Camisetas e beijos longos

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Evie

Minha cabeça dói muito, porque há tanta luz nesse quarto? Quem abriu as janelas?
Quando meus olhos se abrem e tomam consciência de que não estou na minha cama, muito menos no meu quarto, eu dou um pulo da cama, como eu vim parar aqui? De quem é essa casa?
Eu escuto vozes vindas de fora do quarto, talvez música, não tenho certeza. Eu estou vestindo uma camisa branca enorme, que se transforma em vestido quando eu fico de pé. Olho ao redor procurando minhas roupas, nem sinal delas. De repente o Guilherme invade o quarto sem nem ao menos bater na porta, eu corro para cama tentando esconder minhas pernas nuas no lençol branco.
- Oh, me desculpe Evie, deveria ter batido, é força do hábito, esse é meu quarto afinal. - Ele veste uma calça de moletom cinza e uma camisa branca igual a que eu estou vestindo, seu cabelo está molhado e sua expressão é bem relaxada, mas seus olhos escurecem quando ele me vê.
- Não, tudo bem, esta é sua casa... - Eu fico em silêncio olhando para ele esperando que ele me diga o que eu estou fazendo com suas roupas na sua cama, e onde estão minhas roupas, mas ao invés disso ele fica me analisando como se eu fosse uma pintura numa bela moldura.
- Então... - Eu quebro o silêncio desconfortável entre nós - O que exatamente aconteceu ontem?
- Ah, nada demais, quer dizer, você bebeu alguns drinks, ou muitos e, desmaiou em cima de mim quando estávamos fumando. Eu te trouxe pra cá usando seu carro, já que eu não sabia onde você morava. - Ele narra na maior tranquilidade, com uma expressão totalmente impassível.
- A gente... - Minha voz some - A gente não... Fez nada... Não é?... - Diga que não, diga que não, diga que não.
- Não, nós não transamos.- Ele ri e se senta na beirada da cama - Na verdade, quando chegamos você acordou e viu seu vestido todo sujo de vômito então, viu minha camisa na cadeira e você mesma se trocou. Eu nunca faria nada com você naquela situação Evie.
Que situação?
- E onde estão minhas roupas?
- Estavam sujas de vômito então coloquei pra lavar.
  Merda.
- Olha, eu estou realmente faminto, e vim te convidar para se juntar a mim no café, ou ele vai esfriar. Alí naquele armário, na última gaveta tem umas roupas da minha irmã, você pode usar o que quiser, tenho certeza que irá servir, e então a gente conversa sobre a noite passada, tudo bem? - Ele parece tão radiante, seus olhos brilham refletindo a luz do sol que entra pela janela, seu sorriso é fraco e charmoso, quem recusaria um pedido com um sorriso desses?
- Tudo bem. - Eu faço uma pausa, ele sorri, se levanta e caminha em direção a porta do quarto - E, Guilherme, me desculpa tá bom, por qualquer besteira que eu fiz ou disse, eu não costumo fazer esse tipo de coisas.
- Eu percebi. - Ele se vira e diz olhando em meus olhos, e sorri, um sorriso bem divertido, é claro, ele está rindo de mim.
Ele sai do quarto e eu desço da cama novamente, vou até a gaveta que ele me indicou, e procuro por alguma coisa, todas as roupas são horríveis, rosa, com lantejoulas, estampas de ursos e unicórnios, arcoíris, quantos anos sua irmã tem, seis? Encontro um vestido, ou será uma camiseta longa, eu não sei, mas é a única peça coerente da gaveta, é cinza e a costura da gola e das mangas são pretas, o comprimento é até a metade da minha coxa, talvez um pouquinho mais curto, mas isso tem que servir, me recuso a vestir uma saia rosa combinando com uma camisa rosa com estampa de unicórnio. Saio do quarto e ele está de costas escorado na ilha que divide a sala da cozinha acendendo um cigarro,  ele nota minha presença e se vira.
- Com todas aquelas roupas naquela gaveta, você foi escolher a camiseta que uso pra correr? - Ele me analisa inclinando sua cabeça para um lado.
