Até agora tenho comido todas as minhas refeições aqui em cima para não pegar frio nos corredores e escadas com correntes de ar, mas hoje a sra. Austen disse que eu poderia descer e juntar-me a todos no jantar. A sala de jantar estava cheia quando Jane e eu entramos.
Preciso anotar como a sala estava, apesar de mal tê-la visto nos primeiros minutos, pois estava muito envergonhada para olhar ao redor.
Era uma sala grande, sem carpete nem mesmo tapetes: somente um piso de madeira marcado pelas botas dos garotos. Augusta a teria achado miseravelmente mobiliada. Uma mesa grande feita de carvalho velho e arranhado, ao invés de uma moderna em mogno, ocupava a maior parte do espaço. No lugar de luminárias e de móveis de Sheraton delicados, colocados com bom gosto, contrastando com o moderno papel de parede listrado, como na casa de meu irmão, aqui havia apenas um aparador de carvalho enorme e antiquado, com suas prateleiras, nichos e gavetas , cobrindo uma das paredes apaineladas.
Na cabeceira da mesa estava o sr. Austen, ocupado, fatiando a carne. Ao seu lado a sra. Austen servindo os pratos com carne e acrescentando legumes ao molho. Ao terminar de servir cada prato, Cassandra os carregava, um a um, para os garotos, sentados do lado oposto. Eu ainda não conhecia nenhum dos alunos, exceto Charles, irmão de Jane, mas todos sorriram gentilmente para mim. Parecia haver muitos garotos e senti minhas bochechas ficando bem quentes.
– Sente-se entre mim e Tom Fowle, Jenny. –O sr. Austen sorriu gentilmente enquanto eu me sentava. Notei que Cassandra lançou-me um olhar agressivo. Lembrei-me de Jane contando que a irmã estava apaixonada por esse Tom Fowle, então talvez não gostasse que eu ocupasse o lugar ao lado dele. Talvez ela geralmente sentasse lá entre o pai e o amado. Quando Cassandra terminou de entregar os pratos, foi se sentar no fundo da mesa ao lado de Charles, seu irmão de onze anos. Parecia preocupada e me senti muito desconfortável.
– Está com fome, Jenny? – perguntou o sr. Austen, e respondi que estava faminta. Ele e a esposa ficaram muito satisfeitos com isso e o sr. Austen insistiu em colocar uma fatia extra de carne de cordeiro cozida e rocambole em meu prato para me engordar.
Foi enquanto eu tentava mastigar aquilo tudo que Cassandra, do fundo da mesa, de repente disse:
– Jenny, como conseguiu enviar a carta para a mamãe sobre a doença de Jane? A sra. Cawley não conseguiu entender como a mamãe soube. Na verdade, disse que havia proibido você de escrever.
Engasguei-me com um pedaço de carne e passei os minutos seguintes tossindo enquanto Jane batia em minhas costas e Frank me trazia um copo com água da jarra que estava no aparador. Continuei tossindo um pouco mais que o necessário; esperava que todos esquecessem a pergunta de Cassandra, mas quando tomei o último gole de água, olhei ao redor da mesa e todos, até mesmo os alunos, pareciam estar esperando a minha resposta. Percebi que o assunto já fora discutido – provavelmente enquanto eu estava doente – e agora queriam uma resposta. Não poderia dizer que Becky me ajudara; isso lhe causaria problemas. O que eu poderia dizer? Deu um branco na minha cabeça.
– Ela jogou pela janela para uma bondosa senhora que passava – respondeu Jane as pessoas. Deu um tapinha em minhas costas como uma mãe solícita e disse de forma preocupada: – Não tente falar, Jenny. Vai ter uma crise de tosse outra vez e isso não é bom para você nesse estado.
Todos os garotos começaram a rir e a sra. Austen chamou-lhes a atenção pelo mau comportamento a mesa, e Gilbert East, que é filho de uma baronesa e o grande favorito da sra. Austen, disse alguma coisa impertinente e ela bateu nos dedos dele com uma colher. Então um dos garotos sugeriu que todos achassem uma palavra para rimar com a palavra ''rosa''. Foram dadas várias sugestões e então, a sra. Austen, ali mesmo, criou um longo poema com as frases:
Esta manhã, acordei tranquila e toda prosa
Primeiro esfreguei os olhos, o nariz, assoei nervosa
Coloquei as meias e os sapatos, protegi meus pés, fiquei cheirosa
Todos os garotos ficaram sugerindo várias palavras, tais como "curiosa" e "dengosa", e fizeram tanto barulho e confusão que esqueceram de mim.
