E aqui estou, a caminho do Distrito 12, para realizar a Colheita da septuagésima quarta edição dos Jogos Vorazes. Finalmente.
Quando saio do trem, fico num escritório do Edifício Da Justiça onde sempre espero com Haymitch o início do evento. Porém, já estou me dirigindo ao palco, e ele ainda não apareceu. Inclusive, o prefeito veio até mim, nervoso, querendo saber onde está Haymitch. Como se eu soubesse.
- Bem vindos, bem vindos, bem vindos à septuagésima quarta edição dos Jogos Vorazes! - Começo meu discurso de todo ano, empolgada. - É uma honra estar aqui e sortear dois corajosos jovens que terão a honra de lutar representando os seus distritos!
As pessoas daqui são muito carrancudas, penso. Ninguém está empolgado. Argh.
- Mas antes, um filme direto da Capital!
E então se passa um vídeo falando dos Dias Escuros, e do Tratado Da Traição, de onde foi acordado que todo ano, cada distrito deveria fornecer um jovem e uma jovem de 12 à 18 anos como punição pelos dias escuros. Esses 24 jovens ficariam sob a custódia da Capital, depois iriam para uma Arena, onde todos lutariam até a morte, até que sobrasse. Essa competição ficaria conhecida como Jogos Vorazes.
Não só uma punição. Uma maneira de unir os distritos. Não só um tempo de arrependimento. Um tempo de agradecimento.
Leio a lista dos vencedores. Exatamente dois, em setenta e quatro anos. No exato momento em que leio "Haymitch Abernathy", ele aparece berrando algo que não dá para entender. Sobe ao palco cambaleando. Está bêbado, muito bêbado. A multidão o aplaude, em reconhecimento. Fazer o quê? Penso. É o único vitorioso que eles tem aqui. Mas Haymitch está confuso e tenta me abraçar efusivamente. Mal consigo desviar, ele é surpreendentemente forte para o estado em que se encontra. Quando me desvecilho dos braços dele, junto toda a dignidade que Haymitch esmagou com seu abraço, e tento continuar a Colheita da forma mais digna que consigo, sabendo que os cachos cor-de-rosa de minha peruca estão levemente tombados para o lado depois de meu encontro com Haymitch. Pelo menos ele não me roubou um beijo ao vivo para toda Panem, penso. Que vergonha
- Eu simplesmente amo isso! - digo empolgada, e dou início de fato à Colheita. - Feliz Jogos Vorazes! E que a sorte esteja sempre ao seu favor! Como sempre, damas primeiro.
E me dirijo ao globo de vidro à minha esquerda, onde estão as tirinhas de papel com os nomes das garotas. Enfio a mão no emaranhado de papéis e mexo um pouco, como fui ensinada a fazer, para criar suspense. E... puxo uma das tirinhas de papel.
Volto ao microfone, abro o papelzinho, e leio, em alto e bom som o nome da sorteada.
- Primrose Everdeen! - Ninguém aparece. - Pode vir, queridinha, onde
está você? - Então vejo as pessoas abrindo espaço para que uma garotinha de uns doze anos anos passe. Coitada, penso. Tão magrinha, não tem muita chance.Ela está com a expressão lívida, e está usando um conjunto branco que claramente não é dela. A blusa fica escapando para fora da saia, parecendo com o rabinho de um pato.
Então tudo muda rapidamente.
- Prim! - ouço um grito estrangulado em algum local da multidão. - Prim! - E uma garota de uns 16 anos, usando um vestido azul com os cabelos castanhos presos em uma trança bem elaborada aparece e se põe na frente de Primrose Everdeen.
- Eu me ofereço! - Ela fala, parecendo muito desesperada, porém firme de sua decisão. - Eu me ofereço como tributo! - Há um burburinho no palco.
- Magnífico! Uma mudança drástica no Distrito 12! - Digo. Essa garota talvez tenha alguma chance, ela tem gana. - Mas eu acredito que haja um... probleminha quando algum voluntário se apresenta depois do nome do vencedor da Colheita ter sido anunciado. Se isso acontece... bem... nós... - Estou atrapalhada.
- Qual o problema? - O prefeito se pronuncia. - Qual o problema? - Ele repete ríspido. - Deixe que ela se aproxime.
- Venha, querida! - Chamo a garota voluntária.
- Não! Katniss, não! Você não pode ir! - A garota sorteada, Primrose, começa a gritar, puxando o braço da voluntária. Acho que as duas são irmãs.
A garota mais velha fala algo para Primrose e um rapaz alto e forte que parece ser irmão da voluntária aparece, fala alguma coisa para ela, e carrega a garota Primrose para a multidão.
A voluntária enrijece o corpo e sobe os degraus para o palco.
- Bravo! - Digo no microfone. Essa garota ainda vai dar o que falar nesses Jogos. Vou recebê-la perto da escada. Venha, querida. - Falo para ela e a conduzo para perto do microfone. - Qual o seu nome, querida?
- Katniss Everdeen. - A voluntária responde.
- Uh, eu aposto o meu chapéu que ela é sua irmã, estou correta? - Ela assente com a cabeça. - Não quer que ela lhe roube a glória, não é mesmo? Vamos lá, todos juntos, uma salva de palmas para a nossa primeira voluntária, Katniss Everdeen! - Ninguém bate palmas. Estou com a peruca torta, e fui deixada no vácuo pela população inteira de um distrito no mesmo dia. Ótimo.
As pessoas, uma a uma, e logo todas, tocam seus três dedos médios da mão esquerda nos lábios e os erguem. Não sei o que significa esse gesto, mas parece ser algo sério e de respeito, já que Katniss Everdeen parece bastante tocada pelo gesto.
Então Haymitch aparece ao nosso lado. - Ai, meu Deus. - E joga um dos braços ao redor dos ombros de Katniss Everdeen. Coitada.
- Olha só para ela. Olha só essa aqui! - Haymitch berra. - Eu gosto dela! Muita... - ele não consegue achar a palavra adequada. - Coragem! - Diz triunfante. E solta a garota. - Mais do que vocês! - Ele se dirige ao
proscênio. - Mais do que vocês. - Ele grita diretamente para uma câmera.Ok, de todas as vezes que passei vergonha por causa de Haymitch, essa foi a pior de todas. Então Haymitch desaba, desmaiado. Ele é levado numa maca. Sinceramente, as vezes eu tenho pena dele, como agora. Mas ainda estou totalmente aborrecida pela vergonha que ele me fez passar hoje.
- Que dia maravilhoso! - Gorjeio. - Mas muitas coisas ainda vão acontecer! É chegada a hora de sortear nosso tributo masculino!
Me dirijo ao outro globo de vidro, pego qualquer papel e pronto, no momento estou mais preocupada em manter minha peruca no lugar.
- Peeta Mellark! - Falo o nome do tributo.
Um garoto de estatura mediana, olhos azuis e cabelos loiros que está claramente tentando esconder o medo está a caminho do palco quando eu pergunto se há algum voluntário. Não há. Peeta Mellark sobe ao palco e eu o conduzo ao seu lugar.
- Os tributos do Distrito 12! - Eu os apresento. Desnecessário dizer que ninguém aplaudiu.
O prefeito lê o longo Tratado Da Traição. Depois, hino de Panem toca e eu peço para os tributos apertarem as mãos.
Sinceramente, apesar de tudo, quero muito ver Haymitch. Afinal, "ano que vem" chegou.
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Can't Remember To Forget You - Hayffie
FanfictionO problema é que eu não consigo lembrar de esquecê-lo.