  Seu olhar é intenso, e eu sei que ele está olhando para minhas pernas e isso me envegonha. Não que eu não use roupas curtas, mas é o seu olhar, só o seu olhar me deixa envergonhada, totalmente sem jeito.
- Desculpa, eu não sabia que era sua, foi a única coisa que considerei vestir, o restante era, digamos, juvenil demais para mim - Ou muito infantil e horroroso - Mas eu posso trocar se quiser.
- Não, não, eu não me importo nenhum pouco, essa camisa ficou muito mais interessante em você do que em mim - Ele dá um trago no cigarro e tem um sorriso discreto em seus lábios, mas seu olhar entrega sua diversão ao ver minhas pernas nuas e minhas curvas salientadas pela camiseta.
- À propósito, onde está minha bolsa?
- Sua bolsa está no mesmo lugar onde você a deixou ontem quando chegou.
Eu olho pra ele confusa, apertando os olhos tentando me lembrar, mas não consigo.
- Você não se lembra não é mesmo?
- Não... — Respondo timidamente.
Ele caminha até o sofá balançando a cabeça e rindo por eu não me lembrar de nada e volta com minha bolsa.
- Aqui está. Aliás, você não deveria beber mais daquele jeito, é perigoso demais. Estou falando sério, pense no que poderia ter acontecido se você estivesse sozinha ou se eu fosse um cara mau.
- Obrigado. Eu sei. Na verdade, como te disse no quarto, eu não costumo fazer isso, muito menos acordar na casa de uma pessoa praticamente desconhecida. E quem disse que você não é mau? Ainda estou analisando isso. - Eu procuro por meus cigarros na bolsa e ele não tira os seus olhos de mim, nós começamos a rir.
- Sente-se aqui e se sirva, o café vai esfriar.
  Começamos a comer em silêncio, ele nunca tira seus olhos de mim, então sem mais nem menos ele começa a rir.
  Rir de mim?
- Que bom que eu divirto você pelo menos, eu só gostaria de saber o que você acha tão engraçado em mim. - Soou petulante e olho para ele enquanto trago meu cigarro até a boca.
- Me lembrei do que você me disse ontem á noite, você me chamou de Senhor Sedutor, quando eu tentei chamar um táxi pra te levar.
Eu engasgo com meu café, ele me olha, divertido, com uma de suas sobrancelhas arqueadas, não posso acreditar que disse isso, que mais coisas estúpidas eu disse?
- Você sabe que pessoas bêbadas costumam dizer besteiras, coisas sem sentido algum. - Mal posso olhar pro seu rosto.
- Hm, então você não me acha sedutor? - Ele faz uma pausa, bate a cinzas do cigarro e da um trago, eu acompanho seus movimentos e pairo meus olhos sobre sua boca e por alguns segundos perco o foco sobre a conversa. - E você está errada, as pessoas quando estão bêbadas, dizem o que não tem coragem de dizer sóbrias. Então, minha teoria é que você me acha sedutor.
Ele se acha, ah pelo amor de Deus, eu estava péssima, não me lembro de nada, gente bêbada faz isso, não é, bebe e diz coisas malucas que não são verdade. Eu fico olhando pra ele sem saber o que fazer, nem o que dizer, o que eu poderia dizer? Sim eu te acho um puta sedutor, meu subconsciente cospe.
- Sinto muito, por ter dito isso. Sinto muito por tudo o que disse e fiz.
- Não sinta. Você não é tão ruim bêbada. - Ele me olha, seu olhar escuro, é tão intenso.
Eu o olho também, séria, ele está de pé agora apagando seu cigarro e deixando no cinzeiro, eu faço o mesmo. A tensão paira sobre nós e ele começa a caminhar, em minha direção, um passo de cada vez bem lentamente, como um leão que se aproxima de sua presa devagar para não assusta-la. Ele para na minha frente, tão perto que posso sentir sua respiração, ele tira a xícara da minha mão e coloca na bancada, nunca abandonando meus olhos, nossos lábios se aproximam, sua mão esquerda viaja pelas minhas costas enquanto a outra se emaranha nos meus cabelos. Nossos lábios se tocam e aquela energia nos invade, suas mãos agora estão na minha cintura quase nos meus quadris me pressionando contra seu corpo, minhas mãos apertam sua nuca, e ele me pressiona contra a parede, suas mãos vão para minhas coxas levantando a camiseta, então meus olhos se abrem, meu subconsciente dá um estalo.
- Não! - Eu o empurro e arrumo a camiseta - Isso não é certo, me desculpa, eu tenho que ir.
Pego minha bolsa, mas quando chego na porta percebo que estou descalça e sem as chaves do carro.
- Hm... Onde estão meus sapatos e a chave do meu carro?
Ele caminha até o quarto em silêncio e volta com ambos na não.
- Aqui... Eu não queria fazer nada contra sua vontade, eu sinto muito. — Eu encaro seus olhos por alguns segundos, eu quero tanto beija-lo, mas não posso, pego minhas coisas e saio porta à fora.
Chegando em casa, encontro a porta destrancada, e eu lembro perfeitamente de ter trancado ela. Oh não, será que alguém invadiu e roubou alguma coisa! Eu entro bem devagar, sem fazer o mínimo barulho, quando chego perto da cozinha dou de cara com Líli procurando algo no armário. Quando ambas nos vimos damos um grito, mas logo caímos na gargalhada quando percebemos que somos nós mesmas.
- Líli, você tá tentando me matar do coração!? Porque você não me avisou que viria?
- Eu tentei. Te liguei várias vezes, te mandei várias mensagens, mas você não me atendeu, nem me respondeu. Onde você estava? - Ela franze sua testa e para apoiada na bancada, conheço esse olhar, ela está desconfiada.
- Como assim aonde eu estava. Eu fui tomar café na Starbucks, onde mais eu estaria? - Eu vou para sala tentando me desviar de seu olhar que não deixa nada passar.
- Evie, eu cheguei ontem a noite. - Ela me segue. Sua sobrancelha está arqueada. Eu fui pega.
Porra.
- Tá, tudo bem, você me pegou... - Faço uma pausa, tentando encontrar um modo de contar tudo resumidamente para ela. - Um cara me chamou pra sair. Fomos em um bar. Eu bebi demais. Ele não sabia onde eu morava então me levou pra casa dele. - Seus olhos brilham, brilho de surpresa e de esperança, um sorriso surge em seus lábios. E ela vai surtar - Antes que você surte, nada aconteceu, nós só dormimos e assim que eu acordei vim embora. Fim da história.
- Santo Deus! Eu não sei o que dizer Evie, isso é maravilhoso, depois de dois longos anos sozinha, sem sair com nenhum homem sequer, você superou tudo! - Ela se senta do meu lado e segura minhas mãos, como se eu tivesse descoberto a cura para o câncer. - Mas me conta, quem é o homem que realizou esse milagre? Ele deve ser um gato não é! Como vocês se conheceram?
Ai pronto, ela vai me bombardear de perguntas e não vai sossegar enquanto eu não disser tudo.
- Líli não exagera, pelo amor de Deus, foi só um cara que eu conheci, não foi nada demais. Ele também não é lá essas coisas, eu só saí com ele porquê não tinha nada melhor pra fazer. - Tomara que ela engula essa história. Se eu disser que é o fotógrafo aí que ela não vai mesmo me deixar em paz.
- Olha, eu vou fingir que acredito nessa sua história de não tinha nada melhor pra fazer - Ela faz sinal de aspas com as mãos - Mas é só porque eu estou brava com o fim da minha lua de mel.
- Oh, é mesmo, vocês não voltariam só no fim do mês e iriam para sua nova casa? - Graças a Deus mudamos o foco da conversa.
- O Alonzo disse que teve uma emergência no trabalho, ele está no Rio de Janeiro, em uma das empresas, para uma reunião  emergêncial. Nós íamos pra nossa nova casa, mas como ele ia viajar pedi para ele me deixar aqui, só que eu acabei ficando sozinha do mesmo jeito, não é mesmo? - Ela me dá um sorriso malicioso e pisca para mim.
- Nossa, deve ter sido horrível ter que voltar tão cedo de Paris.
- Nem me fale, mas ele prometeu que nós voltaríamos.
- Homens... Sempre fazendo promessas que não vão cumprir.
Ambas rimos.
É tão bom ouvir a risada da Líli, senti tanta falta disso, é bom saber que não estou mais sozinha no meu luxuoso, enorme e vazio apartamento.
- Senti tanto a sua falta - Me inclino e encosto minha testa na dela - Sem você aqui somos só eu e a Mall, e o apartamento parece ser bem maior do que ele já é.
- Senti sua falta também - Ela sussurra sorrindo.

****

O sol já está se pondo, e chove lá fora, enquanto eu e Líli assistimos a um filme antigo comendo pipoca e tomando algumas taças de vinho, o efeito é evidente, Líli não para de falar e eu não paro de rir. De repente me vem à mente que eu passei o dia sem ver meu celular, não o ouvi chamando, nem chegando mensagens, me levanto e procuro pela sala, mal conseguindo ficar em pé, subo no quarto para verificar se está na minha bolsa, mas ele não está, procuro pelo quarto e nada. Desço as escadas novamente, procurando pela cozinha, sem sucesso.
- Líli você viu meu celular? Estranho, não ouvi ele tocar nenhuma vez hoje.
- Não... - Ela ri como se eu tivesse acabado de contar uma piada - Vai ver você esqueceu em algum lugar, amanhã a gente procura, vem, o vinho não acabou ainda. — Ela ri, levantando a garrafa e balançando.
O efeito do álcool já está saindo de mim, e eu finalmente me lembro, oh não, merda, será que eu esqueci na casa do Guilherme?! Eu não posso voltar lá, não posso voltar a vê-lo. Volto pra sala ainda pensando no que vou fazer, minha vida está naquele celular, partes do meu novo manuscrito. Tenho certeza que ele ficou com meu celular de propósito, não me lembro de ter tirado ele da bolsa. Líli me serve outra taça de vinho, eu acabo com a garrafa praticamente sozinha, é a coragem que preciso para ir até lá e enfrentar Guilherme, dizer que ele não me atinge com seu charme, nem os seus músculos, e que ele não vai conseguir nada de mim. Eu estou tonta quando me levanto e calço meu par de all stars brancos e pego as chaves do carro na bancada.
- Onde você vai? - Líli pergunta, suas palavras saem quase ilegíveis.
- Vou buscar meu celular, não me espere voltar.
- Nessa chuva? É melhor você correr. - Ela está rindo muito.
E eu dou uma risada pra ela.
  – Líli, pare de beber e vá dormir, OK? – Eu digo preocupada caminhando até ela e beijando sua testa.
   Ela ri, e não diz nada.
   Líli consegue ser mais fraca do que eu para beber.
Saio porta à fora, a chuva está tão gelada os pingos caem fortes nas minhas costas. No carro durante o caminho eu repasso as coisas que vou dizer a ele, quem ele pensa que é, pra rir de mim, me beijar sem minha permissão e ainda pegar o meu celular só pra que eu fosse lá. Eu sabia que ele era um cretino. As ruas estão desertas.
Já é quase meia-noite quando vou chegando perto de sua casa, esse cara mora muito longe, eu nao me lembrava disso, parecia mais perto quando fui embora de manhã. O arrependimento bate.
Ah não Evie, você não veio até aqui para acabar amarelando no final, até e enfrente ele.
  Por um lado sinto uma imensa vontade de dar ré no carro e ir embora, mas o vinho me enche de coragem por outro lado, e esse lado é mais forte. Desço do carro, e caminho através da chuva, furiosa e tonta com o efeito do vinho. Bato em sua porta ferozmente, estou encharcada,  bêbada, confusa e com raiva, mas quando ele abre a porta tudo some, minha mente fica em branco quando o vejo. Ele veste uma calça de moletom e uma camisa banca, cabelos totalmente desgrenhados e molhados, provavelmente acabou de sair do banho. Seus olhos se arregalam ao me ver.
- Eu acho que deixei meu celular aqui...

Da dor ao amorOnde histórias criam vida. Descubra agora