O encontro

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O aniversário de vinte anos de Carolina Gonçalves Duarte em Nápoles, coração do Reino das Duas Sicílias, marcou a sua despedida da vida de solteira para a tristeza dos rapagões napolitanos aos quais sempre agradou a figura robusta, saudável e doce da signorina Carolina. A jovem de estatura baixa e cabelos cor de palha tinha o corpo cheio com quadris bem fornidos e ancas largas e fartas que tanto agradavam os olhos masculinos da velha bota. Seus olhos amendoados e tímidos pareciam irradiar toda felicidade do futuro que a aguardava com seu caro esposo, como chamava melodiosamente a Fabrício. Tal era o seu estado elevado de espírito que mal tinha tempo de ouvir as troças de Maria Pia, Maria Bibiana e Maria Teresa, suas três irmãs mais novas. Junto com a zelosa mãe, ela concentrava todos os seus esforços nos detalhes que faltavam no seu enxoval e na viagem que faria para encontrar seu mais que querido Fabrício.

O rapaz, por sua vez, parecia estar se arrastando para o degredo. Considerava a vida em Londres e as escapadelas a Paris, os anos mais felizes da vida que lhe seriam ceifado por uma decisão para a qual nem ao menos fora consultado. Passara os últimos dias abatido na casa da avó, apenas saindo para afogar suas mágoas em caçadas e bebedeira com os amigos. Agarrava-se, ao menos, à esperança de que a noiva fosse uma moça visualmente agradável, pois como filho de barão e condessa que era, tinha certos padrões a serem mantidos.

Foi ele quem partiu primeiro da velha Europa para a nova vida que o aguardava junto a esposa de quem mal se lembrava no Brasil. Os dias dentro do navio se demoravam a passar e a viagem apenas o aborreceu ainda mais o espírito, tendo desembarcado no Rio, se decidiu subir até Petrópolis para descansar o humor. Ali reencontrou velhos companheiros de Europa, brasileiros como ele que viviam mais fora do que dentro do Império, e aproveitou para sondar sobre a tal sinhazinha dos Gonçalves-Duarte.

- É uma doçura de moça, mas não vai te agradar dela, meu caro - afirmou Rafael Cortes, filho do embaixador brasileiro em Viena - Faz mas o tipo renascentista de beleza do que o seu que é mais esguio. A menina é completa em qualidades e tímida como um botão de rosa.

- O Cortes é diplomático! E te está escondendo que a sua dona é gorda como uma porca, Fabrício - interpelou sem rodeios o capitão de fragata Henrique d'Almeida - Eu a vi no último verão. Roliça feito porquinha que anda se requebrando toda. Não vais gostar nada. Sugiro que já se arranje com uma negra da terra.

- Os dois são extremistas - gracejou por fim o noivo após soltar uma baforada de fumaça de seu charuto. - Um pinta um anjo de quem não irei gostar enquanto o outro borra essa pintura de Botticelli carregando com cores que desgosto. - avaliou o janota sem emoção - Apesar de visões aparentemente opostas, todos iremos concordar que, se a minha esposa é roliça como dizem, já caiu em descrédito comigo.

- Deverias olhar com mais calma, Fabrício - aconselhou o sensato Rafael - Teus olhos sempre foram cheio de conceitos negativos para moças de aparência como a dela, mas nunca se sabe se o espírito dela é o que mais se ajusta com o teu.

- Ora, Rafael, uma mulher que se deixa ficar neste estado só pode ser glutona - e deu o barãozinho início a toda sua filosofia sobre como moças bem servidas de carnes eram gastadeiras, descuidadas, péssimas mães e ainda piores amantes, citou um ou dois autores da moda sobre o assunto e ainda as Escrituras citando as passagens do Evangelho que condenam a glutonaria ao fogo infernal. Os amigos, principalmente Rafael, que concluíram que nada demoveria o noivo daquela ideia fixa, usaram de sua prerrogativa de amigos para fazê-lo beber para que o amargor da vida tivesse ao menos o leve topor proporcionado pelo álcool.

O encontro entre os noivos se deu um dia depois da chegada de Carolina ao Brasil, na chácara do embaixador nas Laranjeiras. Fazia um dia de um verão agradável no qual o vento espalhava pelo ar daquele nobre bairro o aroma das árvores que fizeram sua fama quando os Aguiar foram recebidos pelo casal Gonçalves Duarte.

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