I (atualizado)

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[16 anos depois]

"Elizabeth, tenho uma coisa para te contar..." Não gostava nada quando o meu pai se punha com estas conversas. Sabia que algo de bom não estava para vir.

"Diz pai..." suspirei.

Estávamos a jantar. Era o nosso habitual jantar de pai e filha no mesmo restaurante de sempre, que fazíamos todos os meses. Fazíamos sempre no dia 17, por uma razão especial. Já era uma tradição desde que ele me contou o que aconteceu.

"Tu sabes ...que eu...hum eu tenho...andado a sair com esta mulher...hum há algum tempo..." Começou com rodeios, e eu odiava mesmo quando ele começava a gaguejar, isso significava que eu não ia mesmo gostar daquilo que iria ouvir. De todo.

"Lá vem outra vez a conversa dessa mulher!" Disse irritada, porque a este ponto era como me sentia. Ele sabe muito bem como este assunto é sensível e o quanto me aborrece.

"Calma, querida, podes ouvir por favor?" Implorou. "Eu quero que tu a conheças..." não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir.

"Tu só podes estar a gozar comigo..." De todas as coisas que ele me podia pedir no mundo, esta seria aquela que eu diria, e digo, 'não' sem pensar duas vezes, nem meia vez quanto mais.

"Na verdade, ela está aqui." Ele olhou para trás de mim e percebi que a mulher estava ali e olhei para trás. Ela estava a chegar à nossa mesa.

"Não, tu estás mesmo a gozar com a minha cara!" Já estava muito alterada. Estava prestes a explodir, quando ela chegou à nossa mesa o meu pai levantou-se, e eu também.

"Elizabeth, quero que conheças a Gina, a minha namorada. Gina, esta é a minha filha, Elizabeth." Apresentou-nos como se fosse algo muito normal. Mas eu só queria fugir dali. Sentia-me a ferver por dentro, a qualquer momento iria explodir. A melhor solução era sair daquele lugar. E foi o que fiz.

"Adeus, pai. Tinhas mesmo que fazer isto hoje! Não te vou perdoar!" Peguei no meu casaco e sai a correr. Quando cheguei à rua parei para vestir o casaco visto que estava mesmo muito frio, olhei lá para dentro e vi que ele nem sequer se tinha dado ao trabalho de vir atrás de mim.

É preciso ter descaramento, disse para mim mesma. Isto não é uma atitude regular de um pai. Ele devia ter vindo atrás de mim. Como é que ele foi capaz de fazer isto? Logo hoje, que é um dia com uma tradição especial. Uma homenagem à mulher que ele amou a vida inteira. Mulher essa que por acaso é a minha mãe. Este sítio por si só tem o seu significado! Não é suposto ele trazer a ''namorada'' nova e esperar que eu simplesmente aceite isso sem mais nem menos.

Passou um táxi e fiz sinal para que ele parasse. Entrei e pedi que me levasse para perto da praia. Quando lá cheguei a primeira coisa que fiz foi descalçar-me. Sabia-me pela vida quando sentia a areia fria da noite nos pés. Era algo que me transmitia calma. Sentei-me à beira-mar e permaneci ali a olhar para as ondas do mar na escuridão da noite. É para aqui que costumo de vir quando as coisas não estão bem, e por vezes falo com a minha mãe, e este é o melhor momento.

"Mãe, sei que estás aí. Quem me dera ter-te conhecido, aliás quem me dera nunca teres partido." Uma lágrima quente escorria-me pela face, causando um contraste com a minha pele esfriada pelo vento da maresia. "Se estivesses aqui, estaríamos naquele restaurante a jantar como uma família feliz... Porquê mãe, porquê? Porque é que não estás a...."

"A falar sozinha?" Um rapaz interrompe-me acabando a minha frase, e também me assustando. Nunca tinha visto ninguém nesta praia à noite. De dia está atolada de gente, mas durante a noite é um sossego absoluto. Daí ser um dos meus lugares preferidos nesta cidade.

O Perfeito Desconhecido | Maggy Austin | PTOnde histórias criam vida. Descubra agora