sobrancelha para ver se obtenho uma resposta.
- Você sabe que pessoas bêbadas costumam dizer besteiras, coisas sem sentido algum. - Seus olhos vagueiam para todos os cantos da cozinha menos em mim.
  - Hm, então quer dizer que você não me acha sedutor? - Faço uma pausa, ela olha para minha mão que está abilmente batendo as cinzas do cigarro, seus olhos acompanham ela  subir até minha boca para poder tragar e, seus olhos se fixam na minha boca por alguns segundos.- E você está errada, as pessoas quando estão bêbadas, dizem o que não tem coragem de dizer sóbrias. Então, minha teoria é que você me acha sedutor.
Ela revira os olhos mais uma vez, seus olhos finalmente encontram os meus e, ela está tão sem graça e irritada, eu posso sentir, aliás, não é difícil advinhar, ela está sempre irritada.
  - Sinto muito, por ter dito isso. Sinto muito por tudo o que disse e fiz. - Sua voz finalmente sai.
- Não sinta. Você não é tão ruim bêbada.
  As palavras acabam, e a tensão é palpável, eu não sei o que fazer, sei o quero fazer, quero beija-la, mas ela pode não gostar. Eu me levanto apago o cigarro, deixo ele no cinzeiro, meus olhos nunca deixam os dela, nem os dela se desviam dos meus, vou em sua direção lentamente, não quero assusta-la.
  Eu paro na frente dela, posso sentir sua respiração se acelerar, pego sua xícara e coloco em qualquer lugar, não vejo mais nada além dela, seu peito subindo e descendo rapidamente, sua língua umidecendo seus lábios secos e seus olhos enormes, famintos que nunca deixam os meus, nossos lábios se aproximam, minhas mãos se apossam dela, uma  viaja pelas suas costas pequenas e frágeis, a outra se perde em seus cabelos incrivelmente macios, meus dedos cravam neles, dessa forma posso conduzir sua boca até a minha puxando levemente sua cabeça para baixo, nossos lábios finalmente se tocam e sinto a nossa energia novamente, minhas mãos anseiam  seu corpo e vão para sua cintura, preciso fazer um enorme esforço para não tocar seus quadris. Eu a  pressiono contra meu corpo, eu a quero tanto, meus pensamentos são inquietantes, eu quero estar dentro dela, quero possui-la, tirar sua roupa. Uma ereção surge em mim, suas mãozinhas minúsculas e delicadas se agarram à minha nuca. Eu a quero, muito. Nosso beijo se torna intenso, poderoso, eu conduzo-a e a pressiono contra a parede, minhas  mãos vão para suas coxas levantando a camiseta, quando a camiseta está acima da sua barriga ela me empurra  meus olhos se abrem relutantemente.
Ela grita um nítido e cortante não.
Eu sei que fui longe demais. Ela arruma a camiseta.
- Isso não é certo, me desculpa, eu tenho que ir.
  Ela está certa, isso é errado nós mal nos conhecemos.
  Eu fico em silêncio, não sei o que dizer. Talvez devesse pedir desculpa. Mas nada sai. Eu ainda estou com a mente no nosso beijo. Ela caminha até a porta sem olhar pra trás. E de repente para.
  - Hm... Onde estão meus sapatos e a chave do meu carro?
  Eu poderia prende-la aqui. Ah, era tudo o que eu queria. Mas eu só caminho até o quarto em silêncio e volto com suas coisas.
  - Aqui... Eu não queria fazer nada contra sua vontade, eu sinto muito.
Ela não diz nada, absolutamente nada, só pega as coisas e vai, sem nem olhar para trás.
  Eu fico na porta de entrada, parado olhando para ela vestida na minha camisa, deliciosa, indo embora.

