Capítulo 6

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Já era tarde da noite, o breu tomava conta do mundo assim como aquele silêncio assustador, mas eu não saberia dizer que horas eram, muito menos a quanto tempo estávamos ali. Não tive uma única noite de sono decente desde o dia que acordei naquela sala com o peito enfaixado, fosse por falta de sono, a estranheza da cama ou os pensamentos que me tiravam a paz.

Mas, por um milagre, cheguei ao mais profundo estado do sono, e um pesadelo veio até mim, roubando-me o resto da noite.

Acordei assustado, sem entender muito bem o que havia acontecido em meu sonho, mas sabendo o que havia causado aquilo. Meu subconsciente estava gritando todos os erros que eu havia cometido ao fazer aquele acordo com os rebeldes. As chances de falharmos eram colossais. Eu estava pondo tudo a perder por agir de forma precipitada, e isso estava acontecendo com uma frequência assustadora desde meu aniversário quando sucumbi ao ciúmes.

Graças àquele homem eu bebi mais do que devia, expus meus sentimentos por Danitria, ela me beijou e não fiz esforço algum para me livrar daquela situação. Desde então tenho falhado miseravelmente em cumprir com minhas obrigações.

No dia em que nossos pais morreram Callaway e April adoeceram, Tommy ainda estava chateado por eles não terem aprovado sua viagem para Grécia e Ric estava próximo de perder a sanidade por problemas com Cassandra, de tal modo que todos achávamos que eles enfim se divorciariam, um ato que, mesmo não dito em voz alta, era apoiado por nossa mãe, e por todos os outros membros da família.

Aparentemente, eu era o único sem algum tipo de crise, o que explica o fato de nosso pai ter me chamado em seu escritório e pediu que cuidasse de meus irmãos enquanto eles estivesse fora, que mantivesse a casa em ordem na medida do possível, e foi o que eu me prontifiquei a fazer desde então. Mantive April protegida contra qualquer um que a fizesse sofrer até quando fosse possível, ajudei Call ao passo que ele se tornava o homem que nosso pai nunca veria, me dispus a acompanhar o progresso de Tommy com a função de herdeiro, até que nosso irmão tivesse seus próprios filhos e apoie Ric na decisão de manter seu casamento, mesmo após Cassandra ter, supostamente, perdido um segundo bebê, mesmo com várias suspeitas contra sua possível primeira grávida, que culminou em um casamento quando Ric tinha apenas dezoito anos, pondo um ponto final no romance nada secreto entre ele e Aliena.

Eu falhei em cumprir com o último pedido de nosso pai. Eu não somente estava incapacitado de cuidar de minha família, como sabotei o casamento de Tommy.

O que poderia garantir que eu não estava fazendo o mesmo ao tentar salvar Danitria ajudando um grupo terrorista a roubar algo que era de meu povo? Estava falhando com Etama, falhando em ser o que todos gostavam de chamar de as garras de nossa nação.

Eu devia cuidar e proteger nosso povo e estava prestes a roubar dele.

Eu só precisava dar um jeito de curá-la, tirá-las dali, voltar para meu lugar como príncipe, e quando isso fosse feito, eu mesmo faria por onde eliminar esses insurgentes e buscaria me redimir com todos os outros.

Mesmo na ausência de luz, me certifiquei de que Evelyn ainda estava dormindo, que ainda estava bem, e passei o resto da noite sentado ao lado da cama, encarando a porta, como se pudesse impedi-los de entrar e fazer algum mal aos dois. Não conseguia ver a luz do dia de nossa cela, mas tenho certeza de que o sol ainda não tinha mostrado as caras quando vieram me buscar, com a informação de que a equipe de invasão estava reunida. Otávio estava à frente do grupo, com outros cinco membros, o que inclui dois caras mais velhos, uma mulher de traços orientais e uma garota de cabelos loiros com uma trança rente ao couro cabeludo. Algo nessa última me era familiar e não demorou muito até que eu descobrisse o que era, não depois do sexto membro do grupo se juntar. Era o homem que vimos no dia do ataque, o que atirou no motorista e nos levou como reféns e a garota, ela era aquela que Danitria havia ajudado a sobreviver na prova da piscina.

E se Danitria soubesse? E se ela fosse um deles?

Afastei esse pensamento com a mesma velocidade na qual deixei ele se fazer presente, enquanto tentava nos dizer como o prédio estava sendo protegido e o que deveríamos fazer para entrar nele. Não disse uma única palavra, não até pegar uma pistola em uma mesa próxima.

— Preciso de munição.

— Sinto muito cortar sua onda, mas não deixamos crianças brincarem com armas — Otávio disse em provocação.

Minha língua coçou para lhe dar uma resposta a altura, não deixando de fora sua aparente aprovação em entregar uma arma em forma de carro nas mãos de uma criança, mas até eu sabia que já havia passado dos limites da última vez. Não era hora para citar a criança e muito menos pôr em risco aquela missão.

— Eu vou precisar de uma arma quando formos para o centro da cidade. Só quero treinar a pontaria — expliquei da forma mais educada possível. — Fazem alguns anos que eu não pratico.

Mesmo não parecendo muito contente com isso, ele me ofereceu algumas balas, que aceitei com um leve aceno de cabeça.

— Sem gracinhas ou desperdícios.

— Pouca munição? — perguntei, arqueando uma das sobrancelhas.

Mas ele nada disse em resposta.

Procurei por um alvo e disparei na direção de uma cadeira. Acertei a perna errada, mas, ainda sim, ainda era parte do alvo. Mira nunca havia sido o meu forte.

— Mas, que merda foi essa? — gritou a mulher dos olhos de pálpebras únicas.

— Olha, a princesa sabe atirar — disse Otávio, antes de se virar e explicar que eu só estava tentando matar a cadeira.

Claro que alguns caras no corredor vieram ver o que havia acontecido, o que apenas serviu para Otávio fazer mais piadinhas às minhas custas.

Tomei um bom banho e um conjunto completo do uniforme das patrulhas urbanas foi deixado em meu quarto. O uniforme verde musgo e não o vermelho que usavam no palácio. Ninguém pensou na possibilidade de me oferecer um pouco de privacidade, já que acreditam que o filho de Evelyn fosse meu, mas ela foi de ajuda com os botões, mesmo que tivesse aproveitado a oportunidade de me provocar ao se manteve virada enquanto eu vestia as primeira peças. Mesmo com as provocações, eu podia ver em seu olhar o quão incomodada estava com aquela situação, mas que não diria nada. E não disse. Tudo que fez foi depositar um beijo gentil em meu rosto, como uma mãe faria, e me desejou sorte.

Jogos da Ascensão II - As Garras de EtamaOnde histórias criam vida. Descubra agora