Capítulo 1

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Luna

O barulho ensurdecedor do despertador ecoa no meu quarto . Droga! Nunca pensei que acordar fosse tão difícil quando se passa a noite inteira perdida em pensamentos . Meus pés tocam o carpete cor creme do meu quarto. Abro os olhos na tentativa inútil de parecer disposta a aguentar mais um dia com o Sr.Phelps ,direcionando palavras relacionadas à responsabilidade. Respiro fundo e enterro os pés nas pantufas brancas,  me direciono até o banheiro e faço de tudo para me despertar .  Depois de longos minutos embaixo do chuveiro,  seco meus cabelos castanhos, que me cobrem como um manto, por fim, visto meu vestido floral que vai até antes do joelho . Após meu mantra matinal,  me dirijo para fora da minha casa . Era uma casinha simples e escondida no meio de árvores, era rústica e aconchegante . Mas ,  ao desviar dos longos ipês e árvores de caules grossos , me deparei com casas que exalam dinheiro e luxo . Passo pelo lago que abriga uma biodiversidade de peixes , minhas sandálias baixas fazem me sentir confortável nessa manhã de domingo . Em plena 7 horas da manhã,  todos os ricos playboys e patricinhas dormiam, e eu estava indo para o inferno do Senhor Christopher . Ao atravessar uma quadra vejo uma casa cor creme com dois Aston Martin na garagem, um jardim perfeitamente alinhado e uma porta colossal na minha frente .  Respiro fundo e caminho até a maçaneta, giro e entro . O cheiro de café me leva para a cozinha moderna e cercada de móveis planejados. Vejo a cafeteira com uma xícara branca , me direciono até ela e tomo um gole . Quando estou direcionado minha boca para a borda da xícara novamente , uma voz grave me assusta. 

- Não era seu , mas tudo bem . Espero que tenha vindo para saber como está sua empresa .

Ainda de costas sinto seu olhar queimando minha nuca. Me encorajo a falar novamente a mesma frase de toda manhã. 

- Vim apenas pegar café e ser uma boa filha, nada mais .

Ao virar para olhar o homem alto , grisalho e com olhar superior, vejo meu pai . Christopher Phelps , o culpado pela minha insônia.

- Você sabe que terá uma aposentadoria de sapatilhas de ballet em breve , Luna. 

Reviro os olhos e ignoro o fato que devo ter cuidado com a distância segura desse homem que me atormenta .

- Você não vai fugir para sempre , Lua. 

Lua , era a maneira que minha irmã me chamava . Meu pai , sabia como eu me sentia quando dirigia a palavra a mim dessa forma . 

- Não quero nada que venha dessa fonte de dinheiro suja. 

Me refiro à empresa destruidora de lares , a grande The Phelps . A empresa de medicamentos me deu uma vida repleta de limites depois que levou minha mãe e Eva para um lugar distante. 

- Você sabe que é “ dessa fonte de dinheiro sujo” que pago todas as suas irritantes aulas de dança e manutenção de um salão que devia ser destruído. 

Tem como odiar mais um homem ? Estou analisando se tem. Me contenho para não revirar os olhos. 

- Você me demitiu do meu emprego,  não tenho como pagar já que não me deixa trabalhar .

Não entendo porque ainda tento ser filha de um monstro.

- Você pode ser uma CEO e preferiu ser uma copeira no bar da esquina de um bairro imundo ?

Ele se referiu ao meu último emprego que ele fez um escândalo ao me encontrar vestida de copeira com molho de tomate nos bolsos do avental. Era minha tentativa de independência e escravidão de uma vida sem amor que eu vivia . Mas , que foi retirada após um sujeito invadir e me arrancar de lá a força. Meu pai , não me deixava trabalhar e me atormentava sempre na tentativa de passar a gerência da empresa como única responsabilidade,  já que era a única herdeira. 

Após o comentário ridículo do meu pai , decidi sair dali após esvaziar a xícara de café sob o olhar atento e bravo de Christopher . 

