Capítulo 9

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Consegui fugir mais facilmente da minha irmã. Não importava o que eu dissesse a ela, Loren continuava crente de que havia acontecido mais do que eu estava contando. E até havia – só não na concepção dela.

Então, ao invés de uma garota cujo... rolo se revelara um tipo de criatura sobrenatural, eu era para Loren a irmã mais nova que aparentemente tinha dado uns fortes amassos – ou mais – com o namorado, ou o que quer que Théo fosse meu. Eu realmente preferia a alternativa dela, mas o que eu podia fazer, não é?

Mas, ao contrário do que eu estava esperando, conforme os dias passaram, nada mudou. Toda manhã, eu ia ao colégio com Keyla e voltava com ela e Théo. Todo dia, ele me tocava e ficava próximo, mas nada além disso.

E todo dia, eu sentia que apesar de todas as revelações, havia alguma coisa que ele ainda mantinha escondida. Muita coisa, na verdade. Porque, no fundo, ele não havia me explicado nada. O fato de ele misteriosamente poder se transformar em cachorro não explicava que ele devia estar morto ou incrivelmente velho. Não explicava o que ele estava fazendo em São Joaquim. E, principalmente, não explicava a sombra nos olhos dele.

Ela estava lá quase todos os dias agora. Eu via seus olhos ficando mais e mais escuros quando ele não estava olhando pra mim. Eu via a sombra tirar todo o brilho dos seus olhos enquanto voltávamos pra casa, ele com a mão na minha cintura e Keyla seguindo silenciosa ao meu lado.

Eu achava que aquela revelação mudaria tudo, que traria sentido às coisas, mas só me trouxera mais perguntas. Théo passou semanas se recusando a me responder todas as questões pendentes, muito apesar de estarmos de acordo em não escondermos mais nada um do outro. Eu só via o cachorro passeando de um lado para o outro na minha rua, me seguindo aonde quer que eu fosse. Em pouco tempo, deixou de ser uma forma de afeto para tornar-se incômodo.

O mais estranho, contudo, era que a cada dia mais perto de Théo eu me sentia um passo mais longe de Keyla. Estar entre eles era como estar em uma balança, em uma gangorra, onde para alcançar um, eu tinha de deixar o outro. Não havia equilíbrio. Eu não podia manter minha amizade com Keyla intacta e ter Théo ao mesmo tempo.

Keyla não falava, mas eu via nos olhos dela que ela desaprovava a nossa relação com todas as forças. Seu instinto protetor ainda estava lá, enquanto me observava, mas agora trocara a minha companhia pela de Pablo – o único que compartilhava do seu sentimento.

Eu não me sentia mal, contudo. Era estranho, mas ao mesmo tempo em que eu sabia, de alma e coração, que estava escolhendo o lado errado da balança, eu não conseguia me arrepender daquela escolha. Eu amava Théo com uma intensidade desconhecida por mim até então, e eu não podia fazer nada se Keyla não conseguia enxergar isso. Eu não podia segurar.

Assim, o tempo foi passando.

Quase um mês depois, nada havia mudado.

Estávamos no finalzinho de Abril, tão perto do inverno que as temperaturas já baixas apenas insistiam em cair. Minha preocupação maior, contudo, era com o meu aniversário, que já estava ali do lado. Sete de Maio. Aniversário da cidade, feriado local e meu aniversário de dezessete anos.

Quando expressei essa preocupação para Théo, ele não entendeu. Eu também não quis explicar, em parte porque eu tinha meus próprios segredos – ele não sabia nada sobre tia Gilda, e eu não queria ter de contar tudo só pra dizer que eu detestava meu aniversário porque ela sempre vinha me fazer uma visita.

- Quando é o seu aniversário? – ele me perguntou. Suspirei.

- Sete de Maio. – respondi, desinteressada e tremendo. Faziam nove graus naquela manhã.

Ardente PerigoOnde histórias criam vida. Descubra agora