Capítulo 17: Ataduras

10 1 0
                                    


Permaneci sobre as costas de Nícolas que, teimosamente, não permitiu que eu descesse dela. Estava muito frustrada graças ao seu comentário anterior, e queria, de qualquer forma, desenterrar de minhas memórias o que disse enquanto estava desacordada e por que se tornou motivo do riso dele. Estava ali me pressionando para encontrar respostas, mas estava impossível de lembrar qualquer fragmento daquela fala, era como se estivesse fazendo uma escavação com uma colher de plástico com o objetivo de alcançar o núcleo da Terra – não, não é exagero – talvez seja, mas isso é compreensível.

-Malu? Tá tudo bem? – Perguntou-me.

- Tudo... – Respondi, deixando toda a minha melancolia solta no ar lutando contra minha fobia a trovões.

Avistamos uma velha cabana próxima a uma enorme árvore (a mais bela da floresta por sinal). Ela estava em estado deplorável, coberta de musgo, teias de aranha, raízes de plantas que nasceram enquanto circulavam suas grossas paredes e muitas outras coisas. Provavelmente foi abandonada por falta de visitantes e pelo seu mal estado. Lhe faltava a parte da frente, ou o que nós chamamos de porta, mas era o abrigo perfeito para proteger dois perdidos da tempestade que chegava.

Nós, ou melhor Nícolas, se dirigiu ao fundo da cabana enquanto me carregava em suas costas. Ele pediu que eu me equilibrasse em um só pé e o utilizasse como apoio, pois ele precisava ficar de frente para mim para que me colocasse cuidadosamente no chão. Era uma manobra arriscada, mas eu não podia dizer nada. Me equilibrei com dificuldade, já que sentia dores por todo o corpo, mas antes que eu piscasse, ele se virou, rapidamente, enquanto segurava minha mão. Ele a soltou, me desiquilibrei, fechei meus olhos e quando estava prestes a me dirigir ao chão, senti duas mãos segurando minha cintura. Abri meus olhos.

-Tudo bem, agora use meus ombros como apoio para suas mãos.

Fiz o que ele disse, isso enquanto desviava o máximo de seu belo par de olhos esverdeados, já que estava morrendo de vergonha.

Ele levemente me colocou no chão.

Eu estava tão confusa, ele não parava de sorrir.

Comecei a sentir muito frio, o que era algo normal, afinal, ainda era outono e estava chovendo. Nícolas percebeu que eu estava tremendo como um pequeno cão tosado. Ele me encarava como se buscasse uma solução para o problema. Eu, a todo momento, desviava meu olhar do dele, mas, repentinamente, se agachou e ergueu sua mão direita. Ela ia em direção ao meu rosto e eu a seguia com meus olhos embasados e marejados. Ele a pousou sobre minha testa por alguns segundos.

- Você está ardendo em febre Malu! Por isso está com tanto frio... está até tremendo. – Disse diminuindo o tom de voz como se não soubesse o que fazer.

- E-estou bem... – Afirmei tentando animá-lo.

- JÁ SEI! – Gritou, fazendo com que eu sentisse uma pontada em minha cabeça, como se alguém a estivesse martelando.

Ele se dirigiu até sua mochila e de lá tirou um casaco preto de lã, parecido com uns que vovó tricotava quando eu era pequena. Me cobriu, mas mesmo assim continuava a tremer. E o motivo permanecia oculto. Na verdade, eu tremia devido ao medo sobrenatural que tenho de trovões. Desde criança esse foi um dos meus maiores medos. Eu pensava: "é só um estrondo, um barulho, não vai acontecer nada", mas mesmo assim, só de começar a chover, sentia um aperto no peito, o mesmo aperto que senti quando mamãe se foi. Com papai depressivo, eu não tinha muito com quem contar, então tentava proteger a mim mesma. Tentava ser mais forte do que os trovões. Tentava, já que nunca conseguia. Sempre acabava por me esconder como sempre me escondo de tudo o que temo. Mas, naquela noite, algo me impulsionava a lutar contra isso para não demonstrar minha fraqueza à Nicolas, afinal, eu apenas queria mostrar o quanto posso ser forte para estar ao seu lado sem inconveniências e que era capaz de protegê-lo. Enquanto eu mergulhava em memórias da minha infância conturbada, a chuva apenas aumentava e também os trovões. Eu tremia mais e mais.

Nicolas estava fazendo uma fogueira para que não congelássemos. Nesse momento um trovão dos mais fortes soou. Eu tampei meus ouvidos com toda força que me restava e fechei meus olhos. Senti o perfume dele. Senti o calor de seus braços: um que rodeava minhas costas e outro que levemente pressionava minha cabeça em seu ombro e que logo a acariciava. Senti sua respiração em minha nuca. Senti meu rosto aquecer ainda mais. Já não sabia o que era febre e o que era constrangimento. Tentei me afastar.

- Só mais um pouco. – Sussurrou em meu ouvido, fazendo com que eu me arrepiasse. – O Tavinho me contou tudo. Eu vou te proteger. Não precisa ter medo. Nenhum trovão nesse momento faz tanto barulho quanto as batidas do meu coração.

Eu estava tão surpresa que não sabia o que dizer. Automaticamente o abracei de volta. Minha visão foi ficando cada vez mais conturbada, fui perdendo o resto de minhas forças e simplesmente adormeci.

Acordei em um quarto de hospital com um quadro grave de: será se tudo não passou de um sonho? 

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Feb 02, 2016 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

[THINGS]Where stories live. Discover now