Eram Carolina e Fabrício dois bebês quando o casamento entre os dois foi acertado. Ela, filha do embaixador de Portugal, dom Gaspar Duarte de Sousa, e da rica herdeira gaúcha, dona Bibiana Gonçalves. Já ele era filho do barão de Itapetininga, dom Álvaro Aguiar e da condessa francesa, Helena Devereux. Os dois homens ricos, liberais e maçons se tornaram amigos quando o barão fora estudar as leis na Universidade de Coimbra na mesma turma do futuro embaixador. Desde que a amizade se solidificou, firmou-se o pacto de sangue que os primogênitos que os dois tivessem se uniriam em casamento, selando em família aquele laço produzido nos corredores da velha Coimbra. Os anos passaram e os caminhos se afastaram, mas, na correspondência regular, a chama da promessa feita ardia reinteradamente.
Álvaro foi o primeiro a cumprir parte da promessa. Uma vez em Paris, encantou-se com coquetterrie da condessa Devereux e a reivindicou para si, tomando-a por esposa e gerando com ela um varão: Fabrício. Nosso bom Gaspar, por sua vez, encontrou sua metade nas estâncias de charque dos pampas gaúchos quando visitou o sul do Brasil e com ela produziu a doce Carolina. Quando aconteceu o encontro para apresentarem as esposas e os noivinhos, os dois reafirmaram os votos nupciais dos filhos em segredo para não desagradar as esposas. Tinha na época, Fabrício, dois anos e Carolina, seis meses. Naqueles anos felizes, Duarte fora elevado ao cargo de embaixador de Portugal no Brasil e se instalara não muito longe da residência do amigo Aguiar, agora barão de Itapetininga por conta dos muitos cafezais e do vantajoso casamento com uma nobre francesa. E por anos, a vida das duas famílias foi alegre com uma amizade saudável entre os futuros pombinhos geminando nas brincadeiras infantis.
Em dado momento da carreira, o reino português transferiu seu embaixador de terras tupiniquins para território italiano e a família Duarte-Gonçalves, agora com três mocinhas além de Carolina, partiu para o Reino das Duas Sicilias. A essa altura, os compadres selaram a promessa por escrito e registraram junto a um tabelião e a um padre para que nenhum voltasse a atrás no juramento. Carolina tinha oito anos quando partiu para a Itália deixando Fabrício com dez ano Brasil.
Quando completou 12 anos, o "barãozinho", como o menino ficou conhecido, foi enviado para ser educado a moda inglesa com a avó materna que vivia exilada nas terras da rainha Vitória, deixando para trás sua inconsolável mãe, dois irmãos e um pai orgulhoso.
A distância entre Aguiar e Duarte foi novamente preenchida com cartas e as mais importantes foram as que relatavam a recepção das esposas quando ambos dividiram o plano sobre os filhos mais velhos. "Helena esbravejou de início, pelo fato de ter entregado a mão de um filho que nem sabia se teria, mas acalentou-se o coração de minha francesa com a norinha graciosa que há de ser nossa Carolzinha", relatou Aguiar. "Bibiana fez a casa estremecer em gritos e atirou a parede aquele par de vasos que Helena sempre gostou tanto. A tinhosa desceu aos Pampas para lamentar-se a velha harpia, sua mãe [...] Ao fim e ao cabo de um mês, já chamava nosso barãozinho de filho e desfiava terços e rosários pela saúde do manganão", escreveu Duarte. Os dois homens estavam satisfeitos por terem logrado êxito até aqui. Agora, já se acertavam para oficializar a união antes que os nubentes se encantassem por outros olhos. Portanto, reuniram-se Duarte e Aguiar na bela Paris e fizeram o casamento por procuração com uma ajuda do embaixador brasileiro ali. Juntos saíram a comemorar sob a promessa de que quando os pequenos já tivessem passado dos vinte, seriam unidos fisicamente como marido e mulher no Brasil, como manda a tradição.
Não podendo esconder mais dos pequenos a mudança que se operou no estado civil, os pais informaram como coisa certa aos filhos e receberam reações diversas. Carolina, inspirada pelos ares românticos, passou a suspirar o nome de Fabrício pelos cantos do palazzo onde vivia. Cantava sonetos e lia poesias pensando no marido de quem nem lembrava, mas por quem já nutria o mais profundo afeto. As três irmãs mais novas troçavam dela dizendo que nenhum homem haveria de querer uma esposa com forma física de um suíno. Por outro lado, Fabrício se rebelou contra o pai e jurou ir ao Papa se a sandice de casar com uma que nem conhecia prosseguisse. O pai lembrou que estava feito e o nosso janotinha apenas rezou que o Olímpo tivesse o presenteado com uma esposinha delicada de pequena estatura como ditava a moda da época.
Assim, as rédeas da vida lhe foram tiradas de súbito e os dois jovens passaram a se preparar para o encontro que se avizinhava e que duraria pelo resto de suas vidas.
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Os caminhos da Inocência
Ficción históricaBrasil Imperial, meados do século XIX. Carolina e Fabrício foram destinados a se casar antes mesmo que tivessem nascido por uma promessa feita pelos pais de ambos. Todavia, quando finalmente se unem, Fabrício descobre que a mulher que lhe fora dest...