- Dona Carmen é tinhosa, sinhô...- falava o negro que eu estava servindo Fabrício no quarto da estalagem onde havia se hospedado.
- Bem que percebi, Chico... - resmungou o jovem aborrecido com aquele obstáculo surgido. - Tem que ter alguma maneira de falar com Carolina.
- Sinhá Carolzinha costuma sair cavalgando com a Maria por ai, seu Fabrício...- o tom de Francisco era sugestivo e fez Fabrício sorrir com uma ideia se formando na cabeça a qual tratou de por em marcha de imediato.
Carolina passou a noite em claro depois de ter levado um sermão intenso da avó que vociferava que se ela fraquejasse e perdoasse o marido, não seria mais sua neta. Tanto que assim que o dia surgiu, ela tomou o café da manhã antes que a avó acordasse e saiu a caminhar pelos prados verdejantes da estância. Fazia-o sozinha para ter tempo de avaliar aquilo que ia em sua cabeça e em seu coração depois da subita e inesperada aparição de Fabrício. Na sua caminhada, já se afastara o suficiente da propriedade, embrenhando-se por entre um bosque de árvores espaçados que exalavam aromas do campo que tanto a acalmavam. Distraíra-se de tal forma que mal ouviu passos atrás de si logo que entrou no bosque.
- Carolina... - a voz conhecida a interpelou logo atrás de si. Parecia mansa quase saudosa a voz do marido ao chamar pela esposa.
- Vá embora, Fabrício - ordenou sem deter-se ou olhar para trás - Já não tens nada comigo!
- Sou teu marido! - insistiu o rapaz arfando por não ser dado a longas caminhadas.
- Ah é? - virou de chofre a menina com algo de raivoso no olhar - Deveria ter pensado nisto antes de ter tratado a mim como um objeto...um vaso a quem se ganhou de herança indesejada e quer se descartar por algo mais valioso. Não sou tua mulher, signore Aguiar! Nem sou tua! Vai-te embora!
- Mas eu a quero, Carolina... - confessou por fim pousando o olhar naqueles olhos da esposa que brilhavam de raiva - Eu a quero como minha.
A jovem estava parada logo a sua frente e tinha a face rubra, mas ele sabia que não era de timidez. A extensão da ferida que Fabrício lhe causara da alma podia ser ouvido na voz que saía pronta a causar a mesma dor. Algo na postura, antes sempre submissa e passiva, havia mudado. Agora, parecia senhora de si com o queixo imperioso sempre erguido e a expressão que não era afável.
- O senhor já teve sua chance. - pontuou com frieza na voz apesar do coração se aquecer com aquele pedido da alma de Fabrício - Já me tiveste e agora, estou perdida para si. Se não der entrada na anulação, eu lha darei. Espero que me tenha entendido. - conclui colocando um fim na altercação, voltando a se embrenhar no bosque cada vez mais. Carregando em si a ferida mexida por Fabrício em latente dor em cada passo da caminhada. Fabrício observara a figura da esposa se esvaindo do olhar até perder-se de vista e tinha a cara de assombrado como se tivera tido uma visitação de um ser mágico. As palavras rechaço da mulher foram ditas com dureza, mas a esperança de Fabrício era que, no fundo do peito, Carolina ainda guardasse algum carinho por si, ainda que este estivesse ferido pelo seu comportamento pouco digno. Voltou para estalagem e pediu que Chico lhe ajudasse num novo plano para ter com a mulher a sós.
A noite subiu serena e silenciosa nos pampas gaúchos e, assim que o manto escuro se firmou no céu, os dois rapazes saíram a cavalo da estalagem, seguindo no caminho da estância de Dona Carmen. O céu estrelado sem lua se estendia através do horizonte que se confundia com os prados escuros e toda a vegetação. Apenas os contornos de algumas propriedades surgiam destacados ao longe como massas escuras com olhos incandenscentes pelas lamparinas e velas acesas no interior. O maior deles era a Estancia Santa Maria do Sul, cujas janelas já não se iluminavam revelando que seus moradores já tinha ido se deitar. Cuidando para que não fossem ouvidos, Fabrício e o negro Francisco apearam do cavalo fora da propriedade, deixando-os amarrados num arbusto baixo, e cobriram o restante do caminho a pé.
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Os caminhos da Inocência
Historical FictionBrasil Imperial, meados do século XIX. Carolina e Fabrício foram destinados a se casar antes mesmo que tivessem nascido por uma promessa feita pelos pais de ambos. Todavia, quando finalmente se unem, Fabrício descobre que a mulher que lhe fora dest...