O caminho mais longo para casa (parte 1)

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– Estou tão empolgada com a tarefa – disse Alex a caminho de casa.

Conner já estava acostumado a escutar comentários desse tipo da irmã; eram a deixa para ele simplesmente parar de escutar.

– A senhora Peters tem razão por um lado, sabe? – ela continuou, falando desenfreadamente.

– Pense em tudo que perdem as crianças que não conhecem contos de fadas! Não é terrível? Você não tem pena? Conner, está me ouvindo?

– Pode crer – mentiu Conner. Sua atenção estava voltada para uma concha de caracol abandonada, que ele chutava pela calçada.

– Dá para imaginar uma infância sem todos aqueles personagens e lugares? – continuou Alex. – Temos muita sorte de o papai e a vovó terem feito questão de ler para nós tantas histórias quando éramos pequenos.

– Sorte demais... – anuiu Conner, sem saber direito com o quê acabara de concordar.

Todos os dias depois da escola, os gêmeos voltavam a pé para casa. Moravam em um bairro bonito, cercado de outros ainda mais charmosos, que, por sua vez, eram circundados por uma série de bairros igualmente agradáveis. Era um mar de residências; as casas eram semelhantes, mas, ao mesmo tempo, cada uma tinha características únicas e diferenciadas.

Para matar o tempo durante a caminhada, Alex dizia ao irmão tudo o que passava pela sua cabeça: o que estava pensando no momento, suas preocupações, um resumo de tudo o que havia aprendido no dia e o que planejava fazer assim que chegasse em casa. Por mais que essa rotina diária irritasse Conner, ele sabia que era a única pessoa no mundo com quem Alex conversava, então se esforçava ao máximo para ouvi-la. Mas escutar nunca fora o forte de Conner.

– Como é que eu decido sobre qual história vou escrever? Escolher é tão difícil! – Alex falava com entusiasmo, batendo palmas de tanta excitação. – E você, já decidiu?

– Hum... – resmungou Conner, tirando os olhos do chão. Ele teve que repassar mentalmente toda a conversa para adivinhar o que a irmã perguntara.

– "O Menino e o Lobo" – disse ele, mencionando o primeiro conto que lhe veio à mente.

– Não pode ser esse! – rebateu Alex, balançando a cabeça. – Esse é o mais óbvio de todos! Você tem que escolher um mais desafiador, para surpreender a senhora Peters. Se eu fosse você, escolhia algo com uma mensagem escondida no fundo da história, e não um conto tão evidente.

Conner suspirou. Era bem mais fácil concordar com Alex do que discutir com ela, mas o debate às vezes era inevitável.

– Está bem, então eu mudo para "A Bela Adormecida" – decidiu.

– Interessante – disse Alex, intrigada. – E qual é, para você, a moral da história?

– Não irrite seus vizinhos, eu acho – disse Conner.

Alex soltou um grunhido em discordância.

– Sério, Conner! Essa não é a moral de "A Bela Adormecida" – repreendeu.

– Claro que é – disse Conner. – Se o rei e a rainha tivessem convidado a feiticeira maluca para a festa da filha, lá no começo da história, nada daquilo teria acontecido.

– Eles não tinham como escapar do que aconteceu – disse Alex. – Aquela feiticeira era má e provavelmente teria amaldiçoado a pequena princesa de qualquer forma. "A Bela Adormecida" é sobre a tentativa de evitar o inevitável. Os pais fizeram de tudo para proteger a princesa, mandaram destruir todas as rocas do reino. Ela foi tão protegida que não aprendeu a noção de perigo, então espetou o dedo no primeiro fuso que viu na vida.

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