O paraíso doméstico durara pouco e Fabrício voltou ao copo com redobrado esmero nos dias que se seguiram ao da prova do talento musical da esposa. Carolina sofria silenciosamente ao ver tão belo jovem findar cada dia na bebida, desgastando um pouco o viço de sua aparência de cavalheiro inglês. Ao mundo externo, aparentava felicidade e graça, principalmente quando recebia visitas, o que fazia muitas vezes sozinha, alegando que Fabrício estava viajando a negócios quando o certo e verdadeiro é que ele estava a farrear em Petrópolis com os amigos. Assim passaram-se os meses e Carolina rasgava-se em preces ao Céus que transformassem aquele martírio em folguedo.
Quando completavam sete meses de convivência mútua diária, que é difere em muito de um casamento de fato, a jovem senhorinha Aguiar recebeu uma notícia que devolveu-lhe algum sorriso ao rosto: um grande amigo da família e seu, o duque de Gravina, fora feito embaixador italiano no Brasil e chegava há pouco em terras brasileiras. O diplomata frequentava a casa dos Duarte na Itália e era o amigo mais próximo que a família tinha naquelas terras, tanto que sua indicação se devia a recomendação do próprio Duarte ao rei italiano.
As primeiras boas-vindas ao novo diplomata deram lugar na chácara dos Duarte. Atendeu a ocasião, toda a gente envolvida com a diplomacia além das figurais locais que não podiam faltar ao baile. Como primogênita do anfitrião, dona Carolina não poderia faltar e Fabrício abriu mão de seus amigos de cristal para estar no evento na companhia da mulher.
Ao adentrarem ao recinto bem iluminado, o olhar de toda gente voltou-se a figura travestida de nobreza de Carolina, que apesar da simplicidade das joias que trazia, caminhava como revestida de ares da realeza com um vestido azul cujo saiote de veludo com uma delicada bainha plissada era coberto por um avental de renda e adornado por um cetim que vinha sob a saia. O corpete deixava o colo e os ombros nus e cobria as demais partes com o mesmo cetim e a mesma renda. Uma pequena flor de laranjeira lhe adornava o busto, ofuscada apenas de um colar de duas voltas de diamantes. Era uma visão impressionante que ainda exalava um perfume de lírios e uma graça natural no sorriso de covinhas. Tanto estava bela que mesmo o indiferente Fabrício sentiu-se como um mero adorno da sua italianinha quando a guiava pelo salão, onde eram saudados pela gente.
- Dio Santo, signora Carolina! - uma voz encorpada ouviu-se logo atrás do casal, fazendo-os tornaram para a elegante figura que se punha ante a eles - Meus olhos devem estar me enganando e fui agraciado com divina presença em minha chegada a esta terra - completou o homem com um tom de galanteio descarado que fazia os seus olhos negros brilharem ante a visão de Carolina.
- Per Dío, Ferdinando.... - riu-se Carolina estendendo a mão para cumprimentar o rapaz que ignorava completamente a existência de Fabrício - Ou devo dizer, Sua Eccellenza, l'ambasciatore...
- Para a senhora, sempre Ferdinando - sussurrou beijando-lhe a mão com gentileza.
- Sendo assim, mio caro, permita-me apresentá-lo ao meu marido, o senhor Fabrício Devereux Aguiar - introduziu assim a jovem o esposo na conversa, voltando a lembrar a presença do mesmo - Meu esposo, este é nosso bom amigo Dom Ferdinando Orsini, duque de Gravina e embaixador do bom reino das Duas Sicílias no Brasil.
Os dois homens se mediram se cima a baixo com um olhar discreto assim que a dama que os unia os apresentou um ao outro. Ferdinando observou o homem que roubara da Itália uma flor inestimável. Já Fabrício, incomodado com algo que nem se atinava o que era, avaliou que o rapaz era muito novo para ser embaixador. Mas ambos se cumprimentaram como manda a educação e trocaram algumas palavras sobre política e outros assuntos, mais sem entrar em muitos detalhes.
Apesar de solicitado por todos ali, afinal era o homenageado, o duque italiano sempre que podia voltava as atenções a Carolina e assim o foi quando os primeiros acordes de um bandolim choraram os primeiros acordes de uma valsa italiana. Com passos elegantes, ele se dirigiu a ela, que representava a família anfitriã, e a tomou para a dança com a autorização contrariada de Fabrício. Embalados pela atmosfera italiana, o par deslizou com elegância pelo salão e todos viram a rara e sempre bem-vinda cena da alegria de Carolina ao valsar. Apesar de robusta, parecia flutuar sob a condução do exímio dançarino, que havia arrancado suspiros românticos até das senhoras há muito casadas.
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Os caminhos da Inocência
Historical FictionBrasil Imperial, meados do século XIX. Carolina e Fabrício foram destinados a se casar antes mesmo que tivessem nascido por uma promessa feita pelos pais de ambos. Todavia, quando finalmente se unem, Fabrício descobre que a mulher que lhe fora dest...