Ignoro a sua reação ao deixá-lo sozinho com seus pensamentos . Não vou sentar em uma cadeira de couro quando posso voar com sapatilhas, não vou ser CEO. Repito isso todos os dias quando passo pela casa ridiculamente grande que eu deveria morar , mas não suporto viver sob o teto de um assassino . 

Volto para minha pequena casa com móveis rústicos. Abri todas as janelas laterais , permitindo a ventilação passar pelos pequenos cômodos.  Esse foi meu refúgio após tudo desmoronar na minha cabeça.  Vou preparar minha bolsa , pego os cartões de crédito,  minhas sapatilhas e troco a roupa por legging preta e uma camiseta branca . Ao pegar todo o material de ballet, vou para o salão mais lindo e que me ajuda a sonhar . Ele fica a duas quadras depois da casa de Christopher. Faço o trajeto pensando em como será a minha vida e por quanto tempo poderia fazer o que amo . Chego em um salão com janelas de vidro ,um espelho que vai até o topo de uma parede de 40 metros quadrados. Esse canto me lembra dos passos da mulher que me inspirou a dançar, a senhora Dalila, minha mãe. Ela tinha por volta de 1,60 m de altura e pesava o suficiente para ter um corpo perfeito após 2 gestações indesejadas e completamente conturbadas . Minha mãe casou aos 18 anos,  após engravidar de mim , quando teve um romance com um jovem de 20 anos que se drogava e bebia com o grupo dos ricos e bem sucedidos da cidade. Dalila conheceu Christopher , para ela Chris, na escola que era bolsista e ao se encantar com sua beleza e viver uma primeira noite que lhe deu uma gestação,  foi obrigada a casar e Christopher , que em seguida, tornou Christopher o herdeiro legal da empresa da família após a morte do seu pai . Foi em um mundo de um homem drogado e uma mulher que amava dançar ballet que eu cresci . Vivi meus primeiros anos em casas diferentes e em países diferentes , fui educada por professores que vinham até a minha casa todos os dias e em todos os países.  Viver cercada de pessoas que te tratam como uma boneca de porcelana é irritante.  Não podia sair para brincar , pois todos diziam que poderiam usar as crianças para  entrar na nossa casa e espionar  nossa rotina para nos fazer algum mal pela noite . Mesmo a casa cercada de seguranças,  minha família temia assaltos e sequestros,  me limitando de pisar fora de casa .Minha mãe engravidou quando eu tinha 10 anos , Eva nasceu e se tornou uma esperança de ter alguém para dividir minha solidão na grande prisão que era minha casa . Mas, isso foi tirado de mim da maneira mais brutal que existe . 

Meus olhos marejados varrem o lugar que eu pude ser livre quando minha mãe o criou para sua diversão.  Eu , ela e Eva vínhamos aqui todos os dias , onde eu aprendi a rodopiar e calçar sapatilhas de ponta. Minha mãe deslizava ao som de música clássica,  encenando a arte corporal da dança . Eu ficava sonhando quando ia ser como ela . 

Uma breve lágrima escorre ao lembrar do sorriso dela e da sua voz dizendo : “ jamais coloque o dinheiro acima dos seus sonhos , Lua”. Sento naquele chão frio e aciono o som de expectation . Meu corpo se ergue e começo meus passos me conectando ao ritmo . Eu faço faculdade de dança,  estou terminando o último período.  Ensaio todos os dias para a apresentação que definirá se poderei ser formada , me dedico aos exercícios e a aperfeiçoar os passos da minha única apresentação solo que será daqui a 4 meses . 

Após ensaiar várias vezes a coreografia , vou para a academia , depois para casa onde faço minha comida e passo a tarde lendo um livro até cair no sono .

Tenho que mudar minha vida, não posso terminar como Christopher. Não posso ser mais uma que vai respirar trabalho, soberba e medo ? Mas algo em mim estava me revirando de ansiedade, será que vou transformar minha vida ? Mas sozinha ? É difícil sair do fundo do poço quando não tem quem te faça ter vontade de submergir novamente . 

Sapatilhas da MáfiaOnde histórias criam vida. Descubra agora