Capítulo 7

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Um caminhão de carga nos levou até uma quitanda no fim da tarde. Havia soldados por toda parte, em cada um das ruas, o que nunca havia sido normal em tempos de paz.

Paz. Essa era uma palavra difícil de digerir diante do que eu estava vendo. O lixo estava espalhado pela rua, os poucos carros parados na rua estavam com a lataria perfuradas e vidros estilhaçados. Não ousei perguntar aos rebeldes comigo se aquilo havia sido obra deles. Não era difícil imaginar um confronto, da mesma forma que poderiam ter sido civis revoltados com o aparente toque de recolher e interferência militar em seu dia a dia, assim como eu havia alertado Ric que poderia acontecer se cedesse aos apelos do conselho.

De qualquer forma, não importava o motivo direito para aquilo. Etama estava um caos, e isso era culpa das pessoas juntas a mim, que tinham Danitria e Evelyn sob ameaça, e que haveria me ajudar aquela noite.

O modo como fomos recebidos pelo senhor na quitanda deixou claro que ele estava a par do que estávamos por fazer, e ao andar pela venda, vi meu reflexo em um espelho próximo ao caixa. Para minha felicidade e desgraça, a imagem ali não parecia nem um pouco com o príncipe que o povo conhecia. A barba estava por fazer, eu parecia mais magro e um par nada elegante de olheiras alojou-se sob meu olhar. Lembrei-me da orientação de Otávio sobre minha postura. Segundo suas palavras soldados de patrulha comum não são tão 'pomposos' ao andarem por aí. Uma nota mental para evitar chamar a atenção.

Na hora marcada, Otávio, eu e um dos caras mais velhos saímos da quitanda arrastando Beatriz do fundo da loja até o asfalto. Éramos soldados em patrulha, levando uma cúmplice dos rebeldes até o quartel. O cara mais velho assumiu a frente, deixando Otávio arrastar a garota, enquanto Adam saía pelos fundos e ia em direção ao prédio, com o outro membro feminino da equipe.

Beatriz chorava aos gritos enquanto era puxada e a repulsa em meu peito cresceu ao ver sua atuação. Ela era do meu grupo de peças nos jogos. Uma rebelde sob meu teto e eu nem mesmo havia desconfiado.

Seus gritos nos acompanharam por algumas poucas quadras até o prédio do quartel, uma construção de dois andares, que vestia com orgulho as bandeiras da capitania e nação em que vivíamos. Olhei para as janelas do andar de cima, onde ficavam os depósitos para medicamentos refrigerados e onde eu sabia que também estavam as celas para onde supostamente estávamos levando Beatriz. Eles deveria levá-los para lá, prender cada um deles...

— Quem é essa aí? — perguntou um dos homens que guardavam a entrada do prédio.

— Só mais uma rata simpatizante dos terroristas — respondeu o cara mais velho ainda sem nome para mim.

— É mesmo, docinho? — o soldado perguntou a Beatriz, que lhe lançou um olhar em ao assombro e raiva.

— Não encosta em mim, seu porco imundo! — ela gritou em resposta, o que lhe garantiu um tapa na cara.

"Ela merecia isso" eu disse a mim mesmo, mas ainda assim, o sangue em mim ferveu.

— Levem essa daí lá pra cima com os outros — ele disse, pouco antes de cuspir próximo à garota. E eu quis sua língua.

Como eu esperado, era apenas uma base provincial do exército, o que significava que não havia sistema de identificação, tornando nossa entrada ainda mais fácil. Os cantos pareciam repletos de pessoas machucadas buscando abrigo. Mulheres e crianças, pessoas que pareciam ser de camadas altas, largadas ao chão completamente assustadas, e ao invés dos soldados ajudarem, os soldados apenas contribuíam ainda mais com o medo, exibindo suas armas e olhares amedrontadores.

— Quem é essa gente? — perguntei para Otávio.

— Pessoas com medo do lado de fora — sussurrou, e o misto de sentimentos em conflito dentro de mim ficava ainda mais confuso.

Jogos da Ascensão II - As Garras de EtamaOnde histórias criam vida. Descubra agora