Capítulo 5 - A minha irmã

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Dedicado a martanut

Ainda a tremer larguei  a sua mão, dei sensivelmente dois passos atrás e piso algo. Inspiro e voltei-me para trás. Parecia que vivia um filme de terror. O facto era que estava num terreno amplo e sujo, com terra mais amontoada nalguns sítios donque noutros, mas o que me preocupou e alertou foi também o facto de aquilo não ser apenas um terreno velho e assustador, aquele solo que eu pisava era também um cemitério. Olhei com muita atenção e foi aí que percebi que não eram pequenos ramos de árvores ou grandes folhas secas, aquilo era mãos,  pés, membros descobertos no meio daquela terra húmida e imunda.
      Doia-me tanto o corpo que não conseguia correr, então andei em passo lento, mas andei. Fui-me embora daquele sítio e procurei ajuda. Lá ao fundo eu consegui avistar casas, pequenas casas. Era uma aldeia. Foi para lá que eu fui. Custou-me tanto mas tanto ter deixado ali a minha irmã, mas eu não a podia trazer comigo por mais que quisesse... ela é sangue do meu sangue, ou era, mas para mim ela vai estar sempre aqui, aqui comigo, eu dava a minha vida por ela se ainda pudesse. Foi com a minha irmã que eu aprendi a discutir, porque discutiamos bastante porque ela chamava-me Maria Rapaz por eu gostar de brincar com carrinhos. Foi com ela que eu dei as minhas primeiras risadas, foi com ela que eu aprendi a cantar, e talvez foi daí que herdei o grande dom de NÃO SABER CANTAR, porque nem toda a gente tem esse dom. Foi com ela que dancei, chorei, descobri, criei, aprendi e também ensinei, porque ela não sabia atar os ténis,  mas isso não importa.  Desabafei tanto com ela. Chorei bastante no seu ombro e ela apoiou-me sempre, e agora? No ombro de quem é que eu vou chorar? Em quem é que eu vou fazer aquelas perguntas que os "fixes" não fazem,  porque parece que já nascem a saber o significado de todas as palavras que para mim já foram chinês. E agora? Agora tudo vai ser diferente,  porque eu todos os dias vou passar pela porta do seu quarto e já não vou ouvi-la a tocar guitarra, já não vou entrar à parva pelo quarto dela a cantar e a fazer as belas danças que eu inventava quando estava feliz. Agora já nao vou ouvir o "DIANA MARÍLIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS PEREIRA, CALA-TE POR AMOR DA SANTA!", que ela gritava apesar de eu não ter esse nome enorme e horroroso que ela inventara.
      Passado uns bons cinquenta minutos cheguei à tal aldeia. Fui acolhida por uma senhora muito simpática,  chamava-se Catherine e tinha quarenta e três anos. Deu-me água e algo para comer, mas eu recusei e a única coisa que eu pedi foi um telefone ou telemóvel, qualquer coisa que desse para ligar à minha mãe. Liguei à minha mãe e dei-lhe o nome da localidade que estavámos. Quando a minha mãe ouviu o nome que eu tinha dito gritou, e foi aí que eu também me ouvi a mim mesma: Eu não estava numa aldeiazinha, eu estava em São Paulo no Brasil.          
       Tomei um banho e vesti uma roupa lavada de uma das suas três filhas, a Cassandra. Levaram-me ao Rio de Janeiro onde eu pude apanhar no aeroporto um avião sem escala até à Inglaterra.
      Algumas horas depos cheguei a Londres e corri para os braços da minha mãe cujos olhos estavam inundados em lágrimas. Perguntei se ela sabia onde estava a Ana, a minha irmã e a resposta que eu obti foi a que eu esperava: "Não, ela desapareceu no mesmo dia que tu meu amor, sabes onde é que ela está? ". Engoli em seco. As minhas torneiras verdes abriram-se e desatei a chorar e respondi que "sim". Contei-lhe tudo o que sucedera, a ela e ao meu pai que também lá estava. Após uma grande conversa e muitos choros fomos chamar a guarda inglesa e os meus pais e eu esperámos pelo próximo voo disponível para São Paulo para podermos ir buscar a minha irmã.  Mas como devem calcular isto demora tempo e abriu-se uma enorme investigação de vinte e sete homicídios e vinte e oito violações. Eu fazia parte do número vinte e oito, e a minha irmã de ambos, tal como todas as outras vinte e seis raparigas que morreram nas mãos de um homem nojento, que mais tarde se veio a descobrir quem era: o Tiago, o meu professor de matemática. Ele matou a minha irmã e mais vinte e seis raparigas da minha escola. Foram todas levadas para o Brasil onde lá a jurisdição inglesa não teria efeito.
     Depois de tudo ele foi preso, e apanhou pena perpétua. Está numa cela há já dois anos mas qualquer coisa em mim diz-me que ele não está lá,  que ele anda por estas ruas e que continua a atormentar outras tantas raparigas. Uma parte de mim sente que ele todos os dias de manhã senta-se num banco de jardim que está em frente ao meu prédio e fica ali a observar a janela do meu quarto. Uma parte de mim sente que ele não se foi embora.
     Foi por causa dele que eu saí da escola, não me sintia segura na rua e a minha casa era o meu ponto de refúgio. Desde o que aconteceu que as pessoas me deixaram de falar, achavam que eu era muito picuinhas por ter medo de um homem. Sim, achavam-me picuinhas por ter medo de um homem que matou e violou a minha irmã e me violou a mim. Eu não tinha muitos amigos com quem confiasse mas conhecia muita gente, mas esse número foi diminuindo, foram se esquecendo de mim, não me percebiam. Estou a tirar um curso em casa como já vos tinha dito. Estou a tirar de advogacia, mas não o vou acabar. Fico-me pelo 12° ano.     
     Desde que estou enfiada no meu canto, neste quarto tive que inventar alguma coisa para passar o tempo, então comecei a pintar quadros, a escrever livros e criei um site de vendas para ajudar a minha mãe a espandir o negócio de manicure que tem.  Graças ao meu site ela já é fornecedora e ajudá-la nisto, faz-me sentir realizada. À minha irmã também faria, se ela ainda estivesse aqui.

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