  ****

  Meu dia passa devagar, pensando  nela, pensando o que foi que eu fiz de errado. Com certeza foi o beijo.
Será que eu fui rápido demais?
  Revelo algumas fotos, edito outras, mas, ela não sai da minha cabeça. A noite que passamos juntos, ela tão calma e tão vulnerável ao meu lado, seu cheiro doce e fresco que ficou impregnado na minha cama, no meu lençol e em mim. Nosso beijo que por um instante pareceu infinito. Seus lábios foram os mais macios que já beijei, não consigo parar de pensar em tudo isso. Minha mente vagueia pensando no que teriamos feito se ela não tivesse dito não.
Sim, eu quero transar com ela.
   Mais do que isso, eu quero ama-la, estar com ela.
   São dez e meia da noite, estou sentado olhando algumas fotos que vão para um álbum de casamento, meu celular começa a tocar.
  Será que é ela?
  Meu coração dispara. Olho no visor, mas é a Luísa.
  – Oi Lu – Tento esconder minha frustração.
  – Oi... Gui, você está bem? Parece nervoso. – É, eu não consegui esconder.
  – Estou sim, eu só tive alguns problemas no trabalho. – Minto. – E você, está bem? Você nunca me liga a essa hora.
  – Pois é, eu estou bem, na verdade ótima, eu consegui vender todas as peças da minha exposição, não sobrou um quadro sequer! Você acredita nisso?!
  – Que maravilha! Parabéns Lu, você é muito talentosa, eu já esperava isso.
  – Eu não teria conseguido sem toda a sua ajuda, as nossas viagens inspiradoras. Por falar em viagem, é sobre isso que eu quero falar com você. – Ela faz uma pausa – Bem, eu consegui uma grana muito boa com as vendas e, eu estava pensando em fazermos uma viagem, pra onde você quiser, sei lá, um lugar novo, por um tempo, e então o que você acha?
Merda. Como vou sair dessa?
  – Lu, você sabe que eu adoro viajar com você mas, eu estou tentando refazer a minha vida, com trabalhos novos, coisas novas, já conversamos sobre isso, você sabe.
  Nós ficamos em silêncio por alguns segundos e ela respira fundo antes de dizer o que me faz parar brevemente de respirar.
  – É ela não é? A garota que você levou na galeria, com cara de riquinha fresca. Ela é a coisa nova em que você está se dedicando? – Ela destaca as palavras "coisa nova."
  Está tão óbvio assim?
  – Lu, isso não é da sua conta, eu sinto muito. Eu tenho certeza que você pode arrumar outra pessoa para ir.
  – Tanto faz, pelo visto, eu não sou mais importante na sua vida, você me usou para superar a Marina e agora arrumou outra, mas olha Guilherme, quando ela for embora, e eu sei que ela vai, eu não vou mais estar aqui e levantar você, cansei de ser só um apoio e depois descartada quando você não precisa mais de mim.
  Ual.
  Ela fica em silêncio por um tempo e, quando eu respiro para respondê-la, ela desliga o telefone.
  Eu sei que em partes ela tem razão, eu meio que usei ela pra esquecer a Marina, mas eu pensei que isso tinha acabado quando deixei claro que nós só seríamos amigos, mas ela nunca me entende.
  É melhor parar de pensar nisso, eu volto ao trabalho.
  Já é quase meia-noite, vou tomar um banho e deitar, esse dia foi longo, bem longo, primeiro o furacão da Evie, e depois o desabafo da Luísa, nada mais falta para meu dia ser mais louco.
  Saio do banho e quando entro no quarto, ouço batidas na porta.
  Não acredito que a Luísa vai querer levar essa briga adiante, merda.
  Eu abro a porta e tudo some, o meu ar, o meu sangue, e tudo que estava na minha cabeça.
  Evie.
  Completamente molhada, em um jeans e uma camisa branca, que parece ser parte de um pijama, cabelos escorrendo no rosto e uma expressão perdida nos olhos, uma expressão que eu já vi antes.
  Merda, ela está bêbada de novo.
  – Eu acho que deixei meu celular aqui...
 
 
 
 

 
 
 

Da dor ao amorOnde histórias criam vida. Descubra agora