Era uma vez (parte 2)

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Uma das coisas que Alex e Conner mais ansiavam quando pequenos era visitar a avó. Ela morava nas montanhas, no meio de uma floresta, em uma pequena casa que poderia bem ser descrita como um chalé, se é que isso ainda existia.

A viagem era longa, algumas horas de carro, mas os gêmeos adoravam cada minuto do passeio. A ansiedade crescia conforme subiam as estradas repletas de curvas e árvores, e, quando eles cruzavam a ponte amarela, exclamavam exultantes:

– Estamos quase chegando! Estamos quase chegando!

Ao chegarem, a avó os recebia na porta, de braços abertos, e os abraçava tão apertado que eles sentiam como se fossem explodir.

– Vejam só vocês dois! Cresceram quase um palmo desde que nos despedimos da última vez! – exclamava sempre, mesmo que não fosse inteiramente verdade, e, em seguida, conduzia-os para dentro, onde uma assadeira cheia de biscoitos recém-saídos do forno os esperava.

O pai dos gêmeos, que cresceu na floresta, passava horas a fio contando-lhes suas aventuras de criança: todas as árvores em que subiu, todos os rios em que nadou e os animais ferozes dos quais tinha escapado por pouco. Alex e Conner sabiam que o pai aumentava, exagerava a maioria das histórias, mas adoravam esse tempo que passavam juntos mais que tudo no mundo.

– Um dia, quando forem mais velhos, vou levar vocês a todos os lugares secretos onde eu costumava brincar – atiçava-os o pai. Era um homem alto, com olhos bondosos que enrugavam quando sorria, e ele sorria bastante, principalmente quando provocava os gêmeos.

Toda noite, a mãe das crianças ajudava a avó a preparar o jantar. Após a refeição, assim que terminavam de lavar a louça, todos se sentavam ao pé da lareira. A avó abria seu imenso livro de histórias e se revezava com o pai na leitura dos contos até que os gêmeos dormissem. Às vezes, a família Bailey ficava acordada até o nascer do sol.  

Eles narravam os contos com tamanha paixão e riqueza de detalhes que, para os pequenos, não importava ouvir a mesma história várias vezes. Aquelas eram as melhores lembranças que qualquer criança poderia ter.

Infelizmente, já fazia muito tempo que os dois irmãos não voltavam ao chalé da avó...

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– Senhor Bailey! – gritou a Sra. Peters. Conner havia cochilado de novo.

– Desculpe, senhora Peters! – berrou de volta o rapaz, aprumando-se na cadeira e assumindo a postura de um soldado em alerta.

Se olhar matasse, Conner teria caído duro com a carranca da Sra. Peters.

– O que vocês acharam da verdadeira Chapeuzinho Vermelho? – perguntou a professora à classe.

Uma garota de cabelo crespo e aparelho nos dentes levantou o braço.

– Senhora Peters? – a garota chamou. – Estou meio confusa.

– Sobre o quê? – perguntou a professora. – O que a deixou confusa?

– Aqui diz que o Lobo Mau é morto pelo caçador – disse a aluna. – Eu sempre pensei que o lobo estivesse bravo porque os outros do bando tiravam sarro do focinho dele e que ele e Chapeuzinho tinham ficado amigos no final. Pelo menos é o que acontece no desenho que eu via quando era pequena.

A Sra. Peters revirou tanto os olhos que talvez tenha conseguido ver o fundo de seu cérebro.

– Esse – disse ela com os dentes cerrados – é exatamente o motivo pelo qual estamos tendo esta aula.

A garota então arregalou os olhos e foi tomada por uma tristeza. Como algo que fazia parte da sua doce infância podia estar tão errado?

– Lição de casa – disse a Sra. Peters, e a sala inteira se afundou na carteira ao mesmo tempo. – Escolham seu conto de fadas predileto e escrevam um trabalho sobre ele, para amanhã, dizendo qual é a lição por detrás da história.

A Sra. Peters voltou à sua mesa, e os alunos se apressaram em começar a tarefa, tentando aproveitar o pouco tempo que ainda restava da aula.

– Senhor Bailey? – a Sra. Peters chamou-o à frente. – Uma palavrinha.

Conner estava em apuros e sabia disso. Levantou-se cuidadosamente e caminhou em direção à mesa da professora. Os outros alunos lançaram-lhe um olhar de pena, como se ele estivesse  caminhando rumo ao seu carrasco.

– Pois não, senhora Peters? – perguntou Conner.

– Conner, estou tentando ser bastante condescendente com sua situação familiar – disse a Sra. Peters, olhando-o por cima da armação dos óculos.

Situação familiar. Duas palavras que Conner tinha escutado repetidas vezes naquele ano.

– Porém – continuou a Sra. Peters –, não irei tolerar certos comportamentos em sala de aula: seus cochilos constantes durante as aulas, sua falta de atenção, sem contar seu desempenho fraquíssimo nas provas e atividades. Sua irmã está se saindo bem. Talvez você pudesse se espelhar nela.

Toda vez que ouvia aquela comparação, era como se levasse um soco no estômago. Conner não era parecido com a irmã em nenhum aspecto e era sempre punido por isso.

– Se essa atitude continuar, serei obrigada a agendar uma reunião com a sua mãe, está me entendendo? – advertiu a professora.

– Sim senhor... Quer dizer: "senhora"! Eu quis dizer "senhora"! Me desculpe.

Definitivamente, não estava em seu melhor dia.

– Ok, então. Pode se sentar.

Conner voltou lentamente e cabisbaixo para sua carteira – mais cabisbaixo do que estivera durante toda a aula. Não havia nada que ele odiasse mais do que se sentir um fracasso.

Alex acompanhara toda a conversa entre o irmão e a professora. Por mais que Conner a envergonhasse, ela se compadecia dele de um jeito que só uma irmã podia fazer.

Alex folheou o livro de literatura tentando decidir sobre qual história escreveria. As figuras não eram tão coloridas e felizes como as do livro da avó, mas olhar todos aqueles personagens que ela cresceu lendo a fez sentir-se em casa, uma sensação que recentemente havia se tornado rara.

"Se esses contos de fadas pudessem se tornar realidade...", pensou consigo mesma. "Alguém poderia agitar uma varinha, e magicamente as coisas voltariam a ser como antes."

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