– A propósito Jenny, como você enviou aquela carta para a mamãe na noite em que eu estava muito doente? Charles me disse que ela foi enviada na mala de correio da meia-noite; foi ele quem coletou as correspondências naquele dia. – Jane mal esperou fechar a porta atrás de nós quando subimos para nosso quarto após o jantar antes que começasse a me questionar nos mínimos detalhes.
Meu coração palpitava. Encarei Jane. Quase havia me esquecido sobre aquela noite e o perigo pelo qual eu passei, mas agora tudo voltara como uma avalanche em minha cabeça.
– Vamos; conte-me. Não contarei a ninguém. Prometo.
Olhei para Jane desconfiada, mas aceitei. Certamente podia confiar nela.
Então contei toda a história daquela noite, sobre os marinheiros e o homem com a espada e sobre o capitão Thomas Williams.
Jane ouviu boquiaberta e não disse uma palavra até que eu terminasse.
– E a coisa mais romântica que eu já ouvi - disse ela. – É tão bom quanto qualquer coisa que a sra. Charlote Smith escreveu; até mesmo tão bom quanto Ethelinde, a Reclusa do Lago. Como ele era?
Contei-lhe sobre o quanto ele era bonito, sobre seus cabelos negros e olhos castanhos, seu sorriso adorável, suas bochechas salientes e ombros largos. Depois mostrei o desenho que eu fizera.
Jane ficou muito interessada e disse que iria transformar minha história com o capitão Williams em um maravilhoso romance quando terminasse de escrever Amor e Amizade. Disse que quando falo do capitão Thomas Williams minha voz soa como a de Cassandra quando ela fala de Tom Fowle, o que é impossível ser verdade.
Perguntei quantas histórias havia escrito e ela respondeu "Algumas", depois abri a última gaveta de sua cômoda e vi que estava abarrotada de folhas de papel, todas preenchidas com a caligrafia perfeita de Jane.
– E isto aqui? – perguntou ela, jogando metade de uma folha em mim. – Nunca terminei, mas poderia escrever alguma coisa igual para você. Poderia trocar "Sir Williams" para "capitão Williams". Pode colar no seu diário se quiser – já copiei no meu caderno e deixei uma página em branco para terminar uma hora dessas.
**Depois de ficar no vilarejo alguns dias a mais, Sir Williams hospedou-se na casa de um amigo em Sirry. O sr. Brudenell tinha uma bela sobrinha pela qual Sir Williams logo se apaixonou. Mas a srta. Arundel era cruel; preferiu um tal de sr. Stanhope. Sir Williams deu um tiro no sr. Stanhope. A donzela então não havia mais motivos para recusá-lo e se casaram dia 27 de outubro. Todavia...**
Eu li com Jane lendo também por cima do meu ombro, mas ela não parecia muito satisfeita com o texto quando terminou.
– Mudei de ideia – jogue fora; escrevi isso quando tinha apenas treze anos – disse com desdenho. – Escreveria essa história muito melhor agora.
– Não, eu gostaria de ficar com ela – falei. Achei que preferia ter isso do que ter uma história sobre mim mesma e o capitão Thomas Williams. No fundo, creio que estava sentindo que o que preferiria era inventar minhas próprias histórias sobre ele.
Então Jane copiou um pouco mais de sua atual história no caderno e eu escrevi uma carta para Edward-John e Augusta. Tinha acabado de terminá-la quando Jane subitamente disse:
– Você terá que se casar com esse capitão Thomas Williams, Jenny. Seria tão romântico.
Eu ri.
– Jane – disse-lhe – , seria melhor se o capitão Thomas Williams e eu nunca mais nos reencontrássemos. Ele poderia arruinar minha reputação para sempre com uma única palavra indiscreta.
– Bem – disse Jane– , não acredito que voltaremos a Southampton, então deveria se sentir segura.
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Eu fui a melhor amiga de Jane Austen
RandomÉ uma verdade universalmente conhecida que uma garota solteira, de posse de um diário, deve nele escrever todos os seus segredos. Conheça Jenny Cooper, a prima tímida e bonita da inteligente e impetuosa Jane